Cepia com atendimento limitado

Sami já tem projeto aprovado para a construção do segundo piso, onde deverá funcionar o Cepia, mas não dispõe de recursos para a obra

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Glenda Mendes/ON

Na última semana, em apenas uma manhã de segunda-feira, a Sociedade de Auxílio à Maternidade e à Infância (Sami), que mantém o atendimento do Centro de Estudos e Proteção à Infância e Adolescência (Cepia), recebeu quatro casos suspeitos de crianças sendo abusadas para realizar avaliação. No momento em que dava encaminhamento a uma mãe, acompanhada de dois filhos com suspeitas de terem sido abusados sexualmente, outra mãe chegou à entidade, também com duas crianças, em caso semelhante.

Esta é a realidade desde que o Centro foi criado. Durante todo o ano passado, 168 casos foram atendidos. Este ano, em menos de quatro meses, já são 39. A entidade realiza a avaliação de crianças com suspeita de abuso para emitir o laudo que é anexado ao material que é enviado à Justiça. Os encaminhamentos ao Cepia são realizados pelo Conselho Tutelar, pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), pelo Ministério Público ou mesmo diretamente pela Justiça. Isso, porque é o Centro é a única entidade no município a realizar este tipo de trabalho, com características de perícia.

“No final do ano o trabalho acumula, porque sempre chegam mais casos. Em algumas épocas acontece um recesso. Mas ainda temos casos do ano passado que estamos terminando de fazer o atendimento”, explica a presidente da Sami, Laura Bordignon. Nem sempre o abuso pode ser confirmado ou descartado em apenas uma conversa com a psicóloga. Várias vezes são necessárias diversas conversas até que a criança tenha coragem suficiente para delatar o agressor. “É o departamento da entidade onde o trabalho está mais focado, porque somos o único órgão no município a fazê-lo. Nós recebemos a criança que tem suspeita de violação de direitos, com atenção especial para a violência sexual”, comenta. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, violação dos diretos inclui a negligência, pois toda criança tem o direito de se desenvolver plenamente, maus-tratos, pressão psicológica, bullying e violação sexual.

Além dos encaminhamentos, o Cepia também trabalha com as denúncias recebidas, que podem ser anônimas, através do telefone 3312 1275. “Repassamos os dados para o Conselho Tutelar que vai averiguar. Se for um caso em que o fato está realmente ocorrendo, é passado direto para a polícia, mas se é um caso em andamento, o Conselho Tutelar vai averiguar. Se for confirmada a suspeita, ele faz a requisição para os pais mandarem a crianças para nós fazermos a avaliação”, destaca Laura.

Atendimento se encerra na avaliação
A partir deste ano, o Cepia está com o trabalho limitado à avaliação das crianças. “O Centro foi criado para fazer prevenção, através de palestras, de grupos de estudo, de seminários, de formação de operadores do sistema de garantia de direitos. Ao longo desse tempo de existência, já promovemos diversas ações como estas”, salienta a presidente.

Com relação ao trabalho com as crianças, o Cepia recebe as que são encaminhas, realiza a avaliação e emite o lado. “Alguns casos, o Conselho Tutelar chega à conclusão de que a criança não pode mais permanecer com a família e aí passa para o juiz e a criança é levada para a casa de acolhimento. Porém, a grande maioria permanece em casa, porque ou o abusador é afastado, ou a criança vai para a cassa de uma avó, ou para casa de outro parente. Ela vem para uma entrevista com a psicóloga uma vez por semana durante o tempo que for necessário, até que ela conte o que aconteceu e a psicóloga tenha dados suficientes para fazer o laudo. Até o ano passado, após fazer a avaliação, se nós constatássemos realmente o abuso, era feito um acompanhamento”, destaca.

Uma vez confirmado o abuso, as consequências na criança são visíveis. “A criança está desestruturada, precisa de acompanhamento psicológico. Nós tínhamos uma quantidade maior de psicólogos, então tínhamos os que faziam a avaliação e os que faziam o atendimento. Era assim: parava de fazer a avaliação, conversávamos com a família ou responsável, e a criança continuava vindo para atendimento terapêutico, para se reestruturar e conseguir superar o trauma e ter condições de retornar para a vida da comunidade, da escola tranquilamente, porque os malefícios da questão do abuso são tão grandes que a criança muitas vezes tende a se isolar, ela não quer mais frequentar a escola, não quer mais estar com o grupo de amigos. Então é necessário fazer um trabalho de reinserção dessa criança”, conta.

Entretanto, da falta de recursos financeiros limitou o atendimento, a partir deste ano, somente à avaliação.

Fim das oficinas

Outro trabalho realizado pela Sami era o oferecimento de oficinas em turno inverso à escola para as crianças em avaliação. Este serviço também deixou de ser oferecido por falta de recursos. “Tínhamos artesanato, música, pintura, desenvolvimento psicossocial, orientação sexual. Eram oficinas que as crianças participavam. Mas o que aconteceu no final do ano? Por questões financeiras, falta de recursos, fui obrigada a reduzir o número de técnicos que trabalhavam conosco. Então nós encolhemos o trabalho que nós fazíamos e hoje estamos fazendo só a avaliação psicológica. Não posso fazer o atendimento pós-avaliação e nem oferecer as oficinas”, lamenta.

Infraestrutura
O Cepia atualmente está funcionando em uma casa ao lado da Sami. “É uma casa que nos foi cedida em comodato. Temos a despesa da água, da luz e manutenção da casa. Mas é uma casa muito antiga, que não está oferecendo condições para ser habitada. O assoalho está ficando podre. Toda a estrutura da casa está se entregando e nós não podemos investir mais do que já investimos, porque o imóvel não é da entidade. Não podemos destinar recursos para um bem que não é nosso, embora estejamos usando, mantemos alguma coisa, mas não posso fazer uma reforma na casa. Isso não me compete”, ressalta Laura.

A saída encontrada foi elaborar um projeto para a ampliação do prédio da Sami. “O arquiteto Nilo Machado fez um projeto de ampliação do nosso imóvel, que é próprio, foi adquirido em 1946. É uma casa antiga, mas é grande e a estrutura é forte. Fomos ampliando para o fundo enquanto era possível. Hoje não temos mais permissão legal para ampliar neste nível, mas pode-se fazer verticalmente. Temos então um projeto para, na metade do imóvel, na parte da frente, fazer um segundo andar. Esse projeto está aprovado na prefeitura, foi feito orçamento, só temos um problema: não temos o recurso para fazer a obra”, enfatiza. Com a construção do segundo piso, o Cepia seria transferido para este local.

“Nossa intenção, em fazendo o segundo andar, é ter uma estrutura de tal forma projetada que permita o acesso com facilidade, dentro das exigências da lei, de acessibilidade para portadores de necessidades especiais. Para isso estamos precisando então de parceiros”, explica. O valor orçado no ano passado para a obra ficou em torno de R$ 500 mil.

Falta de recursos
Atualmente, os recursos fixos recebidos pela Sami são de um convênio com o município, no valor de R$ 90 mil por ano, que garantem o pagamento de cinco dos oito funcionários do Cepia. Além disso, existem alguns doadores que repassam quantias mensais, mas que não são suficientes para a manutenção de todos os serviços.

Assim, algumas formas encontradas para angariar fundos são a realização de brechós, onde são comercializadas, por valores simbólicos, roupas doadas que excederam a necessidade de assistência realizada pela entidade, e também pela venda dos objetos produzidos pelas oficinas, que temporariamente não estão sendo realizadas.

“Tudo que temos aqui dentro, de uma maneira ou de outra, é fruto de doação. Essas doações que são regulares não alcançam a necessidade, então precisamos sempre estar fazendo alguma ou outra ação, promoção que reverta em recursos. Por isso que roupas que nos doam, se não é para uso aqui, que já fizemos toda a atenção de assistência social, sobrou roupa, fazemos um brechó. É claro que é por um valor simbólico, mas qualquer Real que entrar tem um valor inestimável. Então a gente transforma em recursos aquela doação que recebe”, afirma a presidente.

Para continuar exercendo todas as atividades necessárias, especialmente as que foram deixadas de lado este ano, a Sami precisa de auxílio da comunidade. “No momento a necessidade é de recursos para voltar com as oficinas, contratar mais psicólogos para retomar o atendimento pós-avaliação e para realizar a obra”, salienta Laura.

Voluntárias
A entidade, que vai fazer 69 anos no dia 20 de abril, conta ainda com um núcleo de voluntárias que uma vez por semana se reúne para arrumar roupas recebidas de doação, tricotar, crochetar e costurar. “Tudo aquilo que dá para colocarmos em enxovais de bebês é encaminhado para as maternidades dos hospitais. Ao mesmo tempo elas transformam algumas roupas e consertam outras que são usadas pelas crianças que frequentam a casa. E quando são roupas de adultos, consertamos e doamos para as famílias que vêm aqui, que são atendidas por nós e tem necessidade, ou fazemos brechó, ou passamos para outras entidades”, reforça.

Educação infantil
No mesmo prédio que funciona a Sami, existe ainda uma escola de educação infantil, mantida em parceria com a prefeitura. O local é cedido pela entidade e os professores e funcionários, pelo município. “São atendidas crianças dos quatro meses de idade aos seis anos incompletos. Em homenagem a uma ex-presidente da Sami a escola se chama Siloé Rocha Bordignon”, informa Laura.

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