Cresce o número de idosos entregues ao município

Informações de como encaminhar idosos para acolhimentos são procuradas diariamente na Secretaria responsável

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Daniella Faria/ON

A demanda de acolhimento de idosos pelo município tem aumentado com o passar dos anos. Já são aproximadamente 100 distribuídos nas instituições de permanência. Número significativo, segundo o secretário de Assistência Social, Adriano José da Silva. “Vejo essa situação como se as pessoas valessem, às vezes, menos que um animal. Comparo com a mobilização intensa da sociedade revoltada com o caso da mulher que foi acusada de atirar um gato pela janela no sentido de punir e preservar a vida dos animais. Hoje observamos a venda de uma criança, a entrega de um idoso e não há uma mobilização daquele nível. Existe indignação de e-mail, torpedo, telefone. Mas nada daquele tamanho”, frisa.

Quando a Secretaria foi criada, em 1992, era focada para o atendimento da criança. Hoje a Assistência Social tem olhado 60% para a criança e o adolescente e 40% para o idoso. Com o passar dos anos, segundo estimativas da Fundação de Economia e Estatística, em 2030 um terço da população gaúcha será idosa. “Então vamos ter que dividir a atenção pela metade ou nos voltar ainda mais para o idoso. Esse é o público que daqui a 20 anos vamos ter queatender com ação mais efetivas”, analisa.
A explicação para o abandono é que a família não tem condição de cuidar do pai ou avô. Para amenizar, a Secretaria busca dar condições para que a família permaneça com a pessoa em casa, muitas vezes dando auxílio e até alimento. “Contudo, depois de dois meses o filho cansa e não quer mais cuidar do pai. É um descaso com a vida”, fala. De mil pessoas que comparecem na Semcas por dia, cerca de duas são para saber informações de como encaminhar o idoso. Para isso, o município tem comprado vagas nas instituições de permanência. Quando é portador de deficiência ou doença degenerativa é buscado vagas em instituições de longa permanência terapêutica. “A desestruturação familiar atual é significativa”, conclui.

Casos
Tereza Silva, de 77 anos, pediu a ajuda do município para internar o sobrinho de 53 anos. Dona Terezinha, como é conhecida, é moradora do bairro Dona Júlia e tentou cuidar do sobrinho até não conseguir mais. Internado em uma casa de repouso há mais de um ano, o idoso sofre de esquizofrenia. Para tentar contar os ataques, Terezinha trancou o homem em um quartinho do lado de fora da casa. O quarto apertado, feito de cinco tábuas de comprimento por duas de largura, tinha uma cama e uma janela, por onde era passada a comida.

Ela conta que o sobrinho foi internado por duas vezes num hospital psiquiátrico por um período de dois meses, mas não adiantou. “Ele era agressivo, se arranhava, pulava a cerca, se jogava na frente dos carros. Chegava a me bater. Na época eu também estava doente”, diz. Através de denúncias, a Semcas foi até o lugar e analisou as condições da família e resolveu encaminhar o acolhimento do homem. Segundo informações, daqui a algum tempo Dona Terezinha também deve ser acolhida, uma vez que não tem ninguém que cuide dela.

Roberto Carlos Nascimento é outro caso de acolhimento. Ele foi encontrado pela ronda social nas ruas do bairro Vera Cruz. Com 63 anos, hoje está abrigado no Albergue Municipal até que os trâmites legais sejam concluídos para que ele possa ir para uma casa de longa permanência.
Carlinhos, como é conhecido, dormia ao relento enrolado em uma lona de caminhão. A comida era dada pela população, e quando não achava, pegava do lixo. Debilitado e com informações confusas quando fala de sua vida, o idoso diz que tem mãe e tia, mas até agora a Semcas não conseguiu localizá-los.

Conselho Municipal do Idoso
O município possui 18 casas de longa permanência registradas. O número de vagas varia de 14 a 70 pessoas, dependendo da instituição. A informação é da presidente do Conselho do Idoso, Beatriz Junges. “Sabemos que existem mais algumas que não estão de acordo com a lei”, destaca. Há dez anos o município tem um Conselho Municipal para tratar do assunto (Comui). O órgão possui atribuições de caráter propositivo e consultivo, objetivando acompanhar, supervisionar, formular, propor e promover políticas e ações governamentais e não governamentais destinadas a proporcionar a qualidade de vida e bem estar aos cidadãos de faixa etária pertinentes. Ao todo 12 conselheiros, metade determinados pelo poder Executivo, e o restante são voluntários ou indicados por entidades.

Jungues confirma que o número de internações, principalmente encaminhadas pela Semcas pelo fator de vulnerabilidade social, vem aumentando com o passar dos anos. Em algumas casas, especialmente as que requerem um poder aquisitivo mais alto, há mais pessoas de outros municípios do que de Passo Fundo. Beatriz fala que a tendência é que o número de idosos aumente. Entretanto, no entendimento do Conselho, o modo de tratamento com os mais velhos deveria voltar ao que era antigamente. Ou seja, a responsabilidade do conforto é da família. “Temos a exceção de alguns casos, de quando é doença, por exemplo. Mas a maioria das denúncias que recebemos é de famílias que simplesmente não querem cuidar dos idosos”, ressalta.

Ministério Público
O Ministério Público também trabalha com os idosos. O órgão apura denúncias sobre de como é dado o tratamento as pessoas e também fiscaliza a qualidade do atendimento ofertado pelas casas de longa permanência. Atualmente há 15 processos administrativos de denúncias particulares sendo apurados pela 1ª Promotoria de Justiça Especializada.
De acordo com o Promotor Paulo Cirne o número de denúncias tem diminuído com o passar dos anos. “Geralmente as acusações são de abandono familiar, uso indevido da pensão ou aposentadoria, e maus tratos”, ressalta. Depois das denúncias feitas, a apuração fica por conta da Prefeitura, através da Semcas.

O outro procedimento é de fiscalização aos estabelecimentos que cuidam dos idosos. O Promotor revela que atualmente há oito inquéritos civis na promotoria, sendo alguns com processos judiciais. “Considerando as exigências que a legislação faz para o funcionamento dessas casas, os problemas existem em praticamente todas, uma vez que a legislação é minuciosa e rigorosa”. São averiguados a estrutura do local, os recursos humanos e a qualidade de atendimento.  

Cirne destaca que o objetivo do MP, inclusive já relatado para os administradores e proprietários dos abrigos, não é interditar os locais e, sim, exigir uma adequação gradativa. “Mas caso não haja uma evolução, a possibilidade de interdição dada ausência de melhorias no local não está descartada”, destaca.

As denúncias de vulnerabilidade, como as citadas, podem ser feitas diretamente ao MP, pelo telefone 3313 5330, ou na Semcas pelo 3312 3070.

Alternativa

A presidente do Comui destaca que há alternativas para diminuir o número de acolhimentos e também para que os idosos se sintam menos descriminalizados. Uma delas seria a criação da Creche para Idosos. Esse método já é utilizado em cidades como Caxias do Sul. “A família deixa o idoso no local, vai trabalhar, e no final do dia volta para buscá-lo”, destaca.
Uma das justificativas de abandono é a falta de tempo para cuidar e dar atenção a pessoa. As pessoas saem para trabalhar e não tem como deixar o idoso sozinho. Até mesmo porque, para cuidar de um idoso, é necessário ter uma bagagem devido a várias debilidades que podem surgir ao longo do tempo. “O que se pretende com a creche é fazer com que esse idoso possa fazer seu tratamento no local, que ele se ressocialize, participe de grupos. No final do dia ele volta a ter o carinho da família. Isso é bom até para as crianças que existem na família. Faz com que haja a interação de gerações”, conclui.

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