Daiane Colla/ON
Não há orgulho maior para um pai do que ver um filho bem encaminhado. Melhor ainda se esse filho escolhe dividir a mesma profissão que a sua. São inúmeros os casos de famílias onde os pais e os filhos têm a mesma profissão.
No dia em que se comemora o dia do colono e do motorista, o Jornal O Nacional traz para suas páginas a história de dois pais que tem a felicidade de passar seu amor pela estrada e pela terra para seus filhos.
A paixão pela estrada
O caminhoneiro José Alberto Schlemer conhece as estradas do Brasil e da América Latina há exatos 30 anos. Pai de cinco filhos, viu o nascimento de três deles, “dos outros eu estava na estrada, trabalhando”, e sente orgulho em ter passado a Reinaldo a mesma paixão pela estrada, pelo caminhão e pelo companheirismo.
Aos 58 anos, Schlemer não pensa em aposentadoria. “Não consigo ficar muito tempo longe da estrada”, lembra ele que conseguiu ficar distante da boleia do caminhão por um período máximo de três meses, quando passou por uma cirurgia no coração.
A paixão pela estrada foi herdada por Reinaldo ainda jovem. Com 16 anos – hoje ele tem 27 – o filho fez a primeira viagem com o pai. “Fui pegando gosto pela coisa e quando completei 21, não pensei duas vezes em tirar carteira para motorista”. Entretanto, os planos de assumir o caminhão da família foi por água abaixo quando pai decidiu que ele iria trabalhar em uma empresa, como funcionário, para depois – mais experiente – assumir a direção do caminhão.
Dessa forma a relação profissional entre pai e filho passa por uma transição já que de colegas de profissão eles passarão a colegas de trabalho. Nos planos de Schlemer está a compra de outro caminhão, novo, que deverá ser inteiramente pago por Reinaldo. “Agora ele está preparado para assumir uma dívida como a parcela de pagamento de um caminhão e começará a fazer as principais viagens que hoje são feitas por mim”, explica.
A preferência por cargas leves, mas de longa distância, garante uma boa renda para a família. Como tudo nessa vida, a escolha tem seu aspecto negativo. São dias longe de casa, em cidades distantes e muitas vezes desconhecidas. Eles estimam que rodam uma média de 9 mil quilômetros por mês e permanecem, pelo menos, dez dias longe de casa.
Reinaldo encara numa boa os desafios impostos pelo pai, já que sempre se espelhou nele e seguiu seus ensinamentos. A escolha é motivo de orgulho. “Eu acho ótimo ter um filho que escolheu a mesma profissão que eu”, conta. Assim como o pai, Reinaldo também estava distante de casa quando sua filha – falecida há três anos – nasceu. “Estava cruzando o Rio Amazonas de balsa”, relembra.
Diferenças
Para José Alberto os tempos são outros e ser caminhoneiro hoje é muito mais arriscado. “Antigamente existia mais companheirismo, as pessoas se ajudavam na estrada. Hoje se teu caminhão estraga no meio do nada tu fica abandonado, ninguém ajuda”, lembra
Reinaldo afirma que o estresse gerado pelas longas distâncias, grande movimentação e prazos reduzidos amplia o consumo de drogas entre os colegas de profissão. “A droga rola solta. Antes somente os jovens usavam, agora a gente vê caminhoneiro de 50, 60 anos se drogando”, lembra
Schlemer afirma que apenas acompanha as mudanças. “Procuro sempre não me estressar na estrada. Sou uma pessoa tranqüila. O stress deixo pra casa. Quando entro no caminhão passa as dores nas costas, até a diabetes baixa”, brinca.
Aprendizado
O pai lembra que o principal ensinamento que sempre procurou passar ao filho é o do companheirismo. “Na estrada, temos que ajudar a todos, sem nunca desfazer ninguém”, diz. “Na estrada, que não tem amigos, não é companheiro acaba ficando sozinho. É preciso se ajudar”, observa.
Para Reinaldo o maior aprendizado é a honestidade. “Aprendi com o meu pai a ser honesto e trabalhar agora para colher no futuro. Aprendi também os macetes da estrada, que não se aprende em cursos para motoristas. Tem gente que desiste porque não tem esses macetes. Sabemos onde estão os mecânicos, os guinchos e tudo mais”.
Histórias
Reinaldo lembra que em companhia do pai e da mãe, em uma viagem pela Argentina durante uma das greves dos produtores rurais, ele quase foi preso. Depois de algumas garrafas de vinho usadas para se esquentar do frio a Cordilheira dos Andes, os amigos de estrada duvidaram que ele tiraria a roupa e pararia em frente aos manifestantes. Na mesma hora, Reinaldo venceu a aposta. Minutos depois uma viatura da polícia argentina para com três policiais mulheres a bordo. “Primeiro elas me encheram de lixo, depois conversamos e acabei me livrando, mas me assustei”, disse.
O amor pela terra como herança
Quando criança, Leonardo Pierdoná não era muito chegado aos brinquedos normais de criança. Ele gostava mesmo era da lida de campo. “Enquanto os amigos ganhavam videogames, eu queria uma espingarda de pressão”, lembra.
Hoje, aos 18 anos, coordena sete funcionários e 1.700 hectares de terra na região de Passo Fundo. Toda essa responsabilidade foi passada a Leonardo há dois anos pelo pai, Sérgio Pierdoná. Na época, Sérgio precisou se mudar para o Mato Grosso para cuidar das terras da família lá. Foi então que viu em Leonardo seu sucessor imediato. “Ele sempre gostou e aos poucos fui passando as responsabilidades para ele. Quando ele completou 18 anos, decidimos que ele iria tomar conta da lavoura aqui, sempre com apoio meu e da mãe dele”, lembra a pai.
À Leonardo cabe a execução das tarefas e a coordenação de todas as atividades que das lavouras da região. Ele diz encontrar dificuldades, principalmente com a distância. “Como as terras ficam espalhadas, preciso viajar bastante”.
Ele conta que desde criança sempre teve interesse em ser o sucessor. Atualmente cursa Agronegócio na UPF e depois de formado pretende inverter os papéis. A ideia é cuidar das terras no Mato Grosso e ampliar sua atuação também em Passo Fundo, possibilitando que o pai – de 46 anos – retorne a convivência diária com a família no Sul.
Leonardo acredita que as idas a lavoura desde pequeno foram sempre um incentivo importante. “Ele nunca me disse nada, mas como viu que eu gostava, quando precisou, começou a me dar responsabilidades que eu fui assumindo e sempre que eu precisava pedia seu apoio”, explica.
O pai destaca o orgulho que tem do filho, principalmente por saber que os anos de trabalho não serão jogados fora. “Temos que ensinar de onde vem as coisas, porque na hora que não estamos mais aí terminam colocando tudo fora. Ele gosta do que está fazendo e é motivo de orgulho pra gente fazendo muito bem seu trabalho”, elogia.
O filho diz sentir dificuldade de delegar, mas que está aprendendo aos poucos como fazer isso. A primeira grande experiência como sucessor ocorreu na última safra de verão. “Coordenei toda a colheita sozinho, tivemos problemas, mas acabei resolvendo tudo sem precisar incomodar ele. Foi difícil, mas importante”, garante.
Aprendizado
Segundo Leonardo seu maior aprendizado é a honestidade e o tino para os negócios. “Ele tem me ensinado a hora certa de agir e como agir e sempre destacado a necessidade de eu estar sempre atento a tudo que acontece. Isso é muito importante”. “É uma profissão de risco que envolve diversos fatores externos, por isso é preciso de apoio sempre”, complementa Leonardo.
Sérgio, que trabalha na terra desde os 10 anos, frisa que a honestidade é peça chave para uma vida de sucesso. “Queremos que ele seja uma pessoa séria e com credibilidade. Ele irá enfrentar outros desafios e sempre procuro incentivar e ensinar as coisas pra ele”, salienta.