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“Nós pega os peixe e compra um Mac Fish”. A frase utilizada para divulgar uma aula especial do curso de Letras da UPF que acontece na próxima terça-feira (31) resume duas polêmicas envolvendo o uso da língua portuguesa. A primeira em função de um projeto de lei estadual relacionado ao uso de termos estrangeiros. A segunda, mais recente, voltada a uma cartilha do Ministério da Educação (MEC) que inclui expressões como “os livro” e tem repercutido em vários meios de comunicação do país.
A principal abordagem, utilizada em rádios, jornais, internet e televisão, defende que a utilização de tais expressões degrada a língua portuguesa. No entanto, o conteúdo que está exposto no livro didático é mais amplo do que simplesmente aceitar expressões informais utilizadas no cotidiano por muitas pessoas. Marlete Diefrich, professora do curso de Letras da UPF,
esclarece que em nenhum momento a proposta didática apresentada no livro recomenda o uso da variante popular. “Usando
o exemplo que se propagou ‘os livro’, em nenhum momento o material didático afirma que essa forma seria a escolha
a ser feita pelo falante. O que o material didático diz é que a concordância segundo a norma culta da língua é ‘os livros’ e
que existem pessoas que dizem ‘os livro’”, observa.
Abordagem
O livro ainda questiona os alunos se eles podem falar “os livro” e a resposta sugerida é sim, as pessoas podem falar
desta maneira. “Ninguém controla o que você vai falar ou não. Sou falante de uma língua, posso falar do jeito que eu quiser.
O próprio livro diz que é preciso saber adequar o registro à situação”, explica. A professora acrescenta que existem
parâmetros curriculares nacionais que regem a educação brasileira e são utilizados desde a década de 1990. “Eles dizem
justamente que o papel da escola é ensinar a norma culta da língua, entretanto precisa estar atenta porque grande parte dos
alunos que ingressam no ambiente escolar não são usuários dessa norma culta e, portanto, precisam se sentir recebidos,
inseridos também nessa aula de língua portuguesa”, pontua. O livro constata a existência de variantes no uso da língua,
mas não as recomenda. A proposta é elaborada de tal forma que convida os alunos a transformarem as construções para
a forma culta do idioma. O dever da escola é ensinar a norma culta sem discriminar quem usa formas diferentes. Conforme a professora Marlete, esse princípio teórico já é abordado nas escolas há muitos anos.
Estrangeirismos
Um projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa gaúcha também causou polêmica há pouco mais de um mês. A proposta do deputado Raul Carrion (PC do B) pretende proteger o idioma de influências estrangeiras. Para isso institui a obrigatoriedade da tradução de expressões ou palavras estrangeiras para a língua portuguesa. Este tema também será tratado no evento que é aberto à comunidade. “A ciência da linguística diz que a língua é um organismo vivo e é um fenômeno social. Assim como não se controla a maneira como as pessoas se vestem no dia-a-dia eu não posso
controlar por meio de uma lei a maneira como elas vão falar. Grande parte dos falantes usa estrangeirismos sem nem
perceber. Como é que você vai obrigar a pessoa a fazer uma tradução se ela nem sabe que aquele termo é estrangeiro?”,
questiona a professora.
“Caroça” ou carroça?
Em muitas regiões, principalmente as com origem alemã e italiana, é comum as pessoas falarem “caroça” com o uso do erre fraco. No entanto, a forma escrita da mesma palavra conforme as regras ortográficas será carroça. Este é um exemplo regional que poderia ser contemplado pela cartilha do MEC. Em cidades próximas e mesmo em Passo Fundo é possível encontrar pessoas que têm dificuldade para pronunciar o som dos dois erres. “Tive a grata experiência de fazer visitas nas
escolas, em supervisões de estágio, e encontrar no interior de algumas cidades uma sala de aula com crianças do quarto ou
quinto ano que usam o dialeto italiano mesclado com a língua portuguesa. Havia momentos na aula da estagiária em que
o aluno dizia: professora, mas como é tal palavra no ‘brasileiro’? É tão forte a presença do italiano que eles usavam o dialeto
e a professora muito bem preparada por ser da localidade tinha esse domínio e conseguia fazer a transposição”, exemplifica
Marlete.
Na opinião da professora a mistura de idiomas evidencia a riqueza cultural de determinados lugares. Hoje os dialetos estão se perdendo porque existe uma cultura de que é feio e errado utilizá-los. Marlete pontua que hoje se busca o resgate dessas variantes da língua. Inclusive o curso de Letras da UPF tem um projeto em desenvolvimento nos municípios de Lagoa Vermelha, Casca e Passo Fundo para resgatar falares regionais. Evento A aula especial citada no início do texto acontecerá na próxima terça-feira, 31 de maio, às 19h30, no auditório da Faculdade de Odontologia da UPF. Pesquisadores e professores do curso conduzirão um debate embasado em teorias linguísticas contemporâneas e documentos oficiais que regem o ensino de língua no país. A participação é gratuita.