Trabalho de 10 anos muda realidade de violência em escola

Em tese de doutorado, professor demonstra práticas pedagógicas que transformaram as relações dentro de um estabelecimento de ensino público de Guaporé

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Gerson Lopes/ON

Durante encontro realizado há cerca de 10 dias pela 7ª Coordenadoria Regional de Educação, com professores das 37 escolas da rede estadual de Passo Fundo, para discutir alternativas de prevenção da violência nos estabelecimentos de ensino, foram apresentados dois modelos de gestão bem sucedidos, um deles desenvolvido na escola Monte Castelo, e outro na escola Bandeirante, de Guaporé. Sem fórmulas mágicas para resolver o problema que aflige educadores, pais e os próprios estudantes, ambas conseguiram reverter o quadro a partir de projetos centrados justamente nestes três pilares.

Batizado de “Bandeirante na construção de uma cultura de paz”, o projeto de Guaporé virou tese de doutorado do professor do curso de Pedagogia da UPF, Silvio Antônio Bedin, que agora está disseminando o trabalho que ajudou a coordenar, através de seminários, palestras, debates e, principalmente, em sala de aula, para os futuros professores. Por duas vezes, esteve na Itália para falar da iniciativa que deu notabilidade à escola de pouco mais de mil alunos, e que já rendeu, em 2006,  apoio financeiro do Programa  Ético e Cidadania” dos ministérios da Educação e Cultura, e no ano seguinte, incentivos da Petrobrás.
No livro Escola: da magia da criação – As éticas que sustentam a escola pública, ele  demonstra que a mudança de um quadro  marcado pela violência trazida de fora para dentro dos muros da escola, é resultado de um processo de pelo menos 10 anos de muito esforço. O primeiro passo para a transformação foi dado no ano de 2000, quando um grupo de professores assumiu a direção da escola através de um colegiado, abrindo a perspectiva para o debate. Antes de chegar aos alunos, os educadores perceberam a necessidade de romper com práticas pedagógicas tradicionais. Diagnosticado um dos sintomas, o grupo passou a contar com apoio da Ong Educadores da Paz, de Porto Alegre, que ofereceu os elementos metodológicos para serem trabalhados em sala de aula.

“Vivemos em uma sociedade que produz a violência. Nossa pergunta era saber o que a escola poderia fazer para modestamente, preveni-la. Fizemos da educação a ferramenta para essa desconstrução, fortalecendo o professor, tornando-o protagonista. Na medida em que ele passa a compreender a validade do processo, a postura em sala de aula muda e os resultados começam a aparecer. O professor passa a ser o ator” explica Bedin.

Nova parceria

Outra experiência decisiva no processo de prevenção da violência adotada na Bandeirante aconteceu três anos depois com a parceria de mais uma Ong, a Serpaz (Serviço de Paz), de São Leopoldo, que trouxe para a escola o Programa de Alternativa da Violência (PAV). Modelo criado na década de 70 nos Estados Unidos para desenvolver a resolução não violenta dentro dos presídios americanos. Difundido em mais de 30 países, o projeto internacional tem quase 40 anos de existência. Em Guaporé, ele foi desenvolvido pela figura do americano Richard Wangen, falecido em 2006. Ex- soldado da marinha estatudinense, com participação na segunda guerra-mundial e radicado no Brasil desde a década de 60, aos 78 anos, o pastor luterano provocou uma revolução comportamental nos alunos da Bandeirantes, a partir de oficinas inovadoras, realizadas durante 20 horas, para grupos de até 20 alunos. Antes, reuniu-se com os professores e demonstrou, através de uma série de exercícios, como a violência pode ser potencializada no dia a dia, como os pré-conceitos e as relações eram tratados na escola, entre estudantes vindos dos bairros, da colônia e do centro da cidade.
       
“Ele nos dizia, com aquele sotaque, que era para nos darmos conta dos componentes potencializadores de situações de violência e atuar sobre eles. Dessa forma, mudaríamos as relações, teríamos uma escola calcada no cuidado de si, do outro e da própria escola” lembra Bedin.

A primeira oficina realizada pelo pastor, iniciou em uma sexta-feira e terminou no domingo. Ao final, os 20 alunos queriam continuar na escola, surpreendendo direção e professores. Resultado da metodologia própria, envolvente e participativa, cuja finalidade era desenvolver o espírito de comunidade, criação de normas e regras de convivência, criação de vínculos tribais e o despertar das emoções. A iniciativa despertou o interesse de toda a escola, e para as oficinas seguintes, grupos de até 80 alunos queriam participar. “Nos demos conta de que o projeto tinha resultado porque as oficinas eram dinâmicas, provocavam a criação de normas e de regras de convivência, favorecendo o surgimento de vínculos tribais e despertavam a emoção. Tudo era decidido pelo grupo no espírito de democracia participativa” comenta o professor.

O modelo de oficinas desenvolvido  pelo pastor no início da década teve prosseguimento até o ano passado, com resultados positivos, avalia o educador. Em seus estudos, ele  comprovou que os conflitos  passaram a ser resolvidos a partir do diálogo, colocando frente a frente mediador, agressor e vitima, seguindo  modelo de justiça restaurativa. Outra novidade foi a criação de um pacto de convivência, com normas e regulamentos, elaborado com a participação dos alunos. E também, o acampamento da paz, realizado ao final de cada ano letivo, envolvendo professores, estudantes, pais e funcionários. A cada encontro é definido um tema e trabalhado por um convidado especial. “Possivelmente não conseguiremos erradicar a violência, mas se a escola consegue minorar o problema e apropriar-se de instrumentos para que o espaço torne-se prazeroso, já terá dado um grande passo. A educação não pode abstrair do sonho, do projeto.  O que se quer com essa ferramenta chamada educação. Por que sou educador?. Há um horizonte a ser buscado, precisamos apostar nessa possibilidade de superação” reflete Bedin.  

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