Rede de atenção básica da saúde é considerada precária

Município configurou entre os 10 piores do Estado e abriu um debate entre Conselho Municipal e Secretaria de Saúde

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Daniella Faria/ON

A rede de atenção básica da saúde do município foi considerada deficiente em um relatório do Tribunal de Contas do Estado. Em fevereiro o órgão determinou que a Prefeitura apresentasse um plano de ação para a área em 60 dias. Uma situação contraditória, considerando que Passo Fundo é um centro de referência quando se trata de exames de média e alta complexidade.

O coordenador do Conselho Municipal de Saúde, Dário Delavy, se mostra preocupado com a situação do atendimento nos Cais, Ambulatórios e ESFs. Ele cita um relatório do próprio Tribunal de Contas divulgado no ano passado, onde o município de Passo Fundo ficou entre os 10 piores em saúde básica. Dos 496 municípios analisados, a posição da cidade ficou na 488°. “Não é possível um município que tenha referência hospitalar, uma universidade que forma profissionais esteja nessa situação”, avalia.

A vistoria foi feita entre junho de 2008 a setembro de 2009. O TCE visitou várias unidades de saúde, onde foram consultados os profissionais, usuários e integrantes da Secretaria de Saúde. Depois dos apontamentos, foram feitas 14 recomendações para mudanças.

Secretaria da Saúde
O secretário de Saúde, Jairo Caovilla, disse que muitas ações já estão sendo tomadas para responder as solicitações levantadas na avaliação. Para ele os apontamentos feitos pelo TCE não correspondem com a realidade do município. “Eles levam em consideração o Índice de Desenvolvimento Humano, onde entra uma série de outros marcadores. Às vezes a interpretação não é a mais correta. Não podemos afirmar isso baseado nos dados que levantamos. Tenho restrições a essa colocação”, ressalta
Caovilla explica que a análise foi realizada nos 15 ESFs cadastrados no Ministério da Saúde. Os outros seis existentes e mantidos pelo município não entram na avaliação. Portanto, foi considerado que a cobertura atinge 30% da população oficialmente, quando na realidade esse número é de 40%. “Nesse relatório há ainda fotos de locais dos bairros que não tem nada a ver com a saúde que está se oferecendo à população, como a questão do saneamento. Isso não interfere nos nossos equipamentos de saúde”, destaca.

Recomendações:
Delavy destacou algumas das recomendações que foram feitas pelo TCE. Entretanto, quase nenhuma foi atendida pelo município, segundo ele. Entre elas estão: a formação continuada dos profissionais. “Hoje, os médicos que autuam com saúde da família tem que estar mais preparado do que um médico de hospital. Ele tem que ter uma capacidade de avaliação ampla, visto que atende desde crianças, gestantes, idosos, hipertensos, dentre outros”, considera o coordenador.
Além disso, foi pedido para regularizar situações dentro dos próprios ESFs. Irregularidades, como lixo armazenado em locais não apropriada e esterilização precária dos materiais foram alguns dos apontamentos. O TCE também apontou a implementação de ações de saúde destinadas a proteger o patrimônio público e garantir a segurança dos usuários. “Hoje temos muitos assaltos nesses locais. Muitas vezes invadidos por vândalos. Um exemplo é o da Schisller, onde está todo destruído”, cita.
A implantação da informatização do atendimento, mais agilidade na realização de exames e entrega de medicamentos também foram sugeridas. “O que mais espanta é que o TCE diz para definir a Estratégia de Saúde da Família como prioridade. Ou seja, fazer com que os recursos sejam destinados de fato para a saúde. No ano passado foram repassados R$ 38 milhões para a área”, destaca.

Conselho Municipal de Saúde
Delavy está no comando do CMS desde o início do ano. Ele destaca que o modo de trabalho tem mudado. Agora os quatro conselhos distritais existentes na cidade também são convidados a participar e as reivindicações são centralizadas. “O objetivo das pautas que são colocadas sempre caem na garantia do bom atendimento nos bairros e vilas” destaca.
Passo Fundo tem uma excelência em atendimento hospitalar e clínico. Com a região, o atendimento da cidade abrange cerca de dois milhões de pessoas. “Mas quando falamos em atenção básica, quando uma pessoa está com febre e não necessita ir para uma emergência hospitalar ou medir uma pressão, a situação é precária”, ressalta.
Atualmente a cidade conta com 21 Equipes de Saúde da Família (ESF). Destes, 15 recebem recursos da União, e seis são mantidos pelo município porque não se conseguiu cadastro junto ao Ministério da Saúde. Quanto aos Cais, são cinco. “A ideia da constituição desse formato de atenção básica é perfeito. O SUS seria ótimo se funcionasse e conseguiria atender todas as comunidades. Entretanto esses locais são limitados de estrutura física e pessoal”, aponta.


Estrutura física

Para o coordenador, o número de Cais para uma cidade do tamanho de Passo Fundo já está sendo insuficiente. A melhora da gestão dos recursos e a garantia que sejam construídos mais locais seria uma opção. “Sabemos que estão para vir mais cinco ambulatórios pelo PAC 2 e tem uma verba parlamentar para a construção de outro na Vila Nova, onde serão colocados três equipes de ESFs”, ressalta.

Profissionais
Depois do investimento em estrutura, o segundo passo seria os profissionais. Hoje o grande problema é a precariedade do vínculo com o município. Muitos são terceirizados pela Socrebe ou Cooperativas, dependendo da categoria. O que acontece é que o município investe nesses profissionais através de treinamento e formação e em seguida eles recebem uma proposta melhor em outro local e acabam abandonando o emprego.
A solução seria fazer mais concursos públicos, oferecer um pagamento de qualidade e garantir os direitos trabalhistas. “Assim criaremos um vínculo profissional. Ele não vai trocar o emprego por qualquer outro”, avalia.

Mapeamento distritos sanitários
Passo Fundo é dividia em quatro distritos. São Cristóvão, onde a referência é o Cais Fragomeni; Petrópolis, com o Cais Petrópolis; Vera Cruz, atendida pelo Cais Hípica; e Boqueirão, com o Cais Boqueirão. O último mapeamento das zonas para atendimentos dos ESFs foi feito em 2006. Com o crescimento da população durante esse período ele já está defasado e isso tem afetado o atendimento. Hoje uma equipe de ESF é composta por seis agentes comunitários, um médico, dois técnicos de enfermagem e a enfermeira. Essa equipe tem que conseguir atender a demanda no local e, principalmente, fazer visitas. Só assim é possível saber quais são as reais condições sociais de cada local e se necessário, encaminhar a pessoa para um Cais ou Hospital.
Delavy diz que esse mapa está desestruturado. Hoje o agente de saúde sai de uma rua, pula três ruas, a outra é dele. “Tem lugares que o vizinho da frente, por exemplo, não pode ir naquele ESF porque não está inscrito como referência nele. Assim os agentes tem o trabalho dificultado e a população um atendimento desestruturado”, destaca.
Por conta desse mapeamento algumas comunidades preferem ter o ambulatório a equipes de ESF, como é o caso do bairro São José. “Os ESFs atendem no formato de visitas com áreas mapeadas. Já o ambulatório pode ir qualquer pessoa, independentemente de onde ela resida”, explica. Ou seja, como o São José é um bairro grande, deveria ser dividido. A restrição de não querer o ESF é que uma parte não poderia ser atendida no próprio bairro, porque seria vinculada ao Cais da Petrópolis.
Entretanto, segundo o secretário de Saúde, Jairo Caovilla, o mapeamento é feito pelos próprios agentes e a integração ainda está sendo organizada. Quanto à restrição de receber equipes de ESFs o secretário explica que os fatos muitas vezes são mal interpretados. “No caso do São José, por exemplo, partimos do princípio de quantas equipes são necessárias para suprir o atendimento para que todos sejam atendidos”, esclarece. Hoje o sistema de Estratégia de Saúde da Família é considerado o melhor para o atendimento. Através dele se faz a prevenção, promoção e recuperação da saúde da população. “Além dos médicos enfermeiros e farmacêuticos, ainda queremos colocar fisioterapeutas e educadores físicos”, revela.

Hospital Municipal
O Hospital Municipal teria que ser uma referência para assistir e garantir o atendimento principalmente de quem é encaminhado dos Cais e ambulatórios. Entretanto, não é o que acontece. A falta de leitos é cotidiana. “Hoje os médicos encaminham e tem que ficar correndo nos outros hospitais em busca de vagas. Um verdadeiro jogo de empurra”, diz.
Para o secretário Caovilla o atendimento hospitalar da cidade é inquestionável, no entanto é referência nos termos de medicina curativa de alta qualidade. Para ele, nesse quesito, os hospitais particulares suprem com tranqüilidade a demanda e o Hospital Municipal não tem muita importância nesse tipo de atendimento. “Se somente a população de Passo Fundo fosse atendida no setor de alta complexidade estaríamos no paraíso. Mas atendemos pessoas de outros locais, e esse é o preço que pagamos por ter um atendimento regional”, destaca.
Segundo ele, para um hospital ser bem sucedido ele tem que acompanhar a evolução tecnológica, senão se torna obsoleto em no máximo dois anos. Como conseqüência, acaba dando prejuízos. É o que tem acontecido com os hospitais menores das cidades vizinhas e também com o Hospital Municipal. “Defendo que o Hospital César Santos tenha que se transformar em um hospital de saúde mental e para tratar a questão da drogadição. Nesse caso não precisaríamos de alta tecnologia, e sim, somente de médicos, mais leitos e medicações de baixo custo. Supriríamos essa demanda”, pondera. Além disso, o Hospital também abrigaria a Unidade de Pronto Atendimento (Upa). Com ela, só precisaríamos de equipamentos de média complexidade, como raio x, ultrassonografia, esterilização, e leitos para observação. Tudo com um custo mais reduzido.

Centralizações de exames e medicamentos
A necessidade de informatização dos Cais é outro fator importante, até mesmo para economizar dinheiro público. Muitos exames e consultas que são marcados ou realizados não deixados pelo paciente devido a demora da emissão. “Se tem um sistema informatizado, no caso da internação, o paciente já é encaminhado para o município e sabe onde tem que ir exatamente. Não tem que ficar batendo de porta em porta”, pondera, o presidente do Conselho Municipal de Saúde.
O mesmo acontece com os exames. Hoje uma pessoa para marcar exame precisa sair do seu bairro, ir até a Secretaria carimbar o exame. No outro dia sair de casa e ir até o laboratório e realizar o exame. Dias mais tarde ir até o local buscá-lo. “São pessoas que não tem condições de ficar nessa caminhada e gastando passagem para isso”, diz.
A reivindicação já começou a ser atendida. No Záchia, por exemplo, hoje é possível carimbar, colher o material e o resultado é encaminhado no próprio ambulatório. Gradativamente esse processo vai ser implantado nas outras regiões.
Quanto aos medicamentos, o processo também vai ser descentralizado. No Záchia, por exemplo, já é possível fazer a retirada de medicamentos no ambulatório, não precisando mais o paciente ir até a farmácia do Pam. “Temos a promessa da Secretaria do plantão no Pam. Porque, às vezes a pessoa faz uma consulta na sexta e só consegue pegar o remédio na segunda-feira”, conclui.
Outra mudança, conforme o secretário de saúde, é quanto ao local do PAM, que funcionava na Avenida Presidente Vargas. Daqui alguns dias ele passará a funcionar na Rua Fagundes dos Reis, abaixo do Pronto Atendimento Pediátrico, em uma sala ampla, térrea, com sala de espera e sistema de senha.

Conferência Municipal de Saúde
A Conferência irá ocorrer por etapas. Primeiramente ela será realizada nos distritos e depois uma de toda a cidade. O objetivo é debater a saúde pública.
Confira as datas e locais
17/05 – Cais Hípica
25/05 – Cais Petrópolis
30/05 – Cais Boqueirão
03/06 – Cais Fragomeni
Todas serão realizadas às 19h.
Já a Conferência Municipal será realizada dia 24 e 25 de junho, no Campus II da UPF. Dia 24 será realizada a abertura, com a presença de autoridades, às 19h. Já no dia 25 o evento ocorre durante todo o dia. Pela manhã serão realizados trabalhos de grupo para discutir os temas. Às 16h ocorre uma plenária geral. Mais informações pelo 3316 1021, com André.

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