Clarissa Ganzer/ON
Desde sexta-feira (10) as atividades do programa Guri-Guria estão interrompidas. A parceria entre o Instituto Marista Marcelino Champagnat e a Prefeitura de Passo Fundo, através da Secretaria Municipal de Cidadania e Assistência Social (Semcas) foi cancelada. Há mais de cinco anos, o projeto atendia 140 crianças de oito a 14 anos. As crianças e adolescentes do Guri-Guria participavam de diversas oficinas socioeducativas que envolvem arte, esporte, música, dança, informática e formação humana, em horário inverso ao turno da escola.
Nova Lei da Filantropia
A legislação que dispõem sobre a forma das entidades beneficentes destinarem parte do seu faturamento à filantropia foi modificada e fez com que o Instituto Champagnat encerrasse a parceria com a prefeitura de Passo Fundo.
A Nova Lei da Filantropia é federal e já está em vigor (ver box).
A legislação separa a porcentagem de filantropia em educação, assistência social e saúde. Dessa forma, as entidades educacionais, como é o caso do Instituto Champagnat, diminuem a porcentagem de seu faturamento que poderia ser usada em assistência social. Além disso, para comprovar a filantropia, as entidades educacionais precisam apenas oferecer bolsas de estudo. Ainda torna-se mais burocrático segregar a contabilidade entre educação, saúde e assistência social. “A assistência social basicamente sobreviveu com projetos da área da educação e da saúde. As entidades educacionais: universidades, escolas particulares para receber a filantropia só tem que dar bolsas e, ainda correm o risco de tendo projetos sociais que eles não possam ser usados dentro desse percentual da filantropia. É uma dificuldade para prestar contas e provar [a filantropia], além de prestar contas para o Ministério da Educação, ela terá que prestar contas para o Ministério de Desenvolvimento Social e correr o risco do projeto não ser aceito”, explica o presidente do Conselho Municipal de Assistência Social, Rubens Mário Franken. Das cerca das 40 entidades inscritas no Conselho Municipal de Assistência Social, Franken acredita que a partir da nova legislação irão permanecer dez ou 15 entidades.
Instituto Marista Marcelino Champagnat
O coordenador do programa pelo Instituto Marista Marcelino Champagnat, Irmão Júlio Ricardo Alf, explica que o atendimento do projeto é caracterizado como assistência social e não como educação, sendo assim o Instituto deve aplicar a maior parte do seu recurso em educação. A porcentagem de filantropia vai ser revertida em bolsas de estudo integrais para famílias que tem renda per capita de até três salários mínimos para estudar nas escolas particulares da rede, como é o caso do Colégio Marista Conceição. “Os 5% da receita que obtemos em filantropia podemos aplicar em assistência social. Este é um recurso muito baixo para manter o programa Guri-Guria: trabalho sócioeducativo aplicado em formato de oficinas”, diz. O orçamento anual do programa é de R$300 mil. “Eu, pessoalmente, acredito que essa mudança é ruim, porque vamos deixar de atender aqueles que realmente precisam. (...). Mesmo porque essas crianças [atendidas antes] dificilmente vão aceitar estudar em uma escola particular paga. Tem toda a questão da exclusão, da própria cultura, de viver, se comportar, a questão do vestuário... Vamos deixar de atender aqueles que realmente precisam”, diz. O programa Guri-Guria contava com cerca de dez colaboradores, sendo que seis atendiam diretamente as crianças. .
Prefeitura
O secretário da Semcas, Adriano José da Silva, garante que as 140 crianças não ficarão na rua. “Estamos fazendo um novo estudo. O programa Guri-Guria vai ser mantido. Estamos buscando algumas entidades parceiras para fazer a execução do programa. De inicio, este grupo de adolescentes vai ser inserido nos Centro de Referencia de Assistência Social (Cras) e após análise de adequação de novo espaço físico estamos retomando o projeto no mais tardar em maio de 2011. Vamos manter as oficinas do contra turno escolar e as refeições: café da manhã, almoço e lanche da tarde”, diz. Uma conversa prévia já aconteceu com a Leão XIII.
Não havendo a possibilidade de uma instituição ser parceira, o projeto será executado pela prefeitura de Passo Fundo. As famílias beneficiadas recebem por mês cerca de R$200.
Um pedido de contratação de oficinas para março do próximo ano já foi feito para todos os Cras. São quatro centros na cidade: Bairro Planaltina, Bairro São José, Bairro Vera Cruz e Bairro Professor Shisler. O secretário salienta que a perda dos irmão Maristas é significativa, mas que a prefeitura entende a posição do instituto. “As portas vão sempre estar abertas”, afirma. .
Famílias
A mãe de Leonardo, Daniela dos Santos Vargas, lamenta a interrupção do programa. Segundo ela, o projeto era muito bom e é uma surpresa para os pais das crianças atendidas que ele pare. “[O que ele perde] é a educação, o respeito, que eles adquirem lá, o ensino. É muita tristeza”, diz. Além disso, ela alerta que antes sabia onde seu filho estava e o que estava fazendo. “É muita preocupação, a gente não segura eles”, conta. Leonardo, 11 anos, relatou que gostava muito dos esportes oferecidos, especialmente o futebol.
A sua irmã, Ana Paula Vargas, 15 anos, permaneceu no programa por três anos e afirma que quando deixou o Guri-Guria, porque excedeu a idade, sentiu muita falta. “Foi diferente, porque todo dia era a mesma rotina, me apeguei a prô Lú e prô Dani”, lembra.
As tardes de Peterson Rocha Molenari, 11 anos, já não são mais as mesmas. As oficinas de artes, reforço escolar e informática foram substituídas por período ocioso em frente ao computador. Depois de ajudar sua mãe com os afazeres domésticos, o menino vai brincar. “O projeto era mais legal. Aqui [no computador] só jogo”, opina. O pai do menino, Antão Vanderlei Molinari reafirma a importância do projeto. “Poucos tiveram o privilégio de estar lá. A preocupação com ele não é muita, é mais no geral. Fazer que durante a tarde? E ele gostava”, finaliza. As crianças tinham férias do programa Guri-Guria durante o mês de janeiro e depois uma semana na metade do ano.
- Nova Lei da Filantropia
Nova Lei da Filantropia - Lei n° 12.101 de 27 de novembro de 2009, regulamentada pelo Decreto n° 7237 de 20 de julho de 2010.
- As entidades sócio-assistenciais, mas que tem seu objetivo principal na educação não poderão utilizar os 20% de seu faturamento em filantropia. Elas devem destinar 15% em bolsas de estudo e 5% em serviços sócio-assistenciais. O período de adaptação é até o final deste ano e as entidades devem optar por ficar com 20% para parte sócio-assistencial e talvez perder a porcentagem da educação, ou ficar com a educação que é o foco e objetivo delas.