Clarissa Ganzer/ON
No meio do caminho tinha uma pedra. Na verdade, não era só uma pedra. Era um buraco, uma inclinação, um poste, um degrau, um telefone público. Caminhando pelas calçadas centrais de Passo Fundo é fácil deparar-se com diferentes obstáculos que prejudicam a acessibilidade. Conforme a NBR 9050 de 2004 - Norma Brasileira, que refere-se à Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos - acessibilidade é a “possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para a utilização com segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos”. Ou seja, é o acesso de todas as pessoas independentemente de suas condições, sejam elas crianças, jovens, adultos, idosos ou deficientes físicos.
Durante uma caminhada com o diretor do Gesp (Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas), Paulo Fernando Cornélio, é possível sentir na pele as dificuldades de caminhar pela cidade. Há 27 anos, desde que a ONG foi criada, o acesso eficiente dos pedestres pelo município tem sido uma causa recorrente.
Penoso caminho
Na Avenida Sete de Setembro próximo a Rua Uruguai, um buraco de 50 cm de profundidade, 65 cm de comprimento e 40 cm de largura chama a atenção. Assim como calçadas deterioradas.
Na esquina da avenida com a Rua Uruguai, degraus impedem a passagem de cadeirantes e bloqueiam o caminho dos transeuntes. Mais a frente, foi construída escadas no passeio público pra melhorar o acesso de quem circula pela edificação. A calçada, que era de cerca de três metros, reduz para um 1,28 cm. Isso, sem considerar o matagal em frente a uma casa que também estreia o caminho. Ainda, na mesma avenida em direção a avenida Brasil, a calçada é cheia de altos e baixos e totalmente inclinada, enquanto a via para carros é plana é sem alterações.
Segundo o fisioterapeuta Roni Silveira, não há como precisar o prejuízo que essas irregularidades podem causar ao corpo humano a longo prazo. Mas, é comprovado que para cada degrau escalado, a pressão no joelho é quatro vezes o peso da pessoa. “A pressão do joelho de uma pessoa de 50 quilos é de 200 quilos em uma escada”, explica o profissional.
Dois lados de uma mesma moeda
Mas, quem cuida do passeio público? A assessora técnica do Núcleo de Políticas Públicas e Sociais de Acessibilidade e presidente do Compede (Conselho Municipal de Pessoas com Deficiências) - ligado a Secretária de Cidadania e Assistência Social (Semcas), Claudia Furnaletto, afirma que a responsabilidade do passeio publico é do proprietário do imóvel.
O Art° 46 do Código de Posturas do município de Passo Fundo de 1950 reforça a afirmação de Cláudia. “O proprietário ou titular de direitos reais sobre o imóvel urbano deverá manter a calçada fronteira ao imóvel respectivo em perfeitas condições de trafegabilidade de pessoas, sem que nenhum dano possa ser ocasionado às mesmas”.
A prefeitura através da Secretaria de Mobilidade Urbana, Transporte e Segurança, é responsável por fiscalizar o passeio público, autuar e notificar ao comprovar uma irregularidade.
É a prefeitura também a encarregada de aprovar todo e qualquer projeto executado na cidade. O secretário de Obras, Gilberto Simor, comenta que a acessibilidade nos projetos que passam pela secretaria é avaliada da porta para dentro da edificação, visto que a calçada é encargo do proprietário.
Claudia avalia que talvez, por não haver uma legislação sobre acessibilidade e somente uma norma indicativa do que fazer - a NBR9050, alguns projetos são aprovados mesmo sem serem totalmente acessíveis. “O nosso código é muito antigo. O município recebe o projeto da obra e ainda não cobra porque não tem em seu código de obras, no seu plano diretor o passeio. Não tem como cobrar. Quando chega o projeto, tem que ter a sensibilidade de colocar alguma coisa, independente da lei”, pontua.
Não só deficientes físicos
Enquanto as transformações não acontecem, o passeio continua tortuoso não só para pessoas com necessidades especiais, mas para todos os pedestres. Nilza Rezende, 65 anos, aposentada, comenta que as calçadas de Passo Fundo são horríveis e causam mal estar. “É cheio de lombadas, é uma vergonha. Meu marido é quase cego e eu conduzo ele”, desabafa.
A mesma situação desconfortável é percebida pela mamãe Juliana Ferraz, 30 anos, contadora. Ela prefere levar sua filha de um ano e sete meses no colo do que optar pelo carrinho, já que ao passeio é muito irregular. “O acesso da rua para a calçada é ruim. E não é só no centro, na Petrópolis também.”, pontua.
Agora imagine essas dificuldades somadas a falta de visão. Este é o caso de Fábio Flores, secretário geral da Associação Passo-fundense de Cegos (Apace) e membro do Compede. Segundo ele, o fluxo de pessoas intenso no centro e os obstáculos: placas de lojas, orelhões, lixeiras podem causar acidentes. “Já quebrei um óculos e dois dentes por me chocar com outros objetos”, lamenta.
Sem padrão
Há na cidade piso tátil para cegos. Sim, o piso guia. Ele está na Avenida Brasil, em frente ao Clube Comercial e, com ranhuras na calçada, permite que a pessoa com visão comprometida siga a indicação sem se machucar. O que acontece é que este piso guia leva o cego de encontro a uma lixeira. O mesmo acontece com os acessos da rua para as calçadas. Não há uma inclinação padrão e a maioria dos acessos é extremamente íngreme.
O secretário de mobilidade urbana, transporte e segurança, Ermínio Simonetti afirma que sem uma pesquisa não se pode dizer quando o piso foi colocado no lugar onde está e reconhece que avanços precisam acontecer em Passo Fundo. “Tem melhorias importantes a serem feitas. A obras tem que ser obedecidas na questão da acessibilidade a fim de que atenda [às pessoas] da melhor forma. Pela obstrução do passeio publico muitas empresas já foram autuadas”, admite.
Fiscalização
Em 2008 várias empresas foram notificadas por exporem seus produtos na calçada e a ocuparem indevidamente. A fiscalização foi motivada por um inquérito civil que tramita no Ministério Público desde 2005. Em Passo Fundo existe o Compede que discute e busca viabilizar questões de acessibilidade e o Núcleo de Políticas Públicas e Sociais de Acessibilidade, que trabalha com uma comissão permanente formada pela Associação de Engenheiros e Arquitetos de Passo Fundo, docentes da Universidade de Passo Fundo, deficientes físicos, secretários municipais, entre outros.