Há quem diga que a região da Vera Cruz poderia ser chamada de Maranhão. O motivo é os mais de 5 mil nordestinos que moram naquela área. Um povo arretado que trouxe para Passo Fundo um pouco do "remeleixo" do forró e da cultura alegre do Nordeste. A ideia desse grupo de nordestinos é criar um "CTG" nordestino
Texto e fotos: Natália Fávero/ON
Os mais de 5 mil nordestinos instalados nos bairros Hípica, Vera Cruz e Leão XIII começaram a chegar em Passo Fundo há 30 anos. Muitos vieram do interior do Maranhão, das cidades de Capinzal do Norte e Pedreiras. A falta de oportunidade nas cidades de origem não deixou escolhas. Ao fazer 18 anos, a maioria dos jovens opta por quatro destinos: São Paulo, Brasília, Passo Fundo ou continuar na roça. Depois de muitos anos morando na cidade e cultuando um pouco as tradições, inspirado pelos gaúchos, o grupo quer construir um "CTG" nordestino ou CTN (Centro de Tradições Nordestinas) em Passo Fundo. Em vez de um galpão crioulo, um galpão nordestino. Já imaginou?
O CTN vai ser um espaço para os nordestinos cultivarem suas tradições. Um lugar destinado a festas juninas, forró, quadrilhas e por que não, uma festa do bumba meu boi. O centro também poderá servir a eventuais encontros para fazer um baião de dois, tapioca, arroz doce, canjica, entre outros pratos típicos do nordeste.
ON foi conhecer esses moradores da Grande Vera Cruz. Ao perguntar sobre o que achavam de Passo Fundo, a opinião foi unânime: "povo acolhedor". Com o passar dos anos, os nordestinos viraram um pouco gaúchos, adotando hábitos como o chimarrão e o churrasco. Uma das curiosidades foi o gosto deles pelo café, bebida indispensável na casa de um nordestino. A maior dificuldade na adaptação citada por eles foi o frio do Rio Grande.
Centro de Tradições Nordestinas
Os nordestinos que estão aqui sentem muita falta das festas juninas do Maranhão. Geralmente, eles escolhem o mês de junho para visitar os parentes e celebrar os festejos dessa época na terra natal. O CTN seria a forma de desfrutar a cultura nordestina, além de promover cursos de informática, artesanato, danças, entre outras atividades.
Uma das pessoas que está tentando implantar o centro é Josélio da Silva. Ele explicou que um terreno já foi doado para a construção. No entanto, falta a fundação de uma associação que lidere as negociações e que lute por suas causas. Neste fim de semana haverá uma reunião para definir a diretoria da nova entidade. "Faz muito tempo que estamos tentando, mas esbarramos na burocracia", explicou Silva.
Em busca de oportunidade
Todos os nordestinos que vieram para Passo Fundo escolheram a cidade com um único objetivo: oportunidade de emprego. Josélio da Silva, de 31 anos, está aqui há 12 anos. Ele é natural de Capinzal do Norte, uma cidade no interior do Maranhão, há pouco emancipada. Ao completar a maioridade, ele decidiu procurar emprego apoiado por outros nordestinos que já estavam no município. "O serviço na minha cidade era na roça. Mão de obra pesada e sem retorno financeiro suficiente", disse Silva.
O melhor de Capinzal do Norte era a falta de violência. "Lá dava para dormir de portas e janelas abertas", contou. Quando chega o inverno, ele e sua família sentem vontade de voltar. Silva é casado há nove anos com Eliane e tem duas filhas, uma de um ano e outra de oito meses. Eles tem uma casa e um carro. Ele iniciou como vendedor autônomo de acessórios de cama, mesa e banho e hoje é operador de máquina.
O chimarrão ainda não é o seu forte, mas ele adora um churrasco. O café é indispensável. Josélio explicou que quem não tem emprego no Nordeste, chegam aqui e ficam na casa de um familiar ou conhecido e depois acabam se instalando por perto. O nordestino contou que muitos deles trabalham com abate de frango ou como vendedor autônomo nas ruas. Além disso, o crediário no comércio atrai o grupo.
Instalados há mais de 30 anos
Jesus Lopes dos Santos, de 58 anos, está na cidade há 35 anos. Foi um dos primeiros a chegar. Ele tinha 24 anos quando resolveu apostar em uma vida de oportunidades. Veio sozinho e depois trouxe a mulher e a filha. Os outros cinco filhos nasceram aqui. "Na minha cidade não tinha emprego. Ou trabalhava na roça ou não trabalhava", contou.
O estudo no interior de Maranhão também era difícil. Jesus estudou só até a 5ª série. O chimarrão e o churrasco também já viraram rotina na vida da família. Esse nordestino admite que prefere o frio ao calor. "Parece que com o frio dormimos e comemos melhor", disse Santos.
Teixeirinha
Seu Francisco da Conceição Silva, de 46 anos, veio aos 22 anos para Passo Fundo. A paixão se percebe em seu olhar. "É um pessoal muito acolhedor", disse Silva. Todas as manhãs, ele liga o rádio para ver se está tocando um dos seus cantores preferidos. "Gosto muito do Teixeirinha. Lá na minha cidade, Passo Fundo era conhecida por ser a cidade do Teixeirinha", falou o nordestino.
O chimarrão já virou hábito. O dia não é o mesmo se ele não tomar a bebida predileta dos gaúchos. Ele garantiu que sabe cevar um mate como ninguém.
A infância dele não foi fácil. "Tinha de caminhar 18 quilômetros para estudar. A vida era muito difícil", desabafou Silva.
"Ainda não me acostumei ao frio"
Essa frase foi dita por seu Gervásio Vicente dos Santos, de 62 anos, que mesmo morando há 30 anos por aqui ainda não se acostumou ao frio. "Deus o livre criatura! Aqui para o cara se acostumar com o frio não é fácil. Às vezes, eu vejo um nordestino dizendo que gosta, mas um cabra desse não sabe o que fala. Quem é que vai se acostumar com uma coisa dessas", disse.
Santos contou que no Maranhão, ele tomava banho de mar no inverno e se assustou quando chegou ao Sul. Conheceu geada já no primeiro dia que estava em Passo Fundo. "Quando marcava 3 horas no relógio, eu me embrulhava nos cobertores", relembrou Santos.
Admiração pela cultura gaúcha
A inspiração para abrir um Centro de Tradições Nordestinas surgiu da admiração pelos gaúchos. Eles explicaram que quem nasce aqui no Sul cultua como ninguém a tradição. "Se dez gaúchos vão morar em outro Estado, pode ter certeza que depois de um mês eles já estão construindo um CTG", disse Josélio. Ele afirmou ainda que essa força dos gaúchos mantém viva a história. "Apesar de ter muita saudade da minha terra e dos meus familiares, a metade do coração já é gaúcho", orgulhou-se Silva.
Já seu Gervásio disse que além do amor que os gaúchos têm pela tradição, eles ficam muito bem em seus trajes tradicionalistas. "Se eu tivesse a minha perna boa, ainda hoje faria um curso de dança", comentou seu Gervásio.