Moradores de rua repetem com frequência que estão acostumados a dormir ao relento, em bancos de praças, sob as marquises de lojas ou nas calçadas. Especialistas afirmam que não é normal o ser humano acostumar-se a essas condições e o poder público deve tomar providências
Natália Fávero/ON
A possível morte de um morador de rua de Passo Fundo por hipotermia, na terça-feira (13), voltou os olhares para as condições de vida das pessoas que passam as noites ao relento, enfrentando temperaturas negativas que podem ser fatais. Muitos desses moradores dizem que estão acostumados a viver nessas condições e por isso não procuram uma nova oportunidade de vida. Para especialistas neste assunto, elas são condicionadas a morar na rua por dificuldades financeiras ou por implicações no convívio familiar. Problemas que causam transtornos psicológicos que precisam ser tratados como doença em um esforço conjunto da sociedade e do poder público.
Ver os moradores de rua dormindo no chão e mal agasalhados pelos cantos da cidade sensibiliza a sociedade nesta época do ano. Segundo o psiquiatra Carlos Hecktheuer, essas pessoas estão nesses locais durante todo o ano. "Independente se faz 40ºC ou zero grau, os moradores estão sempre lá", disse Hecktheuer.
Ele explicou que as condições dos moradores de rua evidenciam um problema de enfermidade. "Ninguém se acostuma a ficar exposto a temperaturas abaixo de zero grau ou a não ter o aconchego da família. Eles estão doentes e precisam ser acolhidos e ressocializados", explicou o psiquiatra. Hecktheuer disse que essas pessoas criam uma barreira psicológica que impede o convívio social e passam a viver em seu próprio mundo. Para se proteger, procuram sempre locais públicos como igrejas e praças. No entanto, acabam muitas vezes sendo maltratadas. Ele ressaltou a importância de o poder público encaminhar os moradores de rua para um tratamento especializado e oferecer centros comunitários para inserir essas pessoas novamente no convívio social.
Quais são as razões?
O cientista político e doutor em História Mauro Gaglietti explicou que há duas formas de as pessoas se tornarem moradores de rua. Uma delas seria por problemas ligados á família e a outra estaria relacionada a aspectos financeiros.
A desilusão no âmbito familiar, como desavenças ou empecilhos no convívio, provoca em algumas pessoas uma tristeza profunda. A família, o trabalho, o estudo deixam de ser importantes. Não há mais sentido de existência, apenas de sobrevivência. Os problemas financeiros e de vulnerabilidade social são outros motivos que acabam contribuindo para a decisão de morar na rua. "Essa questão está ligada à dificuldade em conseguir se sustentar. No entanto, essas pessoas quando têm a possibilidade de mudar de vida, se empenham, ao contrário daqueles que tiveram uma desilusão familiar", disse o pesquisador.
Muitos moradores de rua não aceitam ajuda
A assistente social Katiane Bones Camargo, da Semcas (Secretaria de Cidadania e Assistência Social), informou que há muita dificuldade na hora da abordagem da equipe. A resistência em não aceitar ajuda é o principal problema. Katiane disse que muitas pessoas decidem por ficar na rua por ter os laços familiares fragilizados. O alcoolismo também foi citado como um dos grandes problemas.
A Semcas oferece o serviço da ronda social, que circula pelas principais ruas da cidade e nos locais de denúncias em busca de moradores de rua para levá-los ao albergue municipal. O abrigo oferece alimentação, cama e banheiros para higiene. Os moradores de rua são convidados a mudar de vida por meio da inserção em programas sociais e com a qualificação profissional. "O albergue é uma casa de passagem, uma estratégia emergencial. No entanto, o local serve para a secretaria fazer o resgate dessas pessoas", explicou a assistente social.
O albergue tem algumas normas, como horários definidos para alimentação e higiene, e a necessidade de identificação. Segundo Katiane, essas regras não são bem recebidas pelos moradores de rua. "Muitos não se adaptam. Na rua eles fazem o horário que eles querem. Os moradores de rua não têm um planejamento de vida", disse a assistente social.
A secretaria tem uma equipe técnica que trabalha para instigar os moradores de rua a fazer um planejamento pessoal. O objetivo da Semcas é fazer com que essas pessoas conquistem a emancipação. A secretaria vai em busca da família dos moradores. Se eles não têm para aonde ir, acionam a habitação. Também são oferecidos programas sociais e qualificação profissional.
Quatro mortes no Estado
Quatro pessoas teriam sido vítimas de hipotermia no Estado. Além da vítima de 51 anos de Passo Fundo encontrado morto sob uma marquise de um posto de saúde, na Petrópolis, na terça-feira (13), foram registrados casos em Santa Maria, Santana do Livramento e Porto Alegre.
Depois do frio, a chuva
Temperaturas negativas associadas à geada de forte intensidade deverão permanecer até o fim de semana. A chuva deve chegar no sábado à tarde.
Ontem, a temperatura foi ainda mais baixa. Às 6h, a mínima foi de menos 1,7ºC e às 8h a sensação térmica foi de menos 3ºC. A temperatura máxima chegou aos 11ºC. Nesta sexta-feira, a mínima será de zero grau e máxima de 12ºC. No sábado, a mínima deverá ser de 6ºC e a máxima 14ºC. Durante a tarde, há a possibilidade de chuva devido ao aumento da nebulosidade. No domingo e na segunda-feira (26), o dia será instável com chuva e temperatura entre os 9ºC e 14ºC. Na metade da semana, o frio retornará com temperaturas próximas ao zero grau.