Água bruta será cobrada

Passo Fundo e outros 290 municípios do Estado serão os pioneiros na cobrança pelo uso da água bruta. Assunto gera discussões e dúvidas entre os setores usuários que deverão pagar pela água retirada dos rios

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Natália Fávero/ON
 
A implantação da cobrança da água bruta deverá acontecer ainda neste ano, por meados de junho. O pagamento deverá ser feito pelos gaúchos que moram na Região Hidrográfica do Guaíba, que compreende nove comitês de bacias (Guaíba, Gravataí, Sinos, Taquari-Antas, Baixo Jacuí, Alto Jacuí, Caí, Pardo e Vacacaí e Vacacaí Mirim). Passo Fundo faz parte da Bacia Hidrográfica do Alto Jacuí. Esta cobrança será estendida a todos os usuários dos setores de abastecimento, saneamento, indústria, mineração, agricultura, pecuária, turismo e lazer e navegação. O grande desafio agora é definir quanto cada setor irá pagar e onde o dinheiro será investido. Quem decidirá isso serão os próprios setores usuários, a partir de Audiências Públicas que começarão a ser realizadas nos próximos meses baseados nos estudos de um grupo técnico que está compondo um modelo de cobrança desde 2008. O assunto está gerando resistência em alguns setores, principalmente naquele que mais consome água no país: a agricultura.

A cobrança é um instrumento de gestão implantado pela Lei Federal nº 9433/1997 que instituiu o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e também está prevista na Constituição de 1988, que tornou a água um bem público e de propriedade da União e dos Estados. No Rio Grande do Sul, ela faz parte da Lei nº 10.350/1994 que estabelece que este bem é dotado de valor econômico e assim é passível de ser cobrado.

O professor da UPF e presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Alto Jacuí (Coaju), Claud Goellner explicou que um dos objetivos da cobrança é mudar a atitude do usuário. “Na medida em que o usuário tiver que pagar pela água que é escassa e finita, ele poderá refletir e passar a racionalizar a utilização tornando o uso mais eficiente”, explicou Goellner.

Outra finalidade da cobrança é buscar recursos financeiros para que os comitês possam intervir nas suas bacias no sentido de implantar ações que venham recuperar a quantidade e a qualidade das águas no país garantindo o uso sustentável e o acesso de todos.

O presidente do Alto Jacuí enfatizou que a cobrança não terá um custo elevado e que ela não tem relação com a taxa paga pelo serviço prestado pela Corsan. Segundo ele, os valores pagos hoje são para a Corsan buscar a água do rio, tratar e levar até as casas. A cobrança que será implantada será pela captação da água no rio.

Início da implantação
Até maio deverá ser definido o modelo. O planejamento prevê a cobrança a partir de junho, através de Audiências Públicas que estão previstas com todos os setores usuários. Já há um valor previamente definido, mas é preciso da aprovação da sociedade. “São os próprios usuários que definirão os valores, a forma de pagamento e quando a cobrança deverá iniciar de forma efetiva e em quais proporções”, disse o presidente do Coaju.
 
Proposta da ANA
A Agência Nacional de Águas (ANA) apresentou uma proposta para a Região do Guaíba em 2009. Através de estudos técnicos seria cobrado R$ 0,01 por metro cúbico de água captada, R$ 0,07 por quilo de carga orgânica e resíduos sólidos lançados no rio e R$ 0,02 por metro cúbico de água consumida.
 
Cadastro de usuários
Atualmente, está sendo feito o cadastro de usuários para conhecer adequadamente a demanda da água nas bacias hidrográficas e o universo dos usuários para ajudar na manutenção da disponibilidade hídrica aos atuais e futuros usuários: Quem usa, para que usa, de onde capta, como capta, quanto capta e quem lança?
Goellner disse que para cada setor usuário existe um valor diferenciado. “O valor para o irrigante em soja é um e para o de arroz é outro. Os valores também diferem para o setor pecuarista, suinocultor e abastecimento público”, salientou.
 
Gestão

A gestão será feita pela Agência da Região Hidrográfica do Guaíba que está sendo gerenciada pela Fundação de Planejamento Metropolitano (Metroplan), através de um convênio firmado com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema). Os recursos serão aplicados nas ações previstas no Plano de Bacia que definirá o “rio que temos e o rio que queremos futuramente”. “Esses valores retornam 100% nas bacias a fundo perdido, para ações de saneamento, conservação do solo e recuperação de bacias. Não há como desviar esse dinheiro para outros fins”, explicou Goellner.
 
Cobrança já acontece em outros Estados
Conforme a ANA, a cobrança já acontece em três bacias de rios nacionais (Paraíba do Sul, Piracicaba/Capivari/Jundiaí e São Francisco) e são arrecadados R$ 47 milhões por ano. O presidente do Alto Jacuí, explicou que o primeiro Estado a implantar foi o Ceará. O Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná também já realizam a cobrança. “Baseado na experiência dos outros Estados onde já está sendo cobrado há cinco anos, o índice de inadimplência é inferior a 0,3%. Os próprios usuários fizeram reunião para aumentar o valor, porque estão tendo grandes benefícios”, disse Goellner.
 
Desafios
Os principais desafios da Bacia do Alto Jacuí é o investimento no saneamento. A falta do tratamento de esgoto é a principal responsável pela poluição da água. O segundo maior problema é a poluição por dejetos animais, como suinocultura, gado de leite e outras atividades da área.
 
Setor da Agricultura está resistente à cobrança
O presidente do Sindicato Rural de Passo Fundo, João da Silveira disse que a cobrança seria improcedente, porque a água é um bem de todos. Ele enfatizou que a implantação vai alterar o custo de produção e o valor dos alimentos. “As bacias já estão protegidas por lei bastam vigorar a legislação vigente. Não é preciso gestor de água”, disse Silveira.
Silveira acredita que os recursos serão consumidos na própria estrutura de gestão que será montada para fazer a cobrança. “Rejeitamos essa possibilidade em defesa da nossa produção e do consumidor, porque só vai aumentar o valor dos produtos. Temos que ter licença do uso da água e não cobrança”, disse o presidente do Sindicato Rural.
Segundo ele, a região agrícola ainda não tem muitas regiões irrigadas e a agricultura quando usa a irrigação faz o uso eficiente. “Felizmente aqui no Planalto o índice pluviométrico é muito bem distribuído. Ainda conseguimos produzir bem sem a irrigação”, salientou.

Confira a opinião de algumas entidades ligadas ao Meio Ambiente:
 
Secretaria do Meio Ambiente – secretário Clóvis Alves
“Os comitês estão elaborando os planos de bacias, através da participação da sociedade civil organizada e segmentos usuários. Esse modelo vem da Europa que já cobra pela água há mais de 50 anos. Já temos comitês em outros estados como em são Paulo que fazem essa cobrança. Eu acho que ela é indispensável. Os agricultores estão equivocados. Eles deveriam participar mais dos comitês de bacias para perder o medo. Na verdade não queremos uma cobrança de um valor absurdo que as pessoas não possam pagar. Centavos cobrados, no montante será um grande valor que será investido na preservação dos recursos hídricos. Estamos agora com esse problema no Rio Passo Fundo. E se não tivermos água para tomar e os agricultores para produzir? Os recursos serão utilizados para prevenir, por exemplo, o que está acontecendo no Rio hoje. Tenho certeza que se dialogarmos mais com os agricultores, muitos deles concordam com a cobrança. Eles serão os maiores beneficiados, porque o agricultor depende da matéria prima do recurso natural para a sua produção”.
 
Câmara de Vereadores – vereador Rui Lorenzato
“Os agricultores na sua maioria não aceitam a cobrança. Toda a taxação não é bem-vinda, mas sabemos da necessidade de discutirmos como usar a água que é um bem finito. Tem que ter critérios na cobrança na produção de alimentos, por exemplo, porque os agricultores estão usando a água para um bem maior que é a produção de alimentos. Ela vem para pensar numa proteção maior para garantir a continuidade da existência da água e do seu entorno. Talvez seja um mal necessário”.
 
Grupo Ecológico Guardiões da Vida - membro Glauco Roberto Marins Polita
“A cobrança vem ajudar a valorizar esse patrimônio fundamental para a vida que é a água. Acabamos negligenciando muito esse recurso natural, desperdiçando e não controlando o consumo. Hoje pagamos pelo tratamento e pela disponibilização e não pela exploração da água bruta. Uma agência regional fará o controle desse processo e parte dos recursos será disponibilizada para conservação da água. O produtor rural que tiver uma nascente receberá uma parcela para proteger essa área que é de fundamental importância para a sociedade. Todos se beneficiarão”.
 
Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas – presidente Lucinda Pinheiro
“Há muito tempo os agricultores precisam manter as áreas de preservação ambiental sem receber nenhuma ajuda por isso do poder público. As novas legislações trazem o pagamento da água bruta para que essas áreas sejam cuidadas e é uma possibilidade deles terem um retorno financeiro. Eles cuidam no campo para termos na cidade. Como a humanidade não soube cuidar desse recurso vamos ter que pagar por isso e isso fará com que tenhamos uma maior responsabilidade. Todos que utilizam esse meio terão que pagar, inclusive nós, através da Corsan, que com certeza repassará esse valor. O mau uso desse recurso só será contido com a cobrança. O Gesp está acompanhando esses debates e das reuniões dos comitês de bacias”.
 
Agenda 21 – coordenador de planejamento Alcindo Neckel

“A água é vital. Ela é uma das pautas que ficou definida na Rio 92. A água hoje tem valor de uso. Tem pessoas que gastam de forma excessiva e o nosso recurso é limitado. Nós apoiamos a cobrança, porque é uma forma de controlar. Isso é primordial, porque reduz os impactos. Cada um vai controlar o seu gasto. A cobrança é feita de aparatos legais”.

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