O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lançou hoje (21) uma agenda com recomendações aos candidatos a prefeito nas eleições municipais deste ano.
Para a organização, os impactos da pandemia do novo coronavírus (covid-19) tornaram mais evidente a importância de que as políticas públicas tenham como foco crianças e adolescentes, apontados pelo Unicef como as vítimas ocultas do coronavírus. A organização destaca que essas iniciativas devem estar no foco dos candidatos e também dos milhões eleitores de brasileiros que vão às urnas no próximo dia 15 de novembro para escolher os novos prefeitos e vereadores nos mais de 5 mil municípios do país. Entre as recomendações da publicação, batizada de “Mais que promessas - crianças e adolescentes devem ser prioridade nas eleições municipais", estão a de incluir como prioridade ações em nível municipal nas áreas de educação, água e saneamento, proteção de crianças e adolescentes contra a violência, assistência social, o cuidado com a primeira infância, entre outras.
“A gente sabe que o vírus [covid-19] não afeta essa faixa etária com tanta força como afeta as outras faixas etárias, por isso elas são consideradas vítimas ocultas. Não se levou em conta o impacto que a crise em si está tendo contra crianças e adolescentes, que estão sofrendo de forma mais intensa as consequências da pandemia no médio e longo prazos”, disse a representante do Unicef no Brasil, Florence Bauer durante coletiva para apresentar a agenda.
De acordo com Florence, a crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus afetou mais as famílias com crianças e adolescentes que apresentaram as maiores reduções de renda familiar. Entre os impactos, por exemplo, estão a piora na qualidade da alimentação, que apresenta reflexos na saúde e na aprendizagem.
A representante do Unicef destacou que esse cenário afeta mais meninas e meninos que já viviam em situação de vulnerabilidade, ampliando as desigualdades no país. Segundo Florence, a pandemia da covid-19 reafirmou a necessidade de políticas públicas que garantam a cobertura universal de serviços de água e saneamento, cruciais para que a população possa manter hábitos de higiene, evitar o contágio pelo coronavírus e outras doenças, e cuidar da saúde.
“São desafios que antes da pandemia já eram importantes e passam a ser mais preocupantes numa situação onde sabemos a importância do acesso a água a higiene para poder prevenir a propagação do vírus”, afirmou Florence. “Por isso que água e saneamento tem que ser uma das prioridades que os municípios têm que incluir nas suas ações. Isso tem que ser feito em conjunto com os outros níveis de governo, como estados e a União”, explicou.
O panorama da vulnerabilidade
Estimativas do Programa Conjunto de Monitoramento da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do UNICEF para Saneamento e Higiene (JMP), com base em dados de 2017 apontam que 15 milhões de brasileiros que vivem em áreas urbanas não têm acesso a água tratada. Nas áreas rurais, 25 milhões gozam apenas de um nível básico desses serviços.
Estimativas do JMP, também com base e dados de 2017, apontam que 39% das escolas brasileiras não têm serviços básicos para lavagem das mãos. Já dados do Censo Escolar de 2018, mostram que 26% das escolas não têm acesso ao abastecimento público de água e 49% não têm acesso à rede pública de esgoto.
Na área de Educação, o Unicef destaca que o longo tempo de fechamento das escolas e o isolamento social impactaram profundamente a aprendizagem, a saúde mental e a proteção de crianças e adolescentes contra a violência. Nesse último ponto, com meninas e meninos fora da escola, isolados em casa e longe da rede de proteção, muitos ficaram vulneráveis à violência e também sob o risco outras violações de direitos como o trabalho infantil.
Segundo a organização, o impacto com o fechamento das escolas atinge de maneira mais intensa crianças e adolescentes que estão mais em situação de vulnerabilidade, como indígenas, pretos e pardos, moradores de localidades na zona rural dos municípios. Muitas dessas crianças ficaram sem ter algum tipo de contato regular com as escolas após a pandemia.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid-19, mostram que em agosto de 2020, quatro milhões de estudantes do ensino fundamental (14,4%) estavam sem acesso a nenhuma atividade escolar. A maioria negros, vivendo em famílias com renda domiciliar inferior a meio salário mínimo.
Outro aspecto é que a longa ausência de crianças e adolescentes do ambiente escolar, torna mais fácil a evasão escolar. Daí a necessidade de que, além de reabrir as escolas, estabelecer programas de busca ativa para ir atrás de quem não conseguiu se manter aprendendo na pandemia – ou quem já estava fora da escola ou em atraso escolar antes da covid-19.
“É fundamental que os municípios tomem medidas para reverter esse quadro. Um ano perdido na vida de uma criança e mais prejudicial do que um ano perdido para um adulto”, afirmou Florence.
O Unicef recomenda que os municípios planejem da melhor forma possível a retomada as atividades escolares presenciais. A organização destaca, entretanto, que essa reabertura deve ocorrer com segurança, preservando a saúde de crianças, adolescentes, profissionais da educação e das famílias de todos.
Para tanto, é fundamental avaliar a situação da pandemia em cada estado e em cada município, assegurando investimentos financeiros para que a retomada aconteça de forma segura.
“Com o tempo, teremos mais evidências sobre as consequências do fechamento das escolas e os impactos no bem-estar e na aprendizagem de estudantes. Por ora, já se torna evidente que quanto mais tempo crianças e adolescentes permanecerem fora da escola, menor a probabilidade de retornarem, o que acontece especialmente nas famílias em situação de maior vulnerabilidade”, diz o Unicef.