A voz do povo é a voz da rede

Veloz e acessível, a internet está tornado-se cada vez mais a voz ?EUR" sem filtro ?EUR" do mundo. Na política, ela está sendo fundamental para descentralizar informações e incentivar a democracia

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Clarissa Ganzer/ON

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O Egito é aqui

O Egito está localizado na África, mas cada ação no país pode ser acompanhada quase que instantaneamente por nós, latino-americanos. E essa facilidade de alcance da informação tem assumido um papel determinante no processo de democratização da informação, conforme o líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em Inclusão Digital/UPF, professor doutor Adriano Canabarro Teixeira. “De exposição de situações de violência, de reivindicação de direitos, de exposição de problemas, sejam eles pessoais ou sociais. E isso é extremamente positivo”, acredita.

Teixeira cita que o desenvolvimento do alcance e da repercussão das notícias na internet é fenomenal e imprevisível. Ele acredita que isso acontece em função da estrutura da internet que dificulta o controle do acesso. “Embora tenhamos alguns exemplos de controle em alguns países como na Coréia do Norte, em Cuba e, mais recentemente, no Egito, coibir o acesso à rede é complicado uma vez que a sua dinâmica abre possibilidades de burlar todo e qualquer controle”, afirma.

Onda democrática
Justamente a inviabilidade quase que total de controle do conteúdo que circula pela internet faz com que a rede tenha papel fundamental no desintegração das ditaduras. O cientista político, Antônio Kurtz Amantino, acredita que as manifestações contra o governo de três décadas de Hosni Mubarak – incentivada por protestos similares na Tunísia e basicamente organizado via Twitter e Facebook – são uma onda democrática que está chegando aos países árabes e a internet contribui com a mudança.

Isso acontece porque não existe um regime livre, democrático, que respeite as diferenças, a dignidade do ser humano sem liberdade de imprensa.
Entretanto, Amantino salienta que o que acontece hoje com a internet é ainda mais revolucionário, pela mobilidade da rede. “Uma pessoa com celular consegue  captar sinais da internet em qualquer lugar. Pode-se conectar ao mundo com um simples computador, e os ditadores estão com as barbas de molho”, diz.
Já o Doutor em Ciência Política e professor da graduação e do mestrado em história da UPF, Eduardo Munhoz Svartman pontua só com o passar do tempo será possível dizer se as manifestações populares que estão acontecendo tanto no Egito, quanto os protestos que derrubaram o governo da Tunísia (governada há 23 anos por um ditador) produzirão regimes democráticos. “A grande questão que se coloca para as potências ocidentais, especialmente os EUA, é que os regimes que estão ruindo eram importantes aliados regionais desde os tempos da Guerra Fria e que desempenharam papel importante contrabalançando a expansão do socialismo e, mais recentemente, do fundamentalismo na região”, explica.
Svartman afirma que embora a internet tenha criado um novo espaço, quanto a fazer política, no seu sentido amplo - ainda que nem tudo que exista esteja na rede e que nem tudo que está ali exista – o professor não acredita que ela mude por si as formas de se governar, e nem que tem mais força que um governo.

Crivo zero
Outro recurso da internet, que colabora com a difusão de conteúdo, é a possibilidade de emissão de informações por qualquer pessoa. Não é necessário ser jornalista, trabalhar em um veículo de comunicação para ser produtor e distribuidor de conteúdo. “Isso subverte a lógica da mídia de massa e revoluciona os movimentos políticos no mundo. Não foi somente a campanha do presidente dos Eua, Barack Obama, que demonstrou isto. Mais recentemente, a forma como os egípcios utilizaram a internet para se manifestar acerca do regime do ditador Hosni Mubarak”, conclui.
De acordo com Svartman, a rede possibilita ter acesso a informações e discursos diferentes daqueles emitidos pelos governos ou pela grande imprensa de um país. Isso faz com que as pessoas que saibam utilizar as ferramentas da internet tenham uma visão mais independente ou se articular com outras que pensam de forma semelhante, estando fisicamente longe ou perto. “Mas isso não garante nada. Insatisfação política e mobilização popular até podem ser propagadas virtualmente, mas elas são geradas no mundo real. Talvez a novidade seja que MSN, twitter, e-mail e mensagens de textos via celular tenham se mostrado muito ágeis para combinar e informar as manifestações, mas no caso em questão, não se deve esquecer da voz dos imãs nas mesquitas do Cairo”, complementa.

O que esperar?   

Amantino diz que a grande novidade agora é que, por vontade dos indivíduos de ter a dignidade pessoal reconhecida - inerente ao ser humano – e melhorar de condição de vida - que só acontece por meio de processo do crescimento econômico – haverá desenvolvimento da ciência e da tecnologia, já que são necessárias para esse desenvolvimento. “Imagina o Egito há 30 anos e agora. Imagina quantos jovens se formaram em engenharia, arquitetura, medicina, concluíram o ensino médio. Além disso, a globalização está desintegrando, tal como um detergente fortíssimo, as ditaduras. A internet está conectando o mundo inteiro e o mundo inteiro está percebendo que as democracias são os melhores regimes políticos”, considera. De acordo com o professor, vale observar que bandeiras norte-americanas não estão sendo queimadas nas manifestações, não existe um discurso religioso. Ou seja, o professor afirma que população egípcia almeja a democracia.

Sem fronteiras
Segundo Svartman, na verdade a internet não é exatamente sem fronteiras. Ele justifica que todo o seu fluxo passa pelos EUA e por acordos em torno dos protocolos de identificação dos computadores e dos “domínios” e sobre todo o seu fluxo há monitoramento e as possibilidades de controle e bloqueio. “Isso se dá em várias escalas, tanto nas empresas quanto em nível estatal e interestatal. O bloqueio da internet e dos celulares no Egito não é muito diferente do que foi feito com o Wikileaks após a recente divulgação de documentos diplomáticos. Os meios de comunicação tradicionais (jornais, revistas, rádios, TVs, agências de notícias, etc.), bem como partidos e governos também operam na internet, ali difundindo seus discursos”, indica. A consciência desses limites é fundamental para se avaliar o alcance político que essa nova esfera pública digital pode ter, conforme o doutor em Ciência Política.

Um pouco de história
As ondas democráticas – como definiu Amantino, são movidas pelo desejo da humanidade de ter sua dignidade reconhecida, independente de preferências e diferenças. Exatamente como ondas, influenciam a aspiração de países de viver em regime democrático. Ele comenta que nos anos 70 houve uma grande onda democrática que desconstruiu ditaduras que existiam na Espanha, Portugal e Grécia. Já na década seguinte, foi a vez das ditaduras da América Latina serem derrubadas. Sendo que hoje só existe um regime ditatorial aqui, em Cuba.
No final da década de 80, esta a onda democrática – segundo Amantino, ganhou força e acabou com os regimes comunistas no leste da Europa e na União Soviética. “Durante essas ondas democráticas, as ditaduras árabes não foram atingidas, as ditaduras resistiram porque a população nesses locais é tão excluída do processo econômico, cultural, educacional e eram muito crédulas do ponto de vista religioso que quando saíram às ruas, saiam para exigir uma ditadura religiosa, como aconteceu no Irã”, justifica. Até por este motivo, que países da Europa e os Estados Unidos apoiavam os regimes, por receio que o Egito caísse no domínio de grupos radicais islâmicos.

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