O Projeto Charão, conduzido há 27 anos por meio de uma parceria entre a Universidade de Passo Fundo (UPF) e a Associação Amigos dos Meio Ambiente (AMA) de Carazinho, criou uma nova área natural protegida: a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Papagaios-de-Altitude. A área foi oficialmente criada pelo Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio) com a publicação de portaria publicada no Diário Oficial da União do dia 23 de fevereiro deste ano.
Nesse sábado, dia 14 de abril, foi realizada a solenidade de inauguração oficial, no auditório do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), campus de Urupema, reunindo autoridades locais e estaduais, ICMBio, universidades da região, proprietários de RPPNs e vizinhos da área. O espaço fica no planalto do estado de Santa Catarina, onde ainda ocorrem os maiores ambientes remanescentes de Florestas com Araucárias.
Conquista coletiva
Conforme o professor da UPF Jaime Martinez, que coordena o Projeto Charão, foi com apoio de instituições como o Comitê Holandês da União Internacional da Conservação da Natureza (IUCN) e do Rainforest Trust dos Estados Unidos, além de doações de muitas pessoas do Brasil, inclusive professores e acadêmicos da UPF, que o Projeto conseguiu realizar a compra da área de 46 hectares no município de Urupema, em Santa Catarina, muito conhecido por ser considerado o município mais frio do Brasil.
Para ele, a transformação da área em uma RPPN vai além da conservação da biodiversidade e da manutenção de ecossistemas íntegros. “Criar uma área natural protegida, na forma de uma RPPN, em caráter perpétuo, demonstra uma possibilidade concreta de manter um estoque estratégico de pinhões para os papagaios e toda a fauna silvestre, pois, nessa área de 36 ha, não haverá nenhuma forma de coleta de recursos naturais”, aponta o professor.
Do ponto de vista ético para com toda a sociedade, Martinez explica que a RPPN representa uma ação que trará benefícios para toda a comunidade por meio dos serviços ambientais como a produção de água, a polinização das culturas agrícolas e a proteção dos solos. Além disso, ele destaca que representa a maturidade científica do Projeto Charão. “Assumimos uma das atitudes mais importantes para a conservação da biodiversidade a nível mundial, que é a manutenção de ecossistemas íntegros, sem a ação humana desregrada, e isso nos impõe grandes compromissos para manter a qualidade ambiental da reserva natural e para protegê-la, a fim de cumprir com seus objetivos pedagógicos junto à sociedade, sempre buscando restabelecer a conexão com a natureza”, declara.
Preservação e conservação da biodiversidade
Um dos motivos que levou a equipe a optar por essa área é o fato de ela localizar-se dentro da área que o papagaio-charão utiliza quando migra para Santa Catarina em busca do pinhão. “Escolhemos essa área também pela grande quantidade de pinheiros que preserva, com objetivo de garantir um estoque estratégico de alimento para os papagaios que voam centenas de quilômetros desde o Rio Grande do Sul em busca desse recurso alimentar”, comenta Martinez.
Da área total da propriedade, 36 hectares foram incluídos como RPPN, garantindo a preservação em caráter perpétuo de seus recursos naturais, enquanto que 10 hectares de áreas de campo serão preservadas em condições de manejo da vegetação. “A RPPN Papagaios-de-Altitude apresenta uma boa parte da área com cobertura de Floresta com Araucária, áreas com predominância do xaxim e áreas abertas com campos localizadas a uma altitude de 1.450 metros em relação ao nível do mar, onde existe uma ampla turfeira cobrindo os afloramentos rochosos”, descreve Martinez.
Segundo ele, a área também preserva várias nascentes, cumprindo com um fundamental serviço ambiental para as comunidades humanas na produção de água de excelente qualidade. O nome "papagaios-de-altitude" foi escolhido em razão de que, na região, são encontradas as duas espécies de papagaios que o projeto pesquisa e em cuja preservação atua, o papagaio-charão e o papagaio-de-peito-roxo, os quais mantêm uma forte interação com as araucárias.
Refúgio da fauna silvestre
Antigamente, o espaço abrigava uma fazenda que exercia a atividade pecuária. De acordo com Martinez, já faz um ano e meio que não há presença de animais de criação dentro da área e isso fez com que a vegetação se regenerasse em uma velocidade impressionante. “A eliminação de muitos impactos trouxe tranquilidade para a fauna silvestre, que, aos poucos, vai repovoando a reserva. Pelo fato de não haver mais coleta de pinhões dentro da área, toda a produção das sementes dos pinheiros fica à disposição da fauna silvestre, o que também tem sido um forte atrativo não só para o papagaio-charão e papagaio-de-peito-roxo, mas de muitas espécies ligadas à cadeia alimentar do pinhão”, explica o professor.
Os primeiros resultados do monitoramento da fauna impressionaram toda equipe de pesquisadores do Projeto Charão, com a presença de grandes grupos de coatis, de diversas espécies de cervos, de carnívoros como a irara, gatos-do-mato, e também do segundo maior felídeo das Américas, o puma, também conhecido como onça-parda ou leão-baio. “A conservação da natureza sempre nos traz um efeito ‘guarda-chuva’, pois, ao protegermos o hábitat natural de uma espécie, no caso dos papagaios, acabamos protegendo diversas espécies que compartilham desse ecossistema, e assim toda a biodiversidade ganha, sem falar nos benefícios para as populações humanas como a produção de água”, destaca Martinez.
A área ficou sob responsabilidade da AMA e, pela parceria com a UPF e o Projeto Charão, estará aberta para atividades educativas e de pesquisa para vários cursos da Universidade, principalmente projetos dos alunos de pós-graduação. A reserva também mantém uma parceria com o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), campus de Urupema; e com a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), campus de Lages; e sempre uma relação muito forte com a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, de Curitiba; e com a Fundação Certi, de Florianópolis.