Só um tapinha?

Projeto de lei que proíbe a palmada causa divergências entre pais e pesquisa mostra que maioria discorda

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Glenda Mendes/ON

Proibir os castigos físicos, dentre eles a palmada, é o que prevê um projeto de lei do presidente Lula que está tramitando no Congresso. O texto do projeto fala no estabelecimento do direito das crianças e dos adolescentes de serem educados sem o uso de castigos corporais ou de tratamentos cruéis ou degradantes.

O assunto é polêmico e está gerando divergências entre os pais, onde estão o grupo dos que concordam e o dos que discordam com o que diz o projeto. Uma recente pesquisa da Datafolha apontou que mais da metade dos entrevistados é contra a proibição do uso da palmada na educação dos filhos. Segundo os dados da pesquisa, 54% dos entrevistados é contra o projeto, contra 36% que concordam com a medida. De outro lado, 72% dos entrevistados afirmaram que já foram castigados; 16% responderam que os castigos sempre aconteciam. Foi apontado ainda que os meninos são os que mais apanham, assim como em 69% dos casos são as mães que batem.

Nas ruas de Passo Fundo, a polêmica é a mesma. Existem os pais que concordam, os que discordam e os que ainda estão em dúvida. Dentre eles, J.P.A, de 46 anos, mãe um menino de 18 anos e uma menina de 16. Ela conta que, por diversas vezes, recorreu ao uso da palmada na educação de seus filhos, mas não sabe avaliar de os resultados foram os esperados. "Várias vezes usei a palmada para os meus filhos, principalmente naqueles momentos em que eles não escutavam o que eu falava. Criança, tem horas que não ouve ninguém, então o jeito era a palmada", salienta. De outro lado, a mãe conta que em vários momentos a resposta dos filhos foi revidar. "Às vezes, principalmente naqueles dias em que a família estava toda reunida, eles não queriam obedecer. A gente ia falando, falando, avisando. Até que não tinha mais como aguentar, então eu levava para um canto e dava um corretivo. Mas muitas vezes e ficaram piores depois", lembra.

Já a mãe M.S., de 32 anos, que tem um menino de quatro anos, diz que nunca recorreu à palmada. "Nunca dei uma palmada nele. Tenho medo, porque acho que cada vez vai ficando pior. Um dia é um tapa, depois eles vão piorando, o tapa vira um beliscão e assim por diante. Vai ter um dia que só mesmo uma surra...", comenta.

Não é fácil
A grande questão a ser avaliada é que a palmada acabe se transformando numa agressão ainda maior. Para a psicóloga Gisele Dala Lana, é preciso avaliar se se trata apenas de "um tapinha". De acordo com ela, a punição para a desobediência deve ocorrer, mas existem outras formas que não a palmada ou o castigo físico, que muitas vezes indica a perda de controle da situação por parte dos pais.

"Diante da teimosia das crianças e de várias tentativas dos pais para que pare de realizar determinada ação, porque ela pode se ferir, machucar um amigo, ou por estar sendo inconvenientes, alguns pais recorrem à agressão física, que pode ser uma palmada ou beliscão", avalia Gisele. Conforme a psicóloga, esta ação tem a intenção de chamar a atenção "e fazer com que a criança escute o adulto, que já perdeu o controle da situação. Já ouvimos pais dizendo aos pequenos 'João, pare com isso', 'não mexa naquilo', 'agora não', mas o filho não dá atenção ao que os pais falam e ordenam, continuando com aquele comportamento que irrita os outros. Não sabendo mais o que fazer, os pais tendem a dar um tapa ou colocar a criança de castigo, tirando alguma atividade ou objeto que ela goste", ressalta.

Neste ponto é que se encontra a grande diferença. "A criança será punida de ambas as formas pelos pais, tanto com o tapa quanto com o castigo, porém de maneiras diferentes", salienta. Isso acontece porque vem da criação que eles mesmos, os pais, tiveram, "cada sujeito, enquanto criança, foi criado de uma forma pelos seus pais, e há grande probabilidade de se fazer igual ou parecido com a educação dos filhos. Alguns se referem 'mas se eu apanhava, ele também vai, meus pais fizeram assim, eu vou seguir o exemplo' ou ser totalmente o oposto, 'com meu filho vai ser diferente, eu não vou dar uma palmada nele'", explica.

Vem então, a questão: "O que devo fazer?" Não existem manuais e receitas de como se deve criar e educar os filhos, mas o ideal é que cada um possa pensar no que deve fazer para ensinar à criança que ela não pode fazer tudo, que deve respeitar os outros e que tudo tem um limite e que se ela passar desta linha terá uma punição, pois na escola se ela brigar com um colega poderá levar uma suspensão, se não respeitar a professora ficará de castigo. Conversar, privar a criança de certas atividades, mostrar o que é certo e errado, esse é o papel dos pais", enfatiza.

Agressão pode piorar
Apesar da prática da palmada ser recorrente, o debate maior deveria ater-se também à potencialização do fato. "A agressão não é o melhor caminho, muitos pais perdem o controle após o primeiro tapa ou beliscão, machucando a criança. As crianças tendem a agir com os outros da forma como são tratadas, se for com tapas, elas podem transferir este comportamento na interação com outras crianças, seja na escola, nas brincadeiras em casa ou até mesmo com os pais", explica Gisele.
Segundo ela, a punição deve sim acontecer, mas existem outras maneiras de instaurá-la. "Deve haver punições para o que é errado, isso faz parte da educação das crianças, porém os adultos devem ter paciência e serem cautelosos em suas ações, não perdendo o controle da situação e agindo num momento impulsivo", ensina.

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