Gerson Urguin/ON e Leonardo Andreoli/ON
Diariamente são registrados casos de menores de idade envolvidos em crimes e detidos em flagrante por conta do consumo de crack. O círculo vicioso se alimenta da legislação ineficiente que não permite a internação dos adolescentes em casos de crimes não violentos e que não constituem uma grave ameaça. Mas apesar da constância com que estes delitos são registrados, em muitos casos eles acabam sem punição ao adolescente infrator.
O número de vagas para tratamento de dependentes e o aumento do número de usuários crescem em ritmos bem diferentes. Estimativas da Polícia Civil de Passo Fundo apontam para pelo menos três mil pessoas sejam usuárias da droga. As vagas em casas de reabilitação são bem menores e as filas de espera fazem muitas pessoas desistirem do tratamento.
Um exemplo de tudo isso é o caso do adolescente de 17 anos que ficou aguardando por internação no corredor da sede do Ministério Público. Ele foi detido três vezes em menos de 24 horas por invadir duas residências e uma construção. Em nenhum dos crimes ele agiu de forma violenta ou foi uma grave ameaça às outras pessoas, por isso foi solto, porém na terceira vez foi encaminhado ao Ministério Público para ser internado com urgência, devido ao péssimo estado em que se encontrava em função do vício. Isto permite que esta situação de ato infracional ocorra novamente, considerando o fato de o viciado em crack fazer qualquer coisa para obter a droga e a possibilidade do infrator deixar a delegacia e prontamente cometer outro delito é grande.
Entrave legal
Segundo o delegado Gilberto Mutti Dumke, titular da Delegacia de Pronto Atendimento (DPPA), a legislação não permite uma punição exemplar ao adolescente infrator. “Quando o jovem comete o ato infracional o procedimento, inicialmente, é o mesmo de um adulto. Porém, enquanto o adulto detido em flagrante vai direto para o presídio, e depois é feita uma análise judicial para definir se ele continua detido ou não, o adolescente, desde que não haja violência ou grave ameaça, é entregue à família”, explicou.
O registro é então encaminhado para a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, que analisa e constata se caberá alguma medida ao menor infrator.
A internação do adolescente infrator é um processo muito mais burocrático do que a prisão de um adulto, já que passa da Delegacia de Polícia para o Ministério Público, que encaminha o caso a um juiz.
Para o delegado, a legislação é o principal entrave nestes casos, impedindo uma medida mais dura para coibir o delito e principalmente a reincidência. “Esta também é uma das razões pelas quais os jovens vêm sendo usados pelo tráfico, por exemplo. Talvez fosse também o caso de rever a questão da maioridade penal, porque da forma que vemos a situação hoje, não temos ferramentas jurídicas para solucionar o problema”, disse. E acrescentou. “A culpa não é das instituições, como a Polícia, ou o Ministério Público, a solução passa pela mudança da legislação”. Quando o ato infracional cometido pelo jovem é mais grave, a internação no Case (Centro de Atendimento Socioeducativo) é determinada pelo Ministério Público.
Conselho Tutelar pode encaminhar para tratamento
O Conselho Tutelar também atua em casos em que a delinqüência e o consumo de crack andam juntos, através de medidas protetivas que encaminham o adolescente para a internação buscando o tratamento.
Diariamente o Conselho Tutelar registra casos desta natureza, e, segundo a coordenadora da Microrregião 2, Elenir Chapuis, em algumas situações, quando não existem familiares do menor infrator, ele é encaminhado para casas de acolhimento, onde aguardará pelo tratamento que recebem pessoas vítimas de abuso, de violência, abandono, o que torna a situação ainda pior. “As casas de acolhimento não são os locais ideais para acomodar estes jovens, porém é uma das soluções encontradas. O que estes jovens precisam é de atendimento e tratamento”, disse.
Omissão
A promotora substituta da Promotoria da Criança e do Adolescente, Cleonice Rodrigues Aires, acredita que há omissão do município em casos como o do jovem que aguardou por internação na sede do MP. “Apesar da omissão, creio que a partir de agora o município deverá fazer alguma coisa em relação a esses casos. É inadmissível que os leitos destinados ao tratamento destes adolescentes estejam vazios”, afirmou.
Na fila, mais de 20 esperam internação
A fila de espera por vagas em casas de reabilitação tem hoje entre 20 e 25 usuários. O secretário de Cidadania e Assistência Social de Passo Fundo, Adriano da Silva, explica que a demanda varia de acordo com o período do ano. No inverno, por exemplo, o número de pessoas que procuram vagas duplica.
Muitas vezes a pessoa que procura o tratamento desiste quando precisa esperar alguns dias pela internação. As vezes é necessário esperar sete dias para conseguir uma vaga. “Teve um caso que arrumamos uma vaga para uma família e ela não quis porque não era em Passo Fundo, as vezes as famílias querem que fique na porta casa”, revela. Cerca de 90% dos usuários que buscam ajuda são dependentes do crack. As internações passam pelo CAPS-AD e têm o consentimento da família e do usuário.
Há vagas
Os casos de envolvimento com crack são maioria em todas as casas terapêuticas contatadas. Na Casa Vita, por exemplo, 80% dos internos são usuários da droga. Ontem a casa tinha à disposição cinco vagas. Conforme o presidente, Iberê D´Ávila, nos últimos 45 dias a entidade passou por uma reformulação para atender as exigências do Ministério da Saúde. “A casa está dentro dos padrões para atender todos os tipos de dependentes químicos”, reforça. O local tem capacidade para atender até 30 pessoas. Para ser internado, o usuário precisa estar disposto a abandonar o vício. “Hoje na Casa Vita, de dez pessoas, nove assumem o tratamento e chegam ao final”, garante D´Ávila. Uma entrevista prévia com uma psicóloga para avaliação do paciente está entre as exigências para a internação.
A Maanaim é uma das casas mais conhecidas da cidade. A porcentagem de usuários de crack entre os internos também é de 80%. Conforme o diretor, Darvile Mossini, as pessoas procuram a casa pela vontade de abandonar o vício. Das 50 vagas disponíveis, na tarde de ontem cerca de 10 estavam liberadas. “Nessa época não permanece cheia, a partir de março a procura é muito maior, depois do carnaval começa lotar a casa”, observa.
Não há vagas
O Hospital Psiquiátrico Bezerra de Menezes, entidade mantida pelo Hospital da Cidade, possui 82 leitos para atendimento psiquiátrico. De acordo com as informações prestadas pela assessoria de comunicação da entidade, deste total, 50 são destinados a atendimentos pelo SUS. Dos leitos disponíveis aos SUS, 12 são para dependentes químicos. A taxa de ocupação da casa de saúde é sempre máxima e a fila de espera é organizada pela Coordenadoria Regional de Saúde. Na casa os pacientes são atendidos por uma equipe multidisciplinar e têm terapia ocupacional.
O Hospital Municipal possui seis leitos disponíveis para o atendimento de crianças e adolescentes usuários de drogas. O diretor do hospital, Leandro Bussolotto, explica que o pronto atendimento pode ser procurado pelos dependentes químicos em momentos de urgência. Para ser internado é necessário um encaminhamento assinado pelo médico psiquiatra do CAPS-AD. “No ano passado foi investido mais de R$ 300 mil em construção e manutenção da ala”, reforça. A internação inclui desintoxicação, acompanhamento médico e psicológico, terapeuta ocupacional, oficinas de música e artes. Os atendimentos de crianças e adolescentes devem ser retomados em março. Neste mês o médico responsável pelo acompanhamento dos casos está de férias. Os atendimentos adultos ocorrem normalmente.
O Hospital São Vicente de Paulo informou por meio de sua assessoria de imprensa que é credenciado pelo SUS para disponibilizar quatro leitos para atendimento psiquiátrico. No entanto preferiu não se manifestar sobre a ocupação desses leitos, nem sobre os acompanhamentos dados quando dependentes químicos procuram a instituição.
Vício X Tratamento: demandas conflitantes
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