A quem pertence o futuro do lixo?

A falha na coleta de lixo que Passo Fundo vem enfrentando nos últimos anos trouxe à tona vários problemas, entre eles, a falta de políticas públicas e de conscientização da população

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Natália Fávero/ON

Destinar corretamente o lixo que é produzido por todos nós se transformou num grande dilema da humanidade. Em Passo Fundo, os problemas enfrentados com o serviço, resultando no rompimento do contrato com a empresa concessionária, alerta para problemas mais graves: teremos condições, no futuro, de dar o destino correto ao lixo?. ON ouviu os responsáveis, ecologistas e exemplos de outros países, a partir de gaúchos que saíram do Estado para morar fora. As autoridades têm conhecimento do problema e afirmam que medidas estão sendo tomadas. No entanto, ONGs como o Gesp acreditam que a solução passa pela criação de políticas públicas.

Situação atual
Atualmente, das 120 toneladas diárias de lixo coletado em Passo Fundo e levado ao aterro sanitário, apenas 20% ou 30% dos resíduos são reaproveitados, através da triagem feita por um grupo de pessoas da Recibela (Associações de Recicladores do Parque Bela Vista), que comercializam os resíduos e a renda é dividida entre os associados.
Poucos moradores têm a iniciativa de separar o lixo sólido e orgânico. Geralmente, as pessoas utilizam sacolas plásticas inadequadas que são depositadas em frente às casas para que o caminhão faça o recolhimento. A coleta seletiva por parte do município ainda é precária. O aterro sanitário criado em 1992 esgotou a sua capacidade em 2008. A prefeitura está fazendo estudos para uma nova área.
A falha na coleta de lixo da empresa Nova Era fez com que o município rompesse o contrato de prestação de serviço no mês passado. Uma nova empresa deve ser escolhida pelo município nos próximos dias. Enquanto isso, o recolhimento continua sendo realizado pela Nova Era. A falta da coleta na cidade, onde bairros ficaram semanas sem o recolhimento, mostrou o quanto os moradores da cidade produzem lixo. Em 15 dias, verdadeiras montanhas se formavam em frente às casas.

Gesp luta pela criação de políticas públicas
O Grupo Sentinela dos Pampas disse que falta uma política pública para os resíduos em Passo Fundo. Esta solução amenizaria o problema do aterro sanitário e da falta de coleta seletiva. Segundo o integrante da direção do Gesp, Paulo Cornélio, o aterro onde o lixo doméstico é depositado criado há 20 anos nunca funcionou de forma adequada, com processo de separação e destino final dos resíduos. "No momento que o lixo domiciliar for selecionado na área da triagem a quantidade de lixo será muito pequena. O aterro é um mal necessário. Não conseguimos reaproveitar todo o material. Mas muita coisa pode ser reaproveitada", disse Cornélio.
Cornélio explicou que faltam lixeiras nas ruas da cidade, falta um trabalho de educação ambiental condizente com a realidade do município e que a administração pública não trabalhou até agora com seriedade para solucionar a problemática do lixo.  "Sem ter uma política continuaremos a procurar novos aterros por décadas acondicionando resíduos sem um trabalho para amenizar a quantidade e classificação deste lixo", acrescentou o integrante do Gesp.

Vida útil do aterro esgotada
O secretário do Meio Ambiente, Clóvis Alves disse que a capacidade do aterro sanitário esgotou em 2008. O município fez um acordo com a Fepam e Ministério Público onde a prefeitura se comprometeu em levantar novas áreas.
Este levantamento já foi realizado e deverá ser encaminhado imediatamente um projeto para um novo aterro e recuperação do atual. "A média que se tem hoje para o licenciamento de uma nova área é de um ano e meio a dois. Esperamos que durante a recuperação do atual aterro tenhamos tempo para a construção de um novo. Também estamos nos precavendo com uma licitação para a destinação final de resíduos", disse Alves.
A criação de um aterro em Pulador que contrariou os moradores que moram ao redor da área continua sendo uma das possibilidades. "É normal que haja uma resistência da comunidade ao entorno das áreas de aterro, mas aquele local está decretado como área de utilidade pública e não está descartado", falou o secretário do Meio Ambiente.

Reciclagem é um dos caminhos
Passo Fundo conta com dois galpões de reciclagem. A Cootraempo, no Bairro Santa Marta, e o AAMA, na Vila Popular. Outros dois galpões estão prestes a ser construídos no valor de R$ 850 mil e contrapartida do município. As associações beneficiadas serão a Arevi, na Bom Jesus e Amav, na Donária. Além destas associações há a associação Recibela que iniciou no mês passado a triagem do aterro. A maioria destes grupos recolhe, faz a triagem dos materiais pela cidade, comercializa e recicla. O dinheiro é dividido entre os associados.
Muitos destas pessoas que atuam na catação de resíduos pela cidade trabalham em condições desumanas, sem uniforme, puxando carrinhos ou usando animais de tração, como o cavalo. Segundo o secretário do Meio Ambiente, as ações tomadas na cidade em relação ao lixo estão ligadas a questão social e o município estaria investindo nas cooperativas e associações de recicladores.
Os 700 contêineres de resíduos sólidos e orgânicos que serão instalados nas principais avenidas e pontos da cidade também deverão contribuir para a separação do lixo e facilitarão o trabalho dos recicladores. Eles deverão ser instalados entre 60 e 90 dias.
Com estas ações que estão previstas a secretaria do Meio Ambiente pretende reaproveitar entre 50% e 60% do lixo encaminhado ao aterro sanitário. O indicado para os moradores é separar o lixo orgânico do seco. Conforme Alves, esta ação contribui na hora que os resíduos passam pela esteira de triagem do aterro. "Por mais que o caminhão que faça a coleta seja um compactador pedimos que a comunidade separe os resíduos. O compactador retira o ar das sacolas e não mistura os resíduos. A compostagem do lixo orgânico também pode ser feita em casa", disse o secretário.

Exemplos positivos de outros países
A Reportagem de ON entrevistou dois gaúchos que hoje moram em outros países. A ideia é mostrar que existem sim soluções para o problema do lixo e são soluções simples que funcionam em outros países. Os entrevistados dos países dos Estados Unidos e Austrália contarão como funciona o processo de descarte do lixo desde a lixeira dentro de casa.

Estados Unidos
Maíra Nichetti, de 30 anos, está nos Estados Unidos há sete anos e atualmente reside na Califórnia.
Recolhimento do lixo - Maíra disse que a coleta acontece uma vez por semana para o lixo doméstico, duas vezes por mês para o lixo reciclável e de jardim (lixo biodegradável utilizado como adubo natural. Basicamente são folhas e galhos retirados do quintal). O lixo é colocado em lixeiras grandes que ficam ao lado das casas. Elas são postas uma vez por semana na rua em lugares específicos.
Lixeiras para cada tipo de resíduo - Há duas lixeiras para o lixo doméstico, duas para o reciclável e uma para os resíduos de jardim. O lixo doméstico é recolhido todas as semanas, enquanto os demais semana sim e na outra não. Resíduos como pilhas, baterias e aparelhos eletrônicos são entregues para uma empresa que recolhe estes materiais. A responsabilidade cabe ao morador e basta ligar que eles buscam em casa. O serviço chama-se E- Recycling.
Destino final - O lixo é incinerado ou levado para um aterro. Depende da procedência química.
Avaliação do sistema - Maíra informou que considera o sistema de coleta e destinação final excelente. Em relação ao lixo reciclável, ela contou que acumula bastante e os Estados Unidos lançou uma campanha para reutilizar, reduzir e somente depois reciclar, gerando menos lixo. Em algumas escolas, os estudantes são proibidos de levar garrafas de água descartáveis. Elas permitem apenas as de alumínio que não são descartáveis e podem ser utilizadas durante anos. Muitas lojas não oferecem sacolas plásticas e é responsabilidade dos consumidores levarem de casa a sua sacola na hora da compra.

Austrália

Mauricio Bandeira Chaves está há três anos na Austrália e hoje trabalha como chef de cozinha de um restaurante. Atualmente mora em Sydney, na praia de Narrabeen.
Recolhimento do lixo - A coleta de lixo é feita semanalmente. O lixo orgânico é coletado todas as semanas. A coleta é revezada para os resíduos das lixeiras amarela e azul. Uma semana o caminhão recolhe o lixo da amarela e na outra a da azul. Cada bairro administra o seu lixo tendo um lugar específico para depositar e reciclar.
Lixeiras para cada tipo de lixo - Cada casa tem três lixeiras divididas em grupos: 1 - amarela (vidro, plásticos e metal); 2 - azul (papel); 3 - vermelha (lixo orgânico).
Avaliação do sistema - Maurício disse que na Austrália a educação com a reciclagem é eficiente. A pessoa tem consciência com o meio ambiente e o governo se preocupa com este setor. O uso da sacola plástica é evitado ao máximo. Os clientes levam as suas sacolas duráveis ou os mercados as oferecem. Diversas companhias oferecem o serviço de tratamento de lixo privado. No caso dos restaurantes, o serviço de coleta é contratado uma vez por semana.

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