Gerson Urguin e Leonardo Andreoli/ON
O caso do adolescente usuário de crack preso três vezes em menos de 24h no último final de semana revela uma fragilidade do sistema de atendimento de dependentes químicos. A internação hospitalar não é suficiente para a recuperação. Deitado na cama de um pequeno quarto gradeado no Hospital Municipal, o jovem de 17 anos permanece abandonado – família, nem amigos ou representantes dos órgãos que buscaram sua internação apareceram para visitá-lo.
Por ser adolescente, e, portanto, ter direitos assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a polícia tem dificuldades para aplicar alguma punição. Neste caso em específico, por não usar a violência nos crimes que cometeu uma internação no Case para a aplicação de medidas sócio-educativas é ainda mais difícil.
O Hospital Municipal tem disponíveis seis leitos para o atendimento de crianças e adolescentes usuários de drogas. Com a responsabilidade de atender qualquer pessoa que chega à emergência, o hospital não se negou a recebê-lo. Ele chegou armado com uma faca à casa de saúde, mesmo após ter ficado sob cuidados policiais e do Ministério Público por várias horas. A falta de uma estrutura adequada e especializada para esses casos são agravantes da situação. A preocupação agora é com o que acontecerá a partir do momento em que ele deixar o hospital.
Medida protetiva
A internação foi a medida protetiva adotada pelo Conselho Tutelar em relação ao adolescente, neste momento. Quando o jovem tiver alta, o Conselho novamente entrará em cena para verificar se existe a possibilidade de os vínculos familiares serem reconstruídos – este é, inclusive, um dos desejos manifestados pelo jovem. Conforme o secretário de Cidadania e Assistência Social, Adriano da Silva, a partir da alta será dado todo o suporte assistencial, inclusive com inserção do jovem em programas sócio-educativos e acompanhamento feito pelo CAPS. O procedimento é padrão. A conselheira tutelar responsável pelo caso não foi localizada para explicar os procedimentos adotados até o momento.
O adolescente internado desde segunda-feira sequer tem roupas para trocar. Sonolento e deitado ao lado de alguns gibis antigos e de uma edição do Novo Testamento ele conta um pouco da vida. Sem saber a hora, o dia da semana ou como chegou ao hospital, ele fala em planos para o futuro. O momento pré-abstinência é marcado pela tranquilidade do usuário de crack e dura cerca de uma semana.
“Sonho em ser motoboy”
A resposta para a maioria das perguntas é de poucas palavras e muita esperança. Ele parou de estudar na terceira série e começou a usar drogas há dois anos. Há um, ele deixou a casa da família. Logo no começo da conversa ele revela que quer voltar a estudar e trabalhar quando receber alta. Ele acredita em Deus, sabe ler, escrever e pilotar motocicleta – passos iniciais para realizar o sonho de ser motoboy.
Os assaltos a residências – sem o uso de violência - e o dinheiro arrecadado como flanelinha serviam para sustentar o vício. A escolha das casas não tinha critérios: “se tinha gente ou não, eu entrava e roubava”. Nas ruas, conta que já foi agredido por funcionários de uma empresa de segurança.
O Nacional – Como você começou a usar drogas?
Adolescente – Nem lembro mais.
ON – Como foi ficar no Ministério Público antes de vir pra cá?
AD – Eu fiquei lá? Quando eu vi eu tava aqui.
ON – Já tinha tentado parar?
AD – Já. Não consegui.
ON – O que tu pensa pra tua vida?
AD – Ser motoboy.
ON – Como ficou o relacionamento com a família e com os amigos depois que começou a usar drogas?
AD- Ficou ruim. Minha família nem me quis em casa. Meus amigos só passavam por mim, me cumprimentavam e largavam.
ON – Quantas vezes a polícia te pegou?
AD – Várias vezes. Só domingo foi três vezes.
ON – Que lição tu leva de tudo isso?
AD – Nenhuma. Eu nem quero saber desse passado. Quero como se eu tivesse nascido de novo.
ON – Tu usava muito?
AD- Sim.
ON - Quanto?
AD – Não lembro.
Antes de deixar o quarto ocupado pelo adolescente, uma última recomendação: “pede pra mulher trazer meu Nescau”.