Bruno Todero/ON
O painelista principal do projeto “Diálogos para o Desenvolvimento: Violência e Segurança Pública”, promovido pela Imed, defendeu ontem maior atenção dos governantes para a questão da segurança, em especial a valorização do profissional que trabalha na área, o policial. Co-autor do best-seller Elite da Tropa, livro que inspirou o longa-metragem Tropa de Elite, o professor Luiz Eduardo Soares, que já foi secretário nacional de Segurança Pública, em 2003, atendeu a imprensa local, durante a tarde, quando abordou, entre outros assuntos, a dificuldade de controlar os chamados gatos orçamentários, os famosos bicos assumidos pelos policiais para complementação da renda. Falou ainda sobre os avanços que vem acontecendo nos últimos anos em termos de planejamento de segurança e sobre a expectativa de impacto do novo livro, Elite da Tropa 2, que será lançado junto do filme, em outubro.
O ponto principal abordado por Soares foi a baixa valorização e consequente vida dupla dos policiais, “talvez o problema mais grave da segurança pública que não tem sido tratado como deveria”. Para ele, apesar de ilegal, os chamados bicos são perfeitamente aceitáveis na medida em que os salários, em geral, são baixos e não correspondem ao risco da profissão. Contudo, citando o exemplo do Rio de Janeiro, onde foi secretário estadual de Segurança, os gatos orçamentários podem se tornar um problema maior até mesmo do que o tráfico, tudo isso com o conhecimento do poder público. “Os policiais, em um impulso natural e honrado, perfeitamente digno, buscam trabalho complementar, chamado bico, em geral na área em que atuam, que é a segurança. Entretanto, estão proibidos por lei de participar deste trabalho. Os superiores sabem que isto acontece, mas desviam o olhar, negligenciam a realidade, porque de muitas formas ela é conveniente, já que, na medida em que policial consegue complementar sua renda com a combinação do trabalho policial e adicional, diminui a demanda do erário público. Por isso, tolera-se, faz-se vista grossa para essa 'parceria'”, afirma Soares.
O problema, segundo ele, é que existe uma versão de bico benigna e outra maligna. “A benigna são os policiais honrados, se esforçando, dobrando turnos de trabalho para sobreviver. A versão maligna acontece quando as autoridades fingem que não enxergam uma ilegalidade, deixam sombra para elos criminosos de todos os tipos, pode ser grupo de extermínio, grupo de execuções extrajudiciais, grupo para produzir situação de violência e vender segurança, para sequestar, matar, ou para construir o crime organizado, como é o caso das milícias do Rio de Janeiro, máfias compostas por policiais”, revela o painelista. Para ele, trata-se de um poder que já supera o tráfico de drogas na capital carioca. “Esse é o pior tipo de crime hoje no Rio de Janeiro, suplantou o tráfico em importância, inclusive em área de domínio e brutalidade”, frisa.
Questionado se a criação das obras Elite da Tropa 1 e 2 seria uma forma de denunciar aquilo que não conseguiu controlar ou reverter quando secretário de Segurança, Soares afirmou que trata-se de uma forma eficaz de chamar atenção do público e das autoridades para um problema que é real, mas que não é suficientemente conhecido, e menos ainda controlado. “O livro nos dá essa liberdade, porque não precisamos dar nomes verdadeiros, podemos contar a história real com personagens ficcionais. Mesmo assim as pessoas vão entender que, de fato, estas situações são reais. Por um lado é um recurso de comunicação, por outro é uma forma de sensibilização. Tenho visto na prática que escrevendo um livro como este você pode atingir mais profundamente as pessoas, e mais pessoas, do que escrevendo 15 obras acadêmicas tratando dos mesmo pontos”, disse.
Sobre a vaorização do profissional, garante que é condição primária para uma boa polícia, e deve ser tratada como prioridade por qualquer governante, em especial no Rio Grande do Sul, estado que tem uma das polícias mais mal pagas do país. “Qualquer que seja o próximo governador do Estado tem de ter claro para si que segurança pública é prioridade. Primeira demonstração que governador valoriza essa questão é o padrão salarial praticado neste estado. Valorizar o policial é o primeiro passo para uma boa polícia. Não é suficiente, mas é condição sine qua non”, finalizou.
Experiência de Madrid
O projeto ‘Diálogos para o Desenvolvimento: Violência e Segurança Pública’ segue hoje, com o painel 'A segurança pública e a violência: peculiaridades internacionais e historicidade dos resultados das atividades de justiça e de segurança', que será abordada pelos professores espanhóis Miguel Angel Ganadrillas Solinís e Pilar Mairal Medina, que trarão a experiência em segurança de Madrid, na Espanha. Também debaterá o assunto o professor Julio Cezar Consul, coordenador da Escola de Gestão Pública da Imed. O evento acontece no auditório Central do Instituto, a partir das 19h.