Daniel Bittencourt
Pensar o lixo desde sua geração até sua destinação é pauta recorrente em todo o planeta. O aumento exponencial de resíduos produzidos pelo homem é motivo de alerta, mas também serve como sustento para uma grande parcela de pessoas. E em Passo Fundo esta realidade existe e preocupa.
Foi basicamente motivado por esta última situação que surgiu o projeto Reciclacirco. A partir de um trabalho de conclusão do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade de Passo Fundo, da arquiteta Patricia Pohlmann e sob a tutela da professora do curso e orientadora, Carla Portal Vasconcellos, nasceu um complexo físico e lúdico que prevê soluções para a problemática do lixo na região conhecida como Vila Entre Rios.
Circo, lixo e inclusão social
A idéia de misturar a magia do circo com a reciclagem de resíduos nasceu da inconformidade de Patricia com a grande quantidade de lixo existente na localidade, somada a difícil situação social da população que vive na Entre Rios. “Tudo partiu da minha experiência em ver lixo jogado nas ruas e a falta de uma coleta seletiva efetiva na cidade. E quando pensei no trabalho, resolvi associar a sistemática do circo com a questão da reciclagem e a ressocialização das pessoas que vivem do lixo, em uma área de ocupação irregular”, explica a arquiteta.
E este tripé é a base fundamentadora de todo o Reciclacirco. A princípio a proposta surgiu pelo projeto arquitetônico, para depois dar espaço à intervenção no local, auxiliando no resgate da cidadania de quem vive na Entre Rios. “O Reciclacirco nasceu do dia a dia das pessoas que moram na Entre Rios. E para conseguir colocar tudo no papel, busquei desenvolver toda a estrutura em três blocos de atuação”, diz Patricia.
Tais blocos consistem em uma central de triagem modelo, integrada a uma escola profissionalizante com cursos técnicos, voltada para os trabalhadores da central de triagem e o circo propriamente dito. Este último, apesar de parecer destoar do objetivo principal, é, na verdade, o grande diferencial do projeto, pois é através da arte circense que as crianças, jovens e adultos envolvidos terão contato com a coletividade. “Através do circo, da arte, a pessoa se conhece, se expressa. O que faz com que quem estiver envolvido se sinta mais humano”, elucida Patricia.
Por que o circo?
A relação da arte circense com a proposta de inclusão social da população residente na vila Entre Rios resgata expectativas e novas perspectivas no que tange o estímulo e o desenvolvimento sócio-cultural de toda a localidade. A intenção é, através do circo, de criar intervenções utilizando resíduos recicláveis como fator de geração de renda, além de incentivar a integração do local com a cidade e de desenvolver uma formação humanista de todos que vivem na Entre Rios.
Estrutura do Reciclacirco
Com base na estrutura física do local (Vila Entre Rios), todos os aspectos simbólicos da edificação estão diretamente relacionados com a figura humana e com os condicionantes físicos, naturais e socioeconômicos da área, simbolizados por um acrobata em parada de mão – posição invertida do corpo, onde a pessoa fica apoiada no chão, pelas mãos. Tal representação significa a inversão cultural necessária para reverter o quadro atual de exclusão social na localidade e em Passo Fundo.
De acordo com a orientadora do trabalho, Carla Portal Vasconcellos, Passo Fundo nunca teve intervenções em locais irregulares, que não fossem na área de infraestrutura e habitação, mas sem pensar na questão social de inclusão. Tanto é que o Reciclacirco foi o primeiro projeto da UPF a ser selecionado no concurso Opera Prima (concurso nacional de trabalhos finais de graduação em arquitetura e urbanismo), na etapa regional-sul. “A parte social é muito importante, assim como a casa para morar e a infraestrutura. Este projeto é um marco para a Patrícia e para o curso de arquitetura e urbanismo da UPF por causa da seleção no concurso”, diz.
Tal projeto é de extrema importância, devido à situação da produção de resíduos sólidos urbanos, aliado ao fator de recuperação social de toda a área da Vila Entre Rios. È a conscientização urbanística integrada ao desenvolvimento sócio-cultural de zonas urbanas que cresceram sem o devido planejamento, o que acarreta em uma marginalização do trabalho, da educação e da condição de ser humano das pessoas que fazem do lixo uma vida.
A Entre Rios
A Vila Entre Rios, situada no bairro São Luiz Gonzaga, é uma área de ocupação irregular que apresenta precariedades de infra-estrutura urbana e condições de exclusão social. De acordo com dados do IBGE datados de 2007, mais de 10% da população – que chega perto dos 1,5 mil habitantes -, é analfabeta, com primeiro grau incompleto e mais de 20% das famílias possuem renda de até três salários mínimos. A área de abrangência do Reciclacirco corresponde a um total de mais de 50 mil m² na Entre Rios, o equivalente a pouco mais de seis campos de futebol.
Coleta seletiva
De acordo com a lei federal número 12305, da Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS), a coleta seletiva é obrigatória nas cidades com mais de 100 mil habitantes. Além disto, a lei prevê a elevação no prazo de concessões de serviços de coleta de cinco para 20 anos, responsabilizando as indústrias pela correta disposição de seus rejeitos e cria taxas exclusivas para coleta, benefícios fiscais para empresas exclusivamente recicladoras e incentiva prefeituras a contratar cooperativas de catadores.
Coleta em Passo Fundo
A coleta seletiva foi implantada na zona urbana de Passo Fundo em maio de 2008, necessitando de programas específicos de conscientização da população, juntamente com programas que busquem a retirada das famílias, adultos e crianças do sustento através da catação de lixo. Segundo dados da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMAM), são recolhidos diariamente 10 toneladas de lixo. Destes, pouco mais de 1,5 toneladas são destinadas corretamente, sendo doadas a instituições de caridades, onde é revendido e o dinheiro arrecadado retorna em benefício aos mesmos. No momento, as instituições beneficiadas são: Socrebe (Sociedade Cultural, Recreativa e Beneficente São João Bosco), Lar Emiliano Lopes, Comitê da Cidadania e Projeto Transformação do Grupo AAMA (Associação Amigos do Meio Ambiente).