Agroecologia: Mais que um sistema, um modo de vida

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Glenda Mendes/ON

Fruta colhida no pé e consumida no mesmo momento tem um sabor especial. Assim também acontece com as verduras e hortaliças que podem ser colhidas na hora de preparar o almoço direto na horta do quintal de casa. Tudo produzido sem o uso de agrotóxicos e respeitando o desenvolvimento natural de cada alimento, sem o uso de métodos artificiais de amadurecimento.

Quem já teve a oportunidade de ficar de debaixo de uma laranjeira numa tarde fria, mas ensolarada, dos invernos gaúchos, colhendo cada uma das frutas e comendo-as ali mesmo ou já esperou o calor da primavera chegar para colher amoras, buscando pelas menores e mais docinhas, certamente entende a diferença da fruta que se consegue no quintal daquela que se compra no supermercado.

Mas hoje em dia, quem consegue espaço para poder cultivar em casa o que consome, quando a maioria da população vive em apartamentos? Existe, porém, uma alternativa para consumir este tipo de alimento, que é produzido de forma natural e respeita o meio ambiente. A resposta está na agroecologia, sistema pelo qual são cultivados os chamados produtos orgânicos.

Entretanto, para ser orgânica, realmente natural, a produção precisa respeitar algumas normas, dentre elas a sustentabilidade ecológica. Isso nada mais é do que produzir respeitando a natureza em todos os seus aspectos, exatamente como se fazia antigamente, ou quase assim. Quase, porque se antes cada um produzia para si e para sua família, agora existem produtores que se utilizam deste sistema e comercializam a maior parte da produção. Também se agregou valor, pois a agricultura ecológica e o uso dos produtos oriundos dela são mais que um sistema, são um modo de vida.

Essa nova maneira de encarar a agricultura familiar, como ela se procede, onde encontrar os produtos e a opção pelo consumo dos orgânicos é uma história que O Nacional começa a contar a partir de hoje e segue em mais dois finais de semana, abrangendo toda a cadeia: produção, comercialização e consumo.

Eis a agricultura ecológica
Na região Norte do Estado, um dos focos da produção de agroecologia está no município de Santo Antônio do Palma, de onde vem a grande maioria dos produtos que são comercializados na Feira Ecológica realizada aos sábados na Praça da Mãe em Passo Fundo. Quem começou essa história foi a família de Alceu Prímio, na propriedade que ON conheceu para realizar esta série de reportagens.

Idealizador da Feira Ecológica que existe em Passo Fundo, Prímio respira agroecologia. E respira mesmo, pois toda a sua propriedade é rodeada de barreiras naturais para evitar o contato com o agrotóxico utilizado nas propriedades vizinhas. Para isso, foram preservadas áreas de mata natural, existentes desde os tempos em que o pai dele comandava a propriedade, e agregadas novas árvores, todas nativas da região que formam verdadeiros muros, evitando que o ar contaminado ou poluído que vem dos arredores entre em contato com o que é produzido nas suas terras.

Afora a preocupação com o ar, a topografia da propriedade em seus declives e aclives é toda respeitada. Em cada pedacinho de terra, um produto diferente, que somam mais de 70 tipos produzidos apenas na granja de Prímio. Se não entra agrotóxico de fora, tipo algum de veneno é utilizado dentro da granja. Para combater pragas, infestações, somente com a utilização de inimigos naturais. O amadurecimento e tempo de crescimento de cada produto plantado seguem o rumo da natureza, sem nada que acelere ou diminua o ritmo natural.

Por aí é possível perceber a afinidade da agricultura ecológica com o meio ambiente respeitado e saudável. Todas essas normas de funcionamento e ideologias de preservação não são algo que Alceu Prímio e os dois irmãos que dividem a propriedade, tenham aprendido na escola. Foi o ensinamento de pai e mãe que nunca utilizaram qualquer tipo de veneno que foi se incorporando à maneira de produzir da família e que se somou ao que hoje é defendido como agroecologia.

O que é agroecologia?
Também conhecida como agricultura orgânica, tem por principal definição a inexistência do uso de agrotóxicos na produção. Entretanto, quando agregado o termo “ecologia”, o sistema se amplia para a preocupação com o meio ambiente.

Por definição do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, “os produtos orgânicos são cultivados sem o uso de agrotóxicos, adubos químicos e outras substâncias tóxicas e sintéticas. A ideia é evitar a contaminação dos alimentos ou do meio ambiente. O resultado desse processo são produtos mais saudáveis, nutritivos e com mais qualidade de produção, o que garante a saúde de sua família e a do Planeta”.

Com isso, a busca e criação de ecossistemas mais equilibrados, preservando a biodiversidade, os ciclos e as atividades biológicas do solo fundamentam a produção.

“Sempre com agricultura ecológica”
Ao chegar à propriedade de Alceu Prímio, o que impressiona é o horizonte: são árvores para todos os lados. E quando se pensa que a área termina no primeiro aglomerado de árvores nativas, ledo engano. É apenas mais uma das barreiras naturais para os agrotóxicos, pois logo atrás existe algum tipo de fruta para ser colhida.

E é para ser colhida mesmo, pois ao longo da entrevista, que foi feita enquanto era percorrida a granja, algumas paradas obrigatórias foram feitas para experimentar um pêssego, uma amora, um figo. Era só colher do pé e comer, sem preocupação: um quintal gigante dos sonhos de quem vê na agroecologia o futuro de toda uma geração.

“A gente sempre trabalhou com agricultura ecológica. Sempre, sempre. Foi o pai e a mãe que não deixaram, desde o início, não foi na escola, foi o pai e a mãe que nunca deixaram a gente usar veneno”, assim começa a conversa com Alceu Prímio, logo em frente à casa que mora e, certo, ao lado de uma horta de um verde difícil de encontrar. Aliás, até onde a vista alcança, tudo é de um verde inigualável, convidativo a uma vida saudável.

Depois de recebidos os primeiros princípios para uma produção orgânica, ele e os irmãos resolveram se especializar. “O forte foi o ensinamento do pai e da mãe. Foi assim que a gente começou ir a cursos, encontros referentes à agroecologia. A gente também foi conhecer propriedades, mas o forte foi o pai e a mãe, depois a gente foi se aperfeiçoando”, salienta Prímio.

Barreiras de mata nativa
Entre as principais defesas dos agricultores estão as matas nativas. “Aqui é um ambiente que a gente fica no meio das matas nativas, sempre com sombra. A gente planta árvores ao redor para criar uma barreira contra o agrotóxico que é usado nas lavouras dos vizinhos”, comenta Prímio.

Mas somente existem as barreiras de hoje, porque foram preservadas as antigas. “Onde tem matos que já tinha quando o pai passou pra nós ou onde adquirimos as áreas, a gente conservou e deixou como barreira e ampliamos. Então nunca destruímos as árvores e plantamos mais ao redor das casas. Estamos também associando as nativas ao redor de todas as hortas”, salienta.

E hortas existem mesmo várias. Cada um deles possui uma horta “pessoal” no fundo de casa: ele, os dois irmãos e a mãe. Além dessas, são cultivadas outras destinadas à comercialização. “A gente faz assim pra não ter que caminhar muito, daí cada um tem perto da porta de casa o que precisa”, explica.

Água, só a que brota da terra
Provando que além de agroecológica, a propriedade é autosustentável, toda a água que abastece as plantações e as casas vem de uma fonte natural. Parte dessa água é armazenada em uma caixa d’água, para ser utilizada em temporadas de estiagem. Agora, Prímio os irmãos estão pensando também em implantar um sistema que armazene a água das chuvas, garantindo ainda mais a sustentabilidade.

“A gente tem que cuidar as águas para não contaminar. Os dejetos, por exemplo, tem que ter cuidado, porque pode contaminar desde as águas, o solo, o ar. Então a gente tem todo esse cuidado de não só deixar de usar o veneno, que é o básico”, argumenta o agricultor.

Controle de infestações
“Uma área que é bem cuidada, que se faz com preservação e programação do que vai plantar em cada época do ano, facilita pra eliminar um monte de problemas”, destaca o agricultor, explicando como a rotatividade de produtos é benéfica, entre outros aspectos, para evitar infestações de insetos, por exemplo.
Mas, se por um acaso, elas ocorrerem, o combate é feito somente com métodos naturais. “A gente faz as fermentações orgânicas e ecológicas para não ter problema. Se tem uma infestação de algum inseto, a gente tem o repelente que a gente faz na propriedade, com chás, folhas”, ensina Prímio.

Esta reportagem é a primeira de uma série de três matérias sobre agroecologia. Na edição de hoje, foi apresentada a primeira ponta da cadeia, que é a produção. Na próxima semana, a segunda parte vai abordar a comercialização. E para o encerramento da série, a terceira parte vai mostrar os consumidores.

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