A esmola que financia o crack

Secretaria não consegue retirar menores das ruas por causa da esmola dada pela população. Nas sinaleiras de maior fluxo, alguns chegam a arrecadar R$ 100 por hora

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Daniella Faria/ON

O dinheiro dado como esmola para menores pedintes em alguns pontos da cidade, especialmente na Ângelo Preto com Avenida Brasil, vai parar nas bocas de fumo, onde estes menores ou os seus pais compram o crack. O vício e a colaboração da população dificultam o trabalho da Assistência Social que não consegue abrigar estes menores, segundo o secretário Adriano José da Silva. O núcleo responsável da Secretaria de Cidadania e Assistência Social já fez entre janeiro e fevereiro 45 abordagens. O número de menores nas ruas tem caído consideravelmente ao longo dos anos, passando de 450 crianças e adolescentes em situação de rua, em 2007, para 202 casos em 2008 e 146 em 2009. Em 2010 há pouco menos de cem menores.

Nas conversas que o núcleo de abordagem faz com os adolescentes, eles revelam que em épocas de pico, quando a cidade restabelece o fluxo normal, como volta às aulas, nas sinaleiras de grande fluxo chegam a tirar cerca de R$ 100 por hora. “Com isso, o poder público não tem condições de tirar essas pessoas na rua baseado no dinheiro. Teríamos que pagar um valor absurdo”, avalia. O programa oferecido pela Semcas paga meio salário mínimo, cerca de R$ 260, para quatro horas de serviço por dia, cinco dias por semana.

A sensação de aumento de pessoas pedintes é explicada por causa do rodízio feito por elas na cidade. No entanto são apenas 20 pessoas que rejeitam o acolhimento. Em alguns períodos do ano esse número reduz, porque eles aceitam o internamento, mas logo em seguida retornam para a rua. “Eles fazem um rodízio de pontos. As pessoas nos chamam em um lugar, nós fazemos a abordagem. Algumas semanas depois somos chamados em outro ponto, e são as mesmas pessoas que estão lá”, explica.

O secretário também comemora algumas conquistas. No ano passado três famílias dominavam a mendicância na Avenida Brasil. Duas delas aceitaram ser acolhidas. Em uma está sendo feito um trabalho para tentar com que as crianças retornem para a família de origem. “O resultado é demorado, dura no mínimo um ano para se conseguir fazer esse retorno”, diz.
O importante é que a população saiba que dando esmola não estarão contribuindo para melhorar a vida dos adolescentes, e sim, para o sustento de um vício. Em alguns casos, os pais usam os filhos para conseguir dinheiro para benefício próprio. Eles se escondem em esquinas e observam as crianças. Em seguida, tomam o que ganharam para comprar drogas e bebidas.

Portelinhas

A família de sete irmãos é conhecida pelo problema da mendicância. As crianças e adolescentes tem entre 9 e 17 anos. Costumam ficar, principalmente, nas sinaleiras próximas a Rodoviária. O Município, ao longo dos anos já tentou retirar esses menores do local. Eles já foram internados pelo menos quatro vezes em casas de acolhimento. “Foram contratadas duas casas de acolhimento em dois municípios fora da região para que pudessem ter um novo modo de vida. Infelizmente o resultado foi nulo e eles acabaram retornando para Passo Fundo”, relata o secretário.

A última abordagem realizada, onde se conseguiu entrevistar um dos menores, de 16 anos, aconteceu no início de dezembro do ano passado. O menor relatou que era usuário de crack e se mostrou interessado em fazer um tratamento. Uma articulação foi feita no Caps AD para que ele recebesse acompanhamento, entretanto, de nada adiantou. “Ele se manifestou dizendo que queria mudar de vida. Chegamos a colocá-lo até o programa Aprendiz. Mas isso não durou dez dias”, ressalta.
A família tem ainda uma menina de 15 anos, que já é mãe de dois filhos, de pais diferentes. “Os pais são índios que moram atrás da Rodoviária”, informa.

A solução encontrada para tentar estruturar novamente essa família terá que ser realizada através de uma articulação pública, em conjunto com o Ministério Público. Somente uma internação compulsória em uma clínica de desintoxicação deve surtir algum efeito.

Funai
Outro problema de mendicância no município é o dos índios estabelecidos atrás da Estação Rodoviária. Em dezembro, a Semcas acionou a Funai para fazer um trabalho em conjunto em relação aquela comunidade. O objetivo é diminuir o contingente de índios naquele local, que só tem aumentado. Entretanto uma dificuldade tem sido enfrentada. Famílias vão até o local no final da tarde levar alimentos para eles. “Temos que ajudar, mas assim eles jamais vão sair dali do jeito que estão sendo bem tratados pela população”, ressalta. O secretário faz um pedido para que se evite dar alimentos e contribuição para aquelas pessoas. Porque se continuar como está, nem o município e nem a Funai vão conseguir retirá-los daquele local. “Eles estão criando a cultura de ganhar tudo da população”.

Menor Aprendiz
A Semcas disponibiliza alguns programas assistenciais para retirar e integrar novamente as crianças e adolescentes na sociedade. O programa Menor Aprendiz é aplicado em adolescentes de 14 a 16 anos. São oferecidos cursos na Assistência Social Diocesana Leão XIII ou na Universidade Popular. São oferecidas 200 vagas. O adolescente ganha uma bolsa de R$ 50 e mais os vales transportes.

Já os jovens de 16 a 18 anos podem participar do programa Aprendiz Cidadão, onde trabalham quatro horas por dia, cinco dias por semana, e ganham meio salário e vales transportes. “Eles podem trabalhar nas secretarias municipais ou órgãos do governo Estadual ou Federal”, explica Silva. São oferecidas 100 vagas.

Além disso, os Centros de Referências em Assistência Social (Cras), também oferecem cursos. São 75 vagas em cada Cras do município. Hoje existem quatro: no bairro São José, Vera Cruz, Planaltina e Schisler. As procuras maiores são pelos cursos de marcenaria, torneiro mecânico e soldador.

Nesta segunda-feira iniciam também novos cursos para jovens de 18 a 24 anos. Esses serão realizados em parceria firmada entre Prefeitura, Sinduscon, Senai e Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil. Serão 25 vagas para os cursos de pedreiro, assentador de piso, marceneiro, carpinteiro e encanador hidráulico. “Cursos tem muitos. A dificuldade é fazer com que as pessoas permaneçam neles. Às vezes, vão duas vezes e desistem, porque sabem que ganham mais pedindo esmola”, conclui.

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