Texto e fotos: Natália Fávero/ON
A perturbação do sossego público de longe não é mais novidade. ON já publicou inúmeras vezes reportagens retratando este que se tornou um problema social sériol. Som alto, gritos, sujeira, bebedeira e vandalismo são frequentes na área central, principalmente em volta de algumas lojas de conveniência de postos de combustíveis e boates da cidade. A concentração de pessoas costuma migrar de um ponto para outro. Antes, a maior incidência de reclamações era na rua Moron, hoje é na General Neto. O movimento que antes estava próximo a uma boate na São Cristóvão, hoje foi transferido para outro estabelecimento na Vera Cruz. Os moradores próximos a esses pontos não sabem mais a quem recorrer. Quando não conseguem a presença da polícia agem por conta própria e acabam sofrendo ameaças e até atos de vandalismo. A reportagem também vai mostrar o exemplo da cidade de Curitiba, no Paraná, que conseguiu minimizar a algazarra que acontecia nas dependências dos postos de combustíveis.
Uma pedrada na vidraça
Um professor que mora há oito anos em um prédio na Avenida General Neto teve uma surpresa desagradável há alguns meses. Depois de pedir para um grupo de jovens baixar o volume do som do carro, um paralelepípedo foi jogado contra a janela do quarto do casal durante a madrugada. Por pouco a pedra não atingiu a filha dele de cinco anos que dormia no mesmo dormitório. “Um rapaz parou o carro aqui em baixo e jogou. Ninguém se machucou porque a cortina segurou os cacos de vidro. A polícia chegou depois. Eu fiz uma ocorrência, forneci a placa do veículo e até hoje nada foi feito”, disse o morador. Próximo ao prédio está localizado um posto de combustível e as pessoas costumam estacionar os veículos nos canteiros da rua. Na opinião do professor, a falta de limite e de educação são as causas do problema.
A vítima do barulho disse que os atos de perturbação do sossego são cometidos pela minoria. Ele acredita que proibir o estacionamento como foi feito na rua Moron e na Capitão Eleutério não resolvem o problema só transfere para outro lugar. “Parece que essa juventude imita as aves migratórias. Hoje eles estão aqui, amanhã estarão em outro lugar. Está na hora da Brigada Militar e do Poder Público serem mais rígidos e exercerem o seu poder de punição e fiscalização”,
sugeriu o professor.
Missa interrompida
Uma das mais tradicionais Igrejas da cidade também é vítima do barulho. A Paróquia São Vicente de Paulo não está conseguindo realizar com tranquilidade as missas no domingo à noite. A Brigada Militar já foi acionada várias vezes para conter o som alto dos veículos que ficam estacionados no posto ao lado. Segundo o padre Aldino Barth que ficou 20 anos atuando na Paróquia e foi transferido há uma semana para Vila Maria, o barulho se agravou nos últimos dez anos. “O barulho inferniza as missas. O posto do lado tem uma loja de inconveniência. Esses estabelecimentos têm que depender da venda de combustíveis e não da cerveja. O barulho é muito grande. Quando chovia eu ficava contente porque daí não vinha ninguém”, relatou o padre. Barth enfatizou que o Boqueirão iniciou a partir da Igreja e merece respeito. O padre fez várias intervenções na missa devido ao barulho.
Ninguém dorme
No bairro Vera Cruz, a situação se repete. Um funcionário público, de 44 anos que mora próximo a uma boate do bairro disse que após às 21 horas de domingo ninguém mais dorme nas imediações. “Viramos reféns do barulho. Eu só consigo dormir depois das 2h da madrugada e acordo às 5h30 para trabalhar. As pessoas abrem o capô dos carros, colocam o som a todo volume e ficam bebendo”, relatou o morador.
Na casa, mora um senhor de 83 anos que está com câncer. “O meu pai está enfermo. Não sou contra a diversão eu também já fui jovem. Mas tem que haver respeito e fiscalização por parte do poder público”, declarou. A algazarra é tanta que alguns chegam a pular dentro do pátio das casas. Além disso, no dia seguinte os moradores precisam limpar a sujeira deixada no local.
O morador contou que o estacionamento foi proibido na rua da boate, mas eles migraram para as vias próximas. O vereador Patric Cavalcanti (DEM), em conjunto com a Associação de Moradores promoveu na Câmara de Vereadores, na última sexta-feira, uma reunião para discutir a perturbação do sossego e segurança pública no local. Participou a Brigada Militar, Secretaria de Segurança, Secretaria de Mobilidade Urbana, Secretaria de Meio Ambiente, Guarda Municipal de Trânsito, Ministério Público e comunidade em geral. Para o vereador Cavalcanti, “é inaceitável ter que proibir estacionamento, uma vez que existe legislação proibindo a perturbação do sossego público. Ainda mais que o problema é localizado, em alguns pontos da cidade, mas falta planejamento para ação”.
Moron: ainda há reclamações
Uma moradora que reside próximo a um posto de combustível disse que depois da proibição do estacionamento das 22h às 06h, a situação está bem melhor. Mas, o movimento continua intenso. “As pessoas deixam o carro em outra rua e vem a pé. Eles ficam bebendo, gritando e fazendo sujeira na calçada. Tem uns que levam o violão e ficam tocando a noite toda”, disse a moradora. Ela também trabalha em uma loja na mesma rua e disse que as pessoas não recolhem as garrafas e outros lixos deixados durante o final de semana. Além disso, a calçada virou uma espécie de banheiro, porque alguns fazem as necessidades fisiológicas na frente do estabelecimento.
O morador e síndico de um dos prédios da Moron, Eli Felipe dos Santos foi um dos que lutaram durante três anos em busca de uma solução para o barulho. Segundo ele, o problema diminuiu em 80% com a proibição do estacionamento e elogiou a fiscalização da Guarda Municipal e da Brigada Militar. Mas tem alguns pontos da rua, como em frente ao posto, que incomodam muitos moradores. “Hoje os estudantes estão em férias, mas quando eles voltarem o problema deve se agravar. Os grandes responsáveis são os proprietários desses estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas”, disse o síndico.
Companhia Ambiental intensifica operações
A Companhia Ambiental da Brigada Militar atende ocorrências de poluição sonora, de perturbação do sossego alheio, de fauna e flora. O maior número de atendimentos ocorre nas duas primeiras situações. São realizadas entre oito e 10 ocorrências mensais. O comandante da 1ª Companhia Ambiental do 3º Batalhão Ambiental da Brigada Militar, Paulo César de Carvalho disse que as lojas de conveniência dos postos de combustíveis viraram “points” na cidade e as pessoas ficam migrando de um estabelecimento para outro.
Ele ressaltou que as operações estão sendo intensificadas através da ação conjunta com o 3º RPMon, CRPO, BOE e Guarda Municipal de Trânsito. “Essas operações não resolveram o problema, mas amenizaram bastante. Em novembro tivemos um ajustamento de conduta com 67 pessoas no Ministério Público que foram flagradas em quatro meses de operações”, disse Carvalho.
O comandante explicou que as lojas de conveniência não deveriam servir como ponto de venda de bebidas alcoólicas. Ele disse que isso acaba favorecendo a junção de pessoas contribuindo para as badernas. Em Passo Fundo, as medições já chegaram a 85 e 90 decibéis correspondendo ao volume de um trio elétrico. Essas infrações são cometidas por diferentes públicos, independente da classe social. “Imagina um trio elétrico às 3 horas da madrugada em frente a sua casa. Esses infratores têm que entender que algumas pessoas precisam trabalhar na manhã seguinte, há crianças pequenas ou idosos enfermos que precisam descansar”, ressaltou Carvalho.
Estrutura não atende a demanda
A Patrulha Ambiental possui quatro viaturas e apenas dez policiais. Carvalho explicou que quando a ocorrência envolve perturbação do sossego alheio e as pessoas ligam para o número de telefone 190 da Brigada Militar, muitas vezes todas as viaturas estão atendendo outro tipo de demanda como furtos e roubos que têm prioridade por serem ocorrências contra a vida. Há uma previsão de uma nova patrulha ambiental com sete policiais.
Em relação à poluição sonora, o comandante disse que eles conseguem fazer um planejamento e uma equipe discreta vai até o local medir os decibéis. Caso confirmar a poluição, é feito uma ocorrência ambiental, o caso é encaminhado para a Justiça Especializada Criminal, Ministério Público e Secretaria do Meio Ambiente.
Diferença entre poluição sonora e perturbação do sossego alheio
Poluição sonora: A poluição sonora ocorre quando num determinado ambiente o som altera a condição normal de audição. Carvalho citou como exemplo o caso de estabelecimentos que estão com equipamentos de som acima dos decibéis permitidos pela legislação. Perturbação do sossego alheio: consiste numa contravenção penal. Situações como algazarras, gritaria, som de veículos, entre outras.
Na edição de segunda-feira, ON vai mostrar como Curitiba minimizou os problemas de barulho nas lojas de conveniência.
Reféns do barulho
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