Invasão aos Três Poderes é ato criminoso, afirmam especialistas

Atos executados por apoiadores de Jair Bolsonaro marcaram um domingo (6) em que a democracia foi ameaçada por atos golpistas

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Criminosos destruíram paredes, janelas, obras de arte, móveis históricos e equipamentos de trabalho. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)Criminosos destruíram paredes, janelas, obras de arte, móveis históricos e equipamentos de trabalho. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Criminosos destruíram paredes, janelas, obras de arte, móveis históricos e equipamentos de trabalho. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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Classificado como um ato criminoso e anti-democrático, a invasão executada por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional, ao Palácio do Planalto e ao Supremo Tribunal Federal (STF) no último domingo (8) é analisada como parte de um movimento golpista que já estava em tramitação no Brasil, conforme pontua o filósofo e militante dos direitos humanos, Paulo Carbonari.  


Ato golpista, anti-democrático e criminoso 

O dia já se encaminhava para o seu fim quando a invasão começou após a barreira formada por policiais militares na Esplanada dos Ministérios, ter sido rompida. O Congresso Nacional foi o primeiro a ser invadido, com os criminosos ocupando a rampa e soltando foguetes. Depois, eles quebraram o vidro do Salão Negro do Congresso e danificaram o Plenário da Casa. Após a depredação no Congresso, eles invadiram o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF). No STF, quebraram vidros e móveis.

Segundo Paulo Carbonari, os movimentos presenciados no domingo não podem ser classificados como atos políticos e espontâneos. “Esse foi um ato golpista porque havia a intenção de produzir uma consequência de agravamento da situação política do Brasil. Aquilo não foi uma aventura, algo espontâneo. Foi acontecimento, um desdobramento de um ato planejado”, esclareceu o filósofo, afirmando que esse não foi um protesto pacífico em defesa da democracia e das instituições, no entanto, não é possível declarar que foram atos terroristas. “Terroristas, seriam usar da força para desestabilizar as instituições e realmente há elementos para utilizarmos essa expressão, mas quem irá julgar desse ponto de vista é o direito penal. No entanto, podemos afirmar que esses atos são absolutamente anti-democráticos”, ressalta Paulo. 


O que diz a lei 

O promotor de Justiça Criminal e Mestre em Direito pela Universidade de Passo Fundo (UPF), Álvaro Luiz Poglia, esclarece que é necessário separar o que são atos de terrorismo, inclusos nas leis anti terrorismo e o que ocorreu no domingo. “Como promotor de Justiça e pesquisador, entendo que esta é uma prática de crimes contra as instituições democráticas, previstas em lei, no Art. 359-L”, pontua Álvaro. 

O Art. 359-L, da Lei 14.197 de setembro de 2021, estabelece que “tentar, de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais” resulta na pena a reclusão de 4 a 8 anos, além da pena correspondente a violência. Esse artigo se soma ao Art. 359-M, também da Lei 14.197, em que “tentar depor, por meio da violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”, ou seja, um golpe de Estado, gera a pena de reclusão de 4 a 12 anos, além da pena correspondente à violência. 

Dentro do Art.359, o promotor de Justiça Criminal aponta que o 359-T torna legítima manifestações críticas aos poderes constitucionais por meio de passeatas, greves e manifestações. No entanto, essa “linha” do artigo não se aplica ao que foi visto no domingo. “Quem pratica um latrocínio é um latrocida. Quem pratica o crime da Maria da Penha é um agressor. E quem atenta contra o Estado de direito é um criminoso. Podemos dar adjetivos como golpista, mas quem estava lá ontem, quem financiou e deu cobertura para este ato, inclusive autoridades que foram negligentes, todos atentaram ao Estado de direito e são criminosos”, afirma Álvaro Poglia.


Prisões

A Polícia do Exército e a Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF) começaram, durante a manhã de segunda-feira (9), a desocupar a área em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília por ordens do Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Aproximadamente 1.200 pessoas foram presas no local e levadas em dezenas de ônibus até a Superintendência da Polícia Federal (PF) em Brasília. A Polícia Legislativa prendeu 44 invasores no domingo, que foram encaminhados ao sistema penitenciário da Papuda.  

A Polícia Civil efetuou a prisão em flagrante de 204 vândalos durante o domingo e, de acordo com a corporação, os responsáveis por atos de menor potencial ofensivo assinaram termos de comparecimento à Justiça e foram liberados. Outros, responsáveis por condutas mais graves, permanecem presos. Além disso, a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seap-DF) informou que 176 pessoas que foram presas em flagrante no domingo, entre elas 112 homens e 64 mulheres, que foram transferidos para o Centro de Detenção Provisória II e a Penitenciária Feminina do Distrito Federal.

Conforme explicou o promotor de Justiça Criminal Álvaro Luiz Poglia, quem foi preso em flagrante será devidamente identificado através da investigação criminal e das polícias do Estado. Identificados, irão responder ao inquérito policial e se forem considerados culpados irão ser indiciados, indo posteriormente à justiça, respondendo a um processo criminal. “Eles vão responder pelos principais crimes que são a tentativa da abolição violenta do Estado de direito e a tentativa de depor, por meio de violência, o governo legitimamente eleito”, esclareceu. “Mas também temos crimes de associação criminosa, lavagem de dinheiro de “empresários” que devem estar financiando isso. Aqueles que ficaram atrás do “toco”, vão ser identificados. Pessoas que ficaram dois meses acampadas, comendo e bebendo e viajando, alguém está pagando essas despesas. Todos que colaboraram para isso serão devidamente punidos”, completou. 


Justiça de Transição 

Quando se olha o processo de redemocratização brasileira, Álvaro Poglia pondera que as invasões aos Três Poderes e os pedidos de Intervenção Militar demonstram uma clara falha do Brasil em transmitir o que foi a Ditadura Militar no país. “Atribuo como pesquisador e professor que nós não passamos, depois de 25 anos de uma ditadura militar sangrenta, por aquilo que a ONU preceitua como Justiça de Transição, algo que países como Argentina e Uruguai passaram”, disse, explicando que a Justiça de Transição é estabelecida em quatro pilares para a superação de um regime autoritário e a verdadeira implantação da ordem democrática. “O primeiro é a de políticas de memória e verdade para as novas gerações saberem o que ocorreu na ditadura. Por segundo, indenização dos presos políticos, de forma injustificável. Ainda, a punição dos torturadores e por último a depuração das instituições republicanas”, esclareceu. “O Brasil não fez o dever de casa, se tivesse, nós não estaríamos passando por essa situação”.

O militante dos Direitos Humanos Paulo Carbonari completa que esse é um movimento que faz parte de um processo golpista, em que houveram outras tentativas de invasão, mas fracassadas. “Esse movimento de domingo foi o suspiro final de algo que está presente na sociedade patrocinada por essa ordem fascista solta no Brasil. Esse é um desfecho e espero que seja um encerramento dessa tentativa de desconstrução da ordem pública e de tratativas golpistas”, mencionou. “Esses grupos não têm apoio da sociedade brasileira e internacional. Acaba sendo um grupo pequeno descontrolado, mas orientado, intencionado e apoiado por agentes que deveriam ser contidos”, completou.


Governador do Distrito Federal

O governador do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha, ficará 90 dias afastado do cargo. Em decisão publicada na madrugada dessa segunda-feira (9), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), citou descaso e omissão por parte do governador e do então secretário de Segurança do DF, Anderson Torres, que foi exonerado ainda no domingo. Anderson Torres e o chefe do Executivo local também serão incluídos no inquérito que investiga atos antidemocráticos. A vice de Ibaneis, Celina Leão (PP), assume o comando do Executivo local no período.


Atos "golpistas"

Em uma nota conjunta, o presidente do Brasil, Lula Inácio da Silva (PT), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o presidente em exercício do Senado Federal, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), e a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, dizem rejeitar os “atos terroristas, de vandalismo, criminosos e golpistas”. “Estamos unidos para que as providências institucionais sejam tomadas, nos termos das leis brasileiras”, diz a nota, que foi publicada no perfil oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em redes socais. “Conclamamos a sociedade a manter a serenidade, em defesa da paz, e da democracia em nossa pátria”.


Notas de repúdio 

Durante o domingo e a segunda-feira, diferentes entidades, sindicatos e órgãos de todo o Brasil emitiram notas de repúdio contra atos perpetrados contra a democracia brasileira e o Estado Democrático de Direito. 

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