Ensino médio precisa de identidade

Mudanças aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação para o ensino médio deixam o currículo mais flexível. Resultados significativos devem acontecer ao longo dos anos com massivos investimentos na educação

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Leonardo Andreoli/ON

A necessidade de criação de uma identidade para o ensino médio brasileiro levou o Conselho Nacional de Educação (CNE) a aprovar mudanças para esta etapa da formação educacional de jovens. Ampliação de carga horária, flexibilização de currículos e até o emprego de ensino a distância estão entre as mudanças. Na opinião de profissionais as novas regras deverão ser eficientes, no entanto o período até que todas elas sejam implantadas deve ser longo e acompanhado de fortes investimentos federais.

A aprovação das mudanças gera de cara uma série de prós e contras levantados por estudiosos. O professor do curso de Pós-graduação em Educação da UPF, Dr. Altair Fávero, é otimista e cauteloso ao mesmo tempo.  Para ele as novas regras ajudarão a definir a identidade e o papel do ensino médio na sociedade brasileira.  “Se tentou ao longo de vários períodos históricos encontrar um modelo adequado. O que é o ensino  médio? É uma educação básica? É um ensino profissionalizante? E até hoje não se conseguiu encontrar uma solução adequada”, pontua.

Hoje o ensino médio brasileiro registra altos índices de evasão escolar. Conforme dados de 2010 apontados pelo professor apenas 37% dos estudantes que ingressam no ensino médio concluem a etapa de formação. Os EUA e a Europa têm índices de concluintes de 89% e 79% respectivamente. Uma aproximação entre os currículos e os interesses dos alunos poderia ajudar a diminuir essas desistências.

Contra
Apesar do otimismo inicial, Fávero alerta que hoje o país conta com uma estrutura de ensino médio que não está preparada para dar conta da demanda que surge com as mudanças. “As iniciativas são interessantes e até promissoras. Resta saber se vamos ter recursos, infraestrutura e corpo docente suficientes para dar conta dessa flexibilidade que está sendo proposta”, questiona. Segundo ele, em 1971 o Brasil tentou tornar o ensino médio em profissionalizante o que não deu certo.
As medidas adotadas à época não foram suficientes para dar preparação básica, nem profissionalizante. “Hoje existem muitas experiências bem sucedidas e elas são um percentual muito pequeno, pessoas que fazem o que se chama de ensino médio integrado que une o ensino médio normal e no turno inverso fazem o profissionalizante. Agora a questão é: estender isso para todos os alunos é possível na atual conjuntura brasileira? Parece que essa é a grande questão que precisa ser resolvida”, destaca.

Investimento

Investimentos federais serão fundamentais para garantir a aplicação das novidades. A montagem de um bom ensino médio profissionalizante exige um alto investimento que inclui a montagem de laboratórios e formação de corpo docente qualificado que inexistem em boa parte das escolas. “Talvez os resultados não venham a acontecer daqui a três ou quatro anos, mas sim daqui a 10 ou 15 anos. Isso só se concretizará se houver progressivo investimento que não é apenas dinheiro. É uma vontade política para que isso aconteça”, prevê.
Para o professor seria lamentável se o ensino médio se tornasse apenas profissionalizante. Ele justifica que países que ingressaram nessa direção não tiveram êxito devido a dinamicidade da sociedade. Ao mesmo tempo em que dê condições de trabalho o ensino médio precisa oferecer uma formação geral de qualidade.

Professores

As modificações também ampliarão o mercado profissional de professores. A ampliação de carga horária, a necessidade de especialização em algumas áreas contribuirão para esse aumento no mercado.  “É necessário pensar a formação desses professores, os nossos cursos de licenciatura precisam avançar nessa direção. As universidades também terão importância nesse processo, porque boa parte desses profissionais que irão atuar nas escolas passa pela formação nas universidade e elas precisam estar atentas a ideia de melhorar cada vez mais seus cursos”, enfatiza. Caso não haja uma formação de novos profissionais poderá haver um apagão de professores no futuro.

Aulas diferenciadas

O Colégio Marista Conceição de Passo Fundo já oferece ensino diferenciado. As aulas de robótica são oferecidas em turno inverso aos estudantes. Elas são uma forma descontraída de ensinar física, matemática e noções de engenharia. A coordenadora pedagógica da escola, professora Magali Bonatto Covatti explica que este é um diferencial para o aluno e é utilizado inclusive em aulas de história.
Sobre o modelo proposto pelo CNE a professora esclarece que este é um modelo já adotado em alguns países. Ela concorda com professor da UPF em relação a necessidade de adequação das escolas. “As pessoas que fazem as leis, não vivem a realidade das escolas. Eles têm a parte teórica e não a prática dentro dos estabelecimentos. As escolas particulares deverão se sair melhor, mas as públicas já têm carência de recurso e isso pode comprometer ainda mais”, compara.

Análise criteriosa

A coordenadora pedagógica do Colégio Salvatoriano Bom Conselho, Carina Tonieto,  reitera que essas mudanças não acontecerão de um dia para o outro devido as escolas já terem processos educacionais em andamento. Ela acrescenta que a escola deve fazer um estudo criterioso para decidir como as mudanças serão implantadas.  “Não podemos perder conquistas importantes. O ensino médio não pode ser só profissionalizante e esquecer todo espaço para formação dos educandos em cidadãos críticos e responsáveis pelo mundo em vivem”, opina.

Mudanças propostas

Entre as principais mudanças propostas pelo CNE estão:
Duração do ensino médio noturno deve ser ampliada. As opções são a oferta de 20% da carga horária na modalidade ensino a distância e a extensão dos anos letivos para além dos atuais três anos.
O relatório mantém a carga horária mínima de 2,4 mil horas no ensino médio, mas abre espaço para que a sua duração seja ampliada caso haja interesse das escolas de oferecer conhecimentos e atividades além das consideradas obrigatórias.
As escolas devem trabalhar a formação a partir de quatro eixos básicos: trabalho, ciência, tecnologia e cultura. O currículo pode enfatizar um desses temas, mas deve incluir todos eles.
As recomendações do CNE não têm força de lei, mas servem de orientação para a organização de escolas públicas e particulares de todo o país.

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