O drama devastador do crack

Drogas: mãe acorrenta filha de 15 anos, que está grávida de sete meses, e pede ajuda para internar adolescente usuária de crack

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Redação ON

Acorrentar os filhos como forma de libertá-los da droga devastadora de famílias tornou-se, por mais paradoxal que seja, sinônimo de solução temporária para pais e mães desesperados. Foi a única saída encontrada por M. E. L. S., 33 anos, mãe de uma adolescente de 15 anos, que por sua vez também é mãe de um menino de nove meses e está grávida de sete meses de outro filho. A jovem teve o primeiro filho aos 14 anos, morou com o companheiro que era usuário de crack, que por um tempo ficou longe da droga. No entanto, ele teve uma recaída e neste processo, a adolescente passou a ser usuária. Quando a mãe da adolescente percebeu, a jovem não tinha mais nem o que vestir. Passou a roubar e a se prostituir para conseguir a drogas. Passou seis dias morando na rua e foi resgatada pela mãe dentro de uma boca de fumo.

Há quatro meses, M. E. não faz outra coisa a não ser tentar livrar a filha da maldição do crack. A vida virou um inferno e entre terça e quarta-feira desta semana M.E. tomou a atitude mais drástica que foi acorrentar a filha no quarto, fazer ela tomar remédio para dormir, para que não saísse de casa. Desesperada, pediu ajuda para interná-la o que aconteceu através do Conselho Tutelar e pela autorização expedida pelo secretário da Saúde Alberi Grando.
A adolescente está internada na maternidade de um hospital, sedada e sendo acompanhada de perto por médicos e a mãe. “Faz cerca de quatro meses que eu estou lindando com ela. Baixa, vai para a casa, toma remédio e foge. Daí, ontem à noite (terça), ela teve aquele comportamento suicida de pegar faca, de se surrar, pulou no irmão, que a gente teve que pegar e passar corrente nela. Dei meus remédios de depressão e esperei ela dormir”, conta a mãe, ao revelar que fez esta internação só com a certidão de nascimento, porque até a identidade ela empenhou na boca de fumo. “A gente não dorme, não descansa. Tem a outra pequena em casa, tem o filho dela que eu cuido”, disse.

Um drama de milhares
A família de M.E. é apenas uma das milhares espalhadas pelo Brasil afora que vivem o drama da epidemia do crack. Acorrentar filhos, resgatá-los das bocas de fumo, ficar sem dormir, esconder objetos de valor dentro de casa e viver a agressão diária do consumo desta droga transformou-se em desgraça. Só em Passo Fundo, a Secretaria Municipal de Assistência Social, segundo Adriano da Silva, tem 600 famílias cadastradas por problemas de vícios (álcool e drogas), sendo que deste total 80% estão relacionados ao crack. Sem ter amparo para quem recorrer, muitas destas famílias tentam dar seus filhos adolescentes ou não para que órgãos oficiais e escolas os salvem da maldição do crack.
O município tem hoje sete adolescentes sob sua tutela, já que os pais perderam o pátrio poder. Adolescentes que custam ao cofres públicas na ordem de R$ 100 mil ao ano. Com capacidade limitada, o Caps-AD não vence atender a crescente demanda. As escolas também sofrem o reflexo da epidemia. Invariavelmente, os pais recorrem a professores e diretores para pedir socorro. E as clínicas de recuperação estão lotadas com fila de espera.

Entrevista
ON - O que a senhora pensou quando acorrentou a sua filha?
M.E. - É horrível. É horrível ter que esperar um efeito de remédio para dormir, porque eles ficam agitados. Aquela crise de ver ela ensangüentada. Ela nunca tinha me pulado, sempre me obedecia. O irmão não conseguia e eu vi que ela ia quebrar as minhas coisas e a única maneira que eu achei foi essa. Trancar a janela e botar ela no quarto. Dar comida na boca dela e ela dormindo. Dormindo. Porque não tem outra opção para fazer.  

ON - Como a senhora a trouxe para o hospital?
M.E. – Com a ajuda do Conselho Tutelar. Só que eu queria outro lugar, mas por enquanto eu estou aqui. Eu vou ficar com ela, porque eu também preciso descansar, preciso tomar meus remédios. Eu cuido do guri dela, tomo remédio, já fui internada, sou depressiva e a situação é desesperadora.  


ON - Como a senhora percebeu que ela usava drogas?
M.E. – A falta de sono e das coisas. Ela começou vender roupas, o que ela tinha dentro de casa. Eles praticamente ficaram sem nada. Até a casa, a sogra tinha dado, ela acabou desmanchando porque ela estava tendo uma vida pior do que a minha.

ON – Vocês moram juntas?
M.E. - Sim, porque levei ela para casa. A gente mora na Petrópolis. Já internei duas, três vezes. Não tem mais aonde tu gastar: é passagem, é lanche, é remédio que não adianta.  Psiquiatra que tu paga, toma remédio dois, três dias e não resolve porque em casa parece que é pior. Aquele risco aquele medo que se tem porque às vezes ela agride o próprio filho de nove meses. Eu não saio de casa, nem no mercado vou mais. Tirei a menor, [filha de nove anos] e levei para a minha mãe.


ON - Como achou ela dessa vez?
M.E. - Eu reviro. Eu vou de passo e passo onde eu sei que ela está. A gente foi buscar, o pessoal não gosta, saltou uns dez para pular na gente, em mim e no meu guri, que tem 17 anos. Daí foi só por Deus que a gente saiu vivo.  Essa madrugada. Mas o que eu quero de verdade, eu até posso ficar sem dormir, eu até resisto mais uns dias, mas eu preciso de um lugar que ela não fuja, que eu possa ir para a casa dormir, descansar uns dias.

“Eu assim como mãe, uma vez eu não entendia, achava que era fácil. As pessoas olham de fora e falam: “Deixe”. Mas quando se vai atrás e vê o que se passa e vai parar dentro da tua casa, daí você vê o sofrimento. Não são só eles que sofrem porque eles não sabem o que fazem. Eu tenho no meu pensamento, mas quem está ali dentro quem vê a deformação, a venda, os roubos. Quem nem ela toda machucada, cheia de hematoma, cortada. Tu chegar ali e ver um filho assim é muito. Tu não tem coragem de abandonar, daí perde força, não tem animo para nada. Agora chega Natal, primeiro do ano e tu vai comemorar o que, com um filho desse jeito?”

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