Em um ano marcado pelo fim da recessão, a economia brasileira ainda registrou reflexos da crise, com sucessivos cortes de gastos, interrupção de serviços públicos por falta de recursos, aumento de tributos e situação crítica nas contas públicas de alguns estados. Com o início da retomada a partir do segundo semestre, a inflação e a taxa básica de juros registraram quedas sucessivas, e a criação de emprego chegou a registrar sete altas consecutivas.
PIB
A economia brasileira saiu da recessão em 2017, após dois anos seguidos de retração. Os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano mostram que nos nove meses de 2017, o Produto Interno Bruto (PIB, soma de todos os bens e serviços produzidos no país) registrou crescimento acumulado de 0,6% em relação a igual período de 2016. Com isso, a projeção de crescimento do Ministério da Fazenda para 2017 subiu de 0,5% para 1,1%. A revisão se deve, entre outros fatores, ao ajuste para reduzir endividamento, que favorece o crescimento; e à inflação mais baixa, que possibilita a recuperação do consumo.
Orçamento e meta fiscal
Apesar da perspectiva positiva de crescimento, a demora na recuperação econômica acarretou dificuldades na administração do Orçamento em 2017, chegando a comprometer o funcionamento de serviços públicos. No fim de março, a equipe econômica indicou que faltavam R$ 58,2 bilhões para cumprir a meta de déficit primário (resultado negativo sem o pagamento dos juros da dívida pública) de R$ 139 bilhões. Uma semana mais tarde, o governo anunciou o corte de R$ 42,1 bilhões de despesas discricionárias (não obrigatórias). Em julho, o bloqueio foi ampliado para R$ 44,9 bilhões.
Depois de constatar a incapacidade de cumprimento da meta fiscal, em meados de agosto, a equipe econômica aumentou tributos, especialmente o PIS/Cofins dos combustíveis e elevou para R$ 159 bilhões a meta de déficit primário para 2018 do Governo Central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central). A partir daí, a recuperação da economia, a alta de impostos e algumas receitas extraordinárias melhoraram o caixa do governo.
Em setembro, a equipe econômica liberou R$ 12,8 bilhões do Orçamento. Mais R$ 7,5 bilhões foram desbloqueados em novembro e mais R$ 5 bilhões em dezembro, reduzindo para R$ 19,6 bilhões as verbas contingenciadas do Orçamento de 2017. Segundo o Ministério do Planejamento, o governo deve cumprir, com pequena folga, a meta de déficit primário de 2017. Em novembro, o Governo Central registrou o primeiro superávit primário para o mês em quatro anos.
Refis e repatriação
Parte da demora na retomada se deveu a dificuldades de relacionamento do governo com o Congresso Nacional, que acabaram adiando medidas propostas pela equipe econômica para reforçar o caixa da União. Uma delas foi a medida provisória (MP) que criou o Programa de Regularização Tributária (PRT), editada em janeiro, que previa o parcelamento de débitos de contribuintes com a União, sem perdão de multas nem de juros. Sem acordo no Congresso, a MP perdeu a validade no fim de maio, e o Executivo teve de editar outra medida, criando o Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), também chamado de Novo Refis, dessa vez com desconto nas multas e nos juros.
Durante a tramitação, o Congresso introduziu ainda mais benefícios no Novo Refis, que diminuíram a estimativa de arrecadação com o programa. O prazo de adesão, previsto inicialmente para o fim de agosto, foi prorrogado duas vezes: para 31 de outubro e 14 de novembro. Até o fim de novembro, o PRT e o Pert tinham arrecadado R$ 20,25 bilhões. Isso porque os contribuintes pagaram a entrada neste ano e só desfrutarão dos benefícios fiscais nas parcelas a partir de janeiro.
Outra medida para reforçar o caixa terminou com baixa adesão. A segunda etapa do programa de regularização de ativos no exterior, conhecida como repatriação, só arrecadou R$ 1,6 bilhão, contra estimativa inicial de R$ 13 bilhões.
Arrecadação com leilões
Além dos programas de parcelamento especial de dívidas com a União, os leilões de concessões de aeroportos, de petróleo e gás na camada pré-sal e nas outras áreas e a renovação da concessão de quatro usinas hidrelétricas da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) reforçaram os cofres federais ao longo do ano.
Em julho, o Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a emitir um alerta sobre o risco de o governo não conseguir arrecadar R$ 19,3 bilhões para cumprir a meta fiscal ainda este ano. O leilão das usinas da Cemig chegou a ser suspenso pela Justiça Federal, mas a liminar foi cassada, e a venda arrecadou R$ 12,1 bilhões. No fim do ano, o Tesouro conseguiu garantir R$ 65 bilhões em receitas extraordinárias, dos quais R$ 31,4 bilhões apenas por meio dos leilões de concessões.
Cortes em serviços públicos
Por causa dos ajustes para cumprir a meta fiscal, os cortes feitos pelo governo ao longo do ano afetaram alguns serviços públicos. Por falta de dinheiro, a emissão de passaportes pela Polícia Federal ficou suspensa por um mês. A Polícia Rodoviária Federal reduziu o patrulhamento e suspendeu alguns serviços, como resgate aéreo e escoltas. Diversas universidades federais anunciaram insuficiência de recursos para o segundo semestre.
O remanejamento emergencial de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a melhoria da arrecadação no segundo semestre amenizaram a situação de alguns órgãos públicos, que tiveram parte das verbas retidas liberadas. No caso das universidades federais, somente no fim de novembro todos os recursos de custeio (despesas de manutenção) foram desbloqueados.
Crise nos estados
Nas contas dos estados, os reflexos da crise e da recessão foram ainda mais visíveis em 2017, apesar da recuperação econômica no segundo semestre, e levaram a atraso de pagamentos a fornecedores, a credores e a servidores locais. Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Sergipe não conseguiram pagar o décimo terceiro do funcionalismo em dia.
Em fevereiro, o Palácio do Planalto enviou ao Congresso o projeto de lei complementar que criou o Programa de Recuperação Fiscal para unidades da Federação com alto endividamento e problemas de liquidez. A lei só foi sancionada em maio. O programa prevê a suspensão do pagamento da dívida dos estados com a União e uma linha especial de crédito de bancos privados a estados que se comprometerem com um programa de ajuste fiscal que inclui aumento de tributos, corte de gastos e privatizações.
No começo de junho, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou o acordo de recuperação fiscal, que só foi homologado em setembro. O governo fluminense terá de fazer um ajuste de R$ 63 bilhões até 2020. O leilão para definir o empréstimo de R$ 2,9 bilhões para regularizar os salários do funcionalismo no estado ocorreu em novembro, mas a operação de crédito só foi autorizada pelo Palácio do Planalto no último dia 15 e os salários atrasados começaram a ser pagos a partir do dia 20.
Depois do Rio de Janeiro, o Ministério da Fazenda reiniciou as negociações com o Rio Grande do Sul. A principal dificuldade consiste em harmonizar as estatísticas de pagamento aos servidores gaúchos às normas do Tesouro Nacional e da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Com greve de servidores públicos, policiais e bombeiros, o Rio Grande do Norte teve um socorro de R$ 600 milhões negado pelo Ministério da Fazenda e recorreu ao TCU para tentar reverter a medida. O Tesouro Nacional descarta ajuda com recursos do Orçamento e promete uma linha de crédito atrelada a um programa de modernização da gestão pública acompanhado pelo Banco Mundial, num projeto-piloto que poderá ser expandido a outros estados.
Emprego
O início da recuperação da economia levou a uma reação nos dados do emprego em 2017. Nos 11 meses do ano, o saldo de empregos chegou a 299.635 novas vagas, com expansão de 0,78% em relação ao mesmo período de 2016, segundo os dados Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
Apesar do saldo acumulado, novembro teve resultado negativo, com 12.292 vagas fechadas, já consideradas as novas regras de contratação estabelecidas pela reforma trabalhista. A queda de novembro reverteu uma série de sete resultados positivos consecutivos na geração de empregos.
Em 12 meses (dezembro de 2016 a novembro de 2017), o saldo também é negativo, com redução de 178.528 postos de trabalho, uma retração de 0,46%.
Inflação
O ano de 2017 foi marcado por um forte processo de desinflação, que surpreendeu agentes econômicos. A recessão dos últimos anos contribuiu para conter os preços. A inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), deve ficar abaixo de 3%, que é o piso da meta.
O IPCA do ano será divulgado pelo IBGE em janeiro de 2018. No acumulado de 11 meses, a inflação chegou a 2,5%, o menor resultado acumulado para de janeiro a novembro desde 1998, quando a taxa ficou em 1,32%. É também um resultado bem abaixo dos 5,97% em igual período do ano passado. Com a contribuição da safra agrícola, os preços dos produtos alimentícios, que respondem por 25% das despesas das famílias, foram decisivos para as seguidas quedas nas taxas de inflação ao longo do ano e encerraram novembro com os custos menores pelo sétimo mês consecutivo. Por outro lado, os preços de gás, gasolina e energia subiram ao longo de 2017, mas têm peso menor ao serem comparados com a queda dos alimentos.
Taxa básica de juros
Com os preços mais baixos e expectativas para uma inflação menor, a taxa básica de juros, a Selic, passou por um ciclo de cortes, chegando ao menor nível histórico. Nas oito reuniões de 2017, Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reduziu a Selic sucessivamente, com queda acumulada de 6,75 pontos percentuais, passando de 13,75% ao ano para 7% ao ano.
Em dezembro, o Copom sinalizou que pode haver nova redução da Selic em fevereiro de 2018. Segundo o comitê, a continuidade da redução da taxa depende da evolução da atividade econômica e das expectativas de inflação.
Crédito
O crédito no país deve registrar o segundo ano seguido de queda em 2017, com expectativa de retomada em 2018. A expectativa do Banco Central é que o crédito ofertado pelos bancos deve apresentar retração de 1% neste ano e crescimento de 3% em 2018.
Nos 11 meses de 2017, o crédito caiu 1,4%, ficando em R$ 3,063 trilhões. Desse total, o crescimento dos empréstimos para as famílias (5,1%) não foi suficiente para compensar a queda do crédito para as empresas (7,9%), influenciada pela redução dos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Uma parte da redução do crédito para as empresas se deve à substituição do financiamento do sistema financeiro pelo mercado de capitais.
Em 2017, houve redução do custo dos empréstimos para empresas e famílias, mas as taxas ainda são altas. Os recuos foram influenciados pela redução da taxa básica de juros, a Selic, e da inadimplência. Em novembro, a taxa média anual do crédito com recursos livres para as famílias ficou em 58,1%, com recuo de 14,3%, no ano. A taxa das empresas ficou em 22,9% ao ano, com redução de 5,2%.
Em abril de 2017, começou a valer regra do Conselho Monetário Nacional (CMN) que limitou a 30 dias o tempo para permanecer no rotativo do cartão de crédito. As instituições financeiras foram obrigadas a transferir a dívida para o crédito parcelado, que tem taxas menores. Em novembro, a taxa do rotativo do cartão de crédito para quem paga pelo menos o valor mínimo da fatura chegou a 218,3% ao ano. A taxa cobrada dos consumidores que não pagaram ou atrasaram o pagamento mínimo ficou em 410,4% ao ano, com redução de 109,3 pontos percentuais.
Liberação do FGTS e do PIS/Pasep
Em meio à queda da inflação e dos juros, o consumo em 2017 também foi incentivado pela liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS/Pasep.
Segundo a Caixa Econômica Federal, foram pagos mais de R$ 44 bilhões relativos às contas inativas do FGTS, 88% do valor atualizado disponível para os benefícios sem movimentação até 31 de dezembro de 2015. Segundo o banco, a medida beneficiou mais de 25,9 milhões de trabalhadores. Os saques foram feitos entre 10 de março e 31 de julho.
O governo também liberou R$ 7,2 bilhões de lucro do FGTS a cerca de 88 milhões de trabalhadores. O valor liberado equivale a 50% do lucro líquido do fundo no ano anterior.
Em agosto, o saque de contas do PIS/Pasep foi liberado para homens a partir de 65 anos e mulheres a partir de 62 anos. Pelos cálculos do governo, a liberação injetou cerca de R$ 16 bilhões na economia, o que representa 0,25% do PIB. A medida atingiu 8 milhões de pessoas, sendo que a maioria tem saldo na conta do PIS/Pasep em torno de R$ 750.
Na última semana do ano, o governo reduziu para 60 anos a idade mínima para saque do PIS/Pasep, tanto para homens quanto para mulheres.