Pesquisa contesta benefícios do chimarrão

Professora e alunos do curso de Farmácia da UPF descobriram que a erva-mate pode causar danos a memória de ratos

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Redação ON

Um estudo realizado por uma professora e alunas do curso de Farmácia da Universidade de Passo Fundo promete gerar polêmica em torno da bebida mais tradicional para os gaúchos: o chimarrão. O resultado do estudo contraria todas as informações até agora divulgadas a respeito da erva-mate. Popularmente ela é estimulante - por conter cafeína – e, dessa forma, poderia contribuir com a memória e até aumentar ansiedade. Mas, cientificamente, isso não ficou comprovado. Ao contrário, o estudo apontou que houve perda de memória e não aumentou a ansiedade dos ratos utilizados no experimento. “Buscamos pesquisar uma das plantas mais utilizadas popularmente pelas participantes da Pastoral da Saúde, em Passo Fundo, contra depressão, transtorno de ansiedade e déficit de memória. Surpreendentemente, os resultados apontaram que a erva-mate, nas condições testadas, não é benéfica em muitos desses casos”, afirma a acadêmica de Farmácia Angélica Abido.

Mesmo acreditando na ciência, o tradicionalista Orlei Vargas Carames é fiel as propriedades medicinais do mate amargo. Pesquisador de trova e poesia, ele tem em cada cuia uma pílula de remédio. “Respeito o estudo, mas o chimarrão tem um poder revigorante. Trabalhei 25 anos com contabilidade e nunca me esqueci de nada por causa do mate”, garante Carames, debruçado em dois livros relacionados à história e a lenda do chimarrão. Segundo ele, quando ingere regularmente a bebida, seu aparelho digestivo funciona muito melhor.

A pesquisa não trata das questões relacionadas à digestão, mas o mate tem, comprovadamente, cafeína, que é estimulante. Extratos de plantas vêm sendo utilizados no tratamento de patologias que afetam o sistema nervoso central há muito tempo. Muitos, no entanto, não passaram por testes que comprovem seu efeito. A conclusão do estudo é clara, garantindo que a erva-mate não provocou nenhuma alteração significativa nos níveis de ansiedade dos animais, contrariando expectativas iniciais. Por outro lado, houve um déficit de memória com o tratamento realizado. “Num levantamento bibliográfico descobrimos que a Ilex paraguariensis (nome científico da erva-mate) não havia sido testada nessas condições”, comenta a professora responsável pela iniciativa, Andréa Michel Sobottka, em relação ao ineditismo do conteúdo.

Ao longo dos seus 64 anos, destes, 52 dedicados às raízes do povo gaúcho, Carames transpira tradicionalismo. De lenço, bota e bombacha, sentado num pelego branco saboreando o mate, ele entende que as vantagens do chimarrão estão também ligadas aos costumes e ao imaginário de quem o toma. “Conheço peão que não consegue montar o cavalo se não mateia”, garante o funcionário público aposentado.

Apesar dos questionamentos, o estudo seguiu rigorosos métodos de pesquisa e seus dados foram enviados ao Congresso Pan-americano de Farmácia, que será realizado em maio, em Porto Alegre. “Pudemos adquirir conhecimento da prática em um laboratório, nos aperfeiçoando com os aparelhos e ainda aplicar as técnicas de pesquisa”, comemora a acadêmica. De acordo com a professora, os dados encontrados com a utilização dos ratos servem como parâmetro, mas não se pode afirmar que o mesmo acontece em seres humanos. “O resultado nos surpreendeu e, com isso, esperamos ampliar a pesquisa e quem sabe utilizar voluntários para aprimorar a descoberta”, pontua Andrea.

O que aconteceu com os ratos
Durante cinco meses, no segundo semestre do ano passado, a professora Andrea Michel Sobottka, as acadêmicas da Farmácia Angélica Abido e Tatiele Zanandrea, a aluna da Biologia Samara Arsego Guaragni, além da docente Ana Cristina Vendrametto Giacomini estiveram realizando o estudo.

Foram empregados na pesquisa dois grupos de ratos, cada um com 10 elementos, em que um deles bebeu infusão com erva-mate e o outro apenas água, este atuando como controle. Todos eles puderam tomar à vontade durante 15 dias o que estava a sua disposição, sendo o líquido substituído diariamente. Logo após o período, os animais foram submetidos ao teste de ansiedade em um labirinto em cruz elevado. Observou-se que os dois grupos exploraram da mesma maneira o ambiente, o que não era esperado em relação à ansiedade.

Após três dias de descanso, os ratos realizaram o teste de memória. Os grupos foram colocados numa caixa onde havia uma plataforma. No primeiro dia, todos desceram até esta plataforma e receberam três pequenos choques. No segundo, somente o que ingeriu infusão com erva-mate não aprendeu e voltou a descer até a plataforma, enquanto o que bebeu água não se arriscou tanto. Os ratos são utilizados por serem práticos para este tipo de pesquisa.

A rotina do mate
Nem experimente mexer na bomba do chimarrão do seu Orlei. Muito menos devolver a cuia sem roncar o mate. “Quem vem de fora (do Estado) acha que é feio. Nada disso! Não fazer o mate roncar, sem tomar tudo, isso sim é uma desfeita”, larga de sopetão, com o vozerão marcado no sotaque gaudério. A roda de chimarrão tem regras. É o dono da casa que diz quando o mate inicia e quando deve terminar. É pela pessoa que está à direita do anfitrião que começa a rodada e também é o proprietário do local que enche a cuia. Se alguém se intrometer na roda, a sua vez é passada, com seu Orlei diz: “O filador não tem vez”. Mas para ele, a roda de chimarrão tem o poder de fazer novas amizades e até de acalmar os ânimos e evitar rusgas. “É um remédio”, finaliza o tradicionalista.

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