Mapa das ocupações

Parte I

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Em Passo Fundo existem 27 áreas ocupadas irregularmente. A maioria delas já está consolidada há muitos anos. O Jornal O Nacional, acompanhado pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia, visitou as nove principais ocupações da cidade para mostrar um pouco da realidade dessas famílias

Texto e fotos: Natália Fávero/ON

A realidade das ocupações em Passo Fundo impressiona. Os problemas das nove áreas visitadas pela nossa equipe de reportagem parecem se repetir em cada uma delas. Na maioria das ocupações falta água, energia elétrica regularizada, saneamento básico, asfalto e principalmente a atenção das autoridades competentes. A demanda reprimida na habitação deixa bem claro que os menos de 1% previstos no orçamento municipal para esse setor não conseguem atender as mais de nove mil famílias inscritas na Secretaria de Habitação e provoca o crescimento de ocupações na cidade. Mas quem são essas famílias, como vivem e quais as perspectivas delas? ON foi conhecer estas pessoas.

Segundo o coordenador do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), Júlio Gonçalves, para amenizar o problema habitacional em Passo Fundo seriam necessárias no mínimo cinco mil casas, o que custaria entre R$ 300 e R$ 400 milhões.

Foram dois dias percorrendo as ocupações da Bom Jesus, São Luiz, Manoel Corralo, Parque Bela Vista, Vila Isabel, Jaboticabal, Zácchia (I e II) e Beira Trilho. São aproximadamente quatro mil famílias vivendo em áreas ocupadas na cidade.

Para o movimento, as quatro grandes ocupações estão no Zácchia, Bom Jesus, Parque Bela Vista e São Luiz. As ocupações são espontâneas, onde os próprios moradores se articulam, ou são organizadas pelo MNLM. Entre as ocupações irregulares espontâneas estão, por exemplo, áreas localizadas na Vila Jardim, Manoel Portela, Santo Antônio, Dona Júlia, Vila Popular e Sétimo Céu, que ficam em áreas de risco.

Júlio explicou que há diferença entre ocupações e invasões. Segundo ele, as ocupações realizadas pelo movimento tratam de ocupar um vazio urbano que não cumpre a sua função social conforme a legislação brasileira. Já as invasões, são atos criminosos onde as pessoas ocupam uma propriedade que cumpre sua função social. O movimento nacional pretende organizar entre cinco e 10 ocupações no próximo ano.

Já o secretário de Habitação, Clademir Daron, disse que as ocupações não são o melhor caminho. “É preciso fazer um planejamento oferecendo infraestrutura, garantindo que elas tenham acolhimento no local sem que essas famílias precisem resolver problemas correndo atrás de iluminação, água e saneamento”, explicou Daron.

Zácchia I

De todas as ocupações, a que mais chamou a atenção pela penúria foi a do bairro José Alexandre Zácchia. Ao entrar nos fundos da ocupação localizada próximo a BR 285, percebe-se que aquelas famílias não vivem, na verdade elas lutam para sobreviver. Em meio a pequenas peças construídas com madeiras vivem cinco, seis, sete ou quantas pessoas couberem. Ao passar pelas casas simples viam-se pessoas deitadas no chão. A impressão que dava era que elas estavam simplesmente esperando o tempo passar. Muitos cachorros fazem parte das famílias e as crianças parecem ser a maioria.
Muitas casas não têm água, energia elétrica e muito menos banheiro. É o caso da residência do seu Alfeu da Silva, de 50 anos. Escorado no portão, a nossa equipe perguntou como ele fazia para tomar banho, por exemplo. A resposta foi simples. “Quando preciso ir ao banheiro ou tomar banho vou à casa da minha irmã que fica aqui na frente”, disse Silva.
A resposta dele parece ser atitude de muitos nessa ocupação. O local além da precariedade enfrenta um problema sério há anos. Quando chove forte, em poucos minutos, a ocupação fica alagada. As fossas sépticas acabam transbordando e os dejetos se misturam na superfície. Na casa de madeira de Terezinha Runz, de 62 anos, moram cinco pessoas. “Aqui há um poço negro que enche e vaza. Quando chove viramos sapo”, relatou a ocupante.
A situação é tão caótica que fez com que o morador André Viega colocasse a casa a venda. Ele, a esposa e os quatro filhos pretendem morar em outro lugar, mais próximo da escola.
No local moram 196 famílias desde 2005. A área é propriedade da Corsan. Segundo o secretário de Habitação, ainda é aguardado os tramites para formalização dos contratos entre prefeitura e Corsan para uma permuta. No momento em que a área for transferida para o poder público será possível ter a escritura para fazer a regularização fundiária.
A ocupação abriga dezenas de crianças. Falta água, energia elétrica, asfalto e banheiros em muitas das casas das 196 famílias

 Zácchia II

Essa é uma das ocupações mais recente. Desde 2008, 90 famílias moram no local. A água e a luz ainda são precárias. A área particular esta em processo de negociação com o proprietário. Estão buscando uma parceria com alguma empresa para construir um projeto habitacional com casas e infraestrutura necessária por meio de cooperativa.
O local é de difícil acesso e a nossa equipe não conseguiu percorrer de carro as ruas que na maioria da ocupação são inexistentes. Os lotes são de aproximadamente 10 x 20 de tamanho.
Uma das ocupantes, Marli Noster das Chagas, de 45 anos disse que na residência moram seis pessoas, entre elas quatro crianças. O sustento vem de dois filhos mais velhos e do Bolsa Família. Recebem cerca de R$ 167,00 do benefício do Governo Federal. Há dois anos resolveram sair do interior de Três Passos e tentar pela primeira vez conseguir um pedaço de terra. “Se eu conseguir entrar no programa Minha Casa Minha Vida ficarei feliz da vida”, disse a ocupante.
A área ocupada é particular e ainda está em processo de negociação com o proprietário

Jaboticabal
Desde 2003, 24 famílias estão ocupando uma área do município, no bairro Jaboticabal. Apesar de ter casas de alvenarias, ainda restam alguns barracos de madeira em condições precárias que não tem nem banheiro. Os moradores conseguiram a instalação de energia elétrica e de água, mas ainda não há canalização, saneamento básico e asfalto. O esgoto das casas é visto escorrendo nos pátios das residências.
O perfil dessa ocupação é semelhante às outras áreas: Mães chefes de família é maioria. Os muitos jovens que moram no local estão nessa ocupação pelos mesmos motivos: os laços familiares. Daniele da Silva Santos, de 26 anos explicou que resolveu ocupar o lugar, porque ela e o marido iniciaram uma vida a dois e não tinham condições de comprar uma casa. A oportunidade de ocupar a área foi uma boa maneira de construir a sua vida e ficar perto da família e amigos que moram no mesmo bairro.
A ocupante reclamou ainda dos cadastros da Secretaria de Habitação. Segundo ela, a família está inscrita no órgão há anos, mas ainda não foi contemplada. “A Secretaria virou um banco de cadastros”, reclamou a moradora.
A Secretaria de Habitação informou que há um pré-contrato através de um termo de utilização em caráter precário. O local era destinado a ser uma área verde e por isso, terá que ser feito um processo de Lei para desafetação.
Mães chefes de famílias e jovens casais são características das pessoas que vivem na ocupação do Jaboticabal


“Amanhã ou depois não teremos mais áreas para construir espaços de lazer”
“As nossas associações e integrantes da direção acompanham esses casos e buscam achar uma solução para o problema. Acompanhamos o caso da Vila Isabel junto com a Secretaria de Habitação. Temos muitas áreas que são ocupadas. Um dos problemas é que elas estão numa crescente e quando ocorre em áreas públicas destinadas para a população impedem a construção de área de lazer. Entendo que não podemos abandonar essas pessoas. A prefeitura tem achar uma forma de contemplar essas famílias”.
Antonio dos Santos, presidente da Uampaf

Diagnóstico das ocupações
 
O Movimento Nacional de Luta pela Moradia, liderado pelo coordenador Júlio Gonçalves apontou o perfil, a organização, as dificuldades e soluções para a habitação em Passo Fundo.
 
- Perfil das famílias
São trabalhadores da indústria de alimentos, metalúrgica, domésticas, mães chefes de família, jovens casais, autônomos, recicladores e pedreiros.
 
- Principais dificuldades
Problemas de infraestrutura, saneamento básico, acesso a energia elétrica e rede de água, asfalto, moradias precárias e falta de regularização fundiária para que as famílias consigam essa infraestrutura, saúde e educação.
 
- Faltam políticas habitacionais

Nos últimos dez anos, Passo Fundo acumulou cerca de oito ocupações significativas. Essa é a principal razão citada por Gonçalves para os problemas habitacionais da cidade. Segundo ele, as ocupações vêm numa crescente por falta de políticas habitacionais do Município, Estado e União. “As famílias se organizam e ocupam aos vazios urbanos da cidade. É um direito da população de conquistar moradias dignas conforme a constituição”, disse o coordenador do MNLM. O Poder Público estaria investindo muito pouco. Menos de 0,6% são investidos em moradia. Segundo ele, nos últimos quatro anos só foram construídas 480 unidades habitacionais, o que seria muito pouco para Passo Fundo.
 
- Organização do movimento

O MNLM ajuda as famílias a organizarem as ocupações em vazios urbanos. Esses pontos são mapeados e as pessoas são cadastradas no movimento. Através de um planejamento, eles pretendem em 2011, ocupar entre 5 a 10 áreas. Conforme Gonçalves essa é uma maneira de reduzir o déficit. No movimento nacional há cerca de mil famílias cadastradas no município. O movimento ocupa os vazios urbanos que não cumprem sua função social conforme a constituição e tratados internacionais.  “Teremos que fazer muita ocupação e pressão política. Temos dialogado muito com os companheiros da coordenação do movimento pra desenvolver ações políticas para mais projetos”, disse o coordenador do MNLM.

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