Pedra da Morte gera discussão

Projeto que muda o nome do crack para pedra da morte foi aprovado nesta semana pelos vereadores e precisa ser sancionado pelo prefeito para virar Lei

Por
· 5 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Natália Fávero/ON

A droga considerada o mal do século por alguns especialistas poderá trocar de nome em Passo Fundo. O crack é responsável por 80% dos crimes de homicídio no município. A possível mudança na nomenclatura é uma tentativa de mostrar o que a droga realmente provoca: a morte familiar, social e a morte propriamente dita. Por isso, na sessão da Câmara de Vereadores de segunda-feira (06), os parlamentares aprovaram por unanimidade o projeto de Lei que prevê a mudança do nome da droga para “Pedra da Morte”. Caso o prefeito Airton Dipp sancione a Lei, todos os documentos, relatórios e manifestações de agentes e servidores públicos no âmbito do município ficam obrigados a adotar a nova designação. Em Passo Fundo, a proposta é bem vista por órgãos de segurança e autoridades do município. Na interativa feita no portal do Jornal O Nacional, até as 18h de ontem (07), a maioria das pessoas considerava a mudança desnecessária.

O autor do projeto é o vereador Aristeu Dalla Lana (PTB). Essa proposição está sendo indicada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a todos os municípios do Rio Grande do Sul. Cidades como Santo Ângelo, São Francisco de Assis, Giruá, Santa Rosa, Três de Maio e Três Passos já implantaram a Lei.

O surgimento do derivado do Erytoroxylo coca sob a forma de base, conhecida como crack, que é aquecida e fumada em cachimbos, recebeu esse nome em razão do som característico produzido pelo aquecimento quando é consumida.
Na justificativa do projeto consta que essa droga causa a morte do usuário em pouco tempo, cerca de cinco anos. O texto salienta ainda que o nome crack é impróprio para uma droga com esse grau de destrutividade, que invoca no imaginário coletivo a idéia de craque relacionado a atleta destaque, entre outras informações ligadas ao sucesso. Antes de a proposição chegar para apreciação do Executivo, o projeto ainda passa pela análise da Procuradoria Geral da Câmara de Vereadores.

“Essa é a pedra da morte e precisamos inibir a utilização dela”
O autor do projeto, Aristeu Dalla Lana salientou que a nomenclatura crack direciona as pessoas a palavra “craque” que tem o mesmo som fonético, porém significa desportista que se destaca pelo seu desempenho e pelas suas qualidades superiores. “Craque é um atleta a ser seguido e essa droga é a pedra da morte e não é exemplo pra ninguém”, explicou Dalla Lana.
O vereador enfatizou que a ideia do projeto é mostrar que essa droga mata. “Precisamos tentar inibir a utilização dessa droga. Em Santo Ângelo a ideia sugerida pela OAB foi aceita e aprovada pela Câmara. É necessário que as pessoas fiquem sabendo que essa droga leva a morte de filhos, amigos e familiares”, enfatizou o vereador.

“O viciado não vai deixar de consumir”
Essa é a opinião da presidente da Subseção da OAB de Passo Fundo, Patrícia Alovisi. A OAB tem defendido a criação desse projeto de Lei em todos os municípios do Estado. “Entendemos que o nome crack é uma apologia a droga. Craque são os atletas, jogadores de futebol, de vôlei. Então a nomenclatura tem que ser condizente com a realidade, ou seja, pedra da morte”, declarou Patrícia.
A presidente da OAB salientou que essa droga causa dependência química e a sua voracidade provoca a morte. “Se o usuário não morrer pela dependência será pelo seu envolvimento com o crime. Quem é viciado não vai deixar de consumir pela mudança do nome, mas a sociedade terá uma visão diferente, porque toda vez que se fala em morte as pessoas ficam em alerta”, salientou.

“Todas as iniciativas de combate são bem-vindas”

A promotora da Infância e Juventude, Ana Cristina Ferrareze Cirne disse que o crack está provocando efeitos devastadores em crianças e adolescentes e na família deles, tornando-se uma epidemia jamais vista. A promotora informou que não fez um estudo aprofundado dos detalhes do projeto em questão, mas afirmou que todas as iniciativas são bem-vindas. Mas, afirmou que é preciso muito mais atenção por parte do poder público municipal, estadual e federal e da sociedade com políticas públicas efetivas de prevenção, em especial ao tratamento dos usuários. “É sabido que faltam todos os tipos de tratamento, vagas hospitalares para desintoxicação e há ineficiência de outros serviços como o ambulatorial para os dependentes e seus familiares. A prevenção com discussão nas escolas, com as crianças e professores é fundamental para o êxito no combate a drogadição”, declarou a promotora.

“Temos o dever de seguir a legislação”
Para o comandante do 3º RPMon da Brigada Militar, tenente coronel Antônio Carlos da Cruz, todas as ações que tenham o objetivo de conscientizar a comunidade sobre os malefícios dessa droga é importante e podem contribuir para que haja uma redução no consumo e até a eliminação dela na sociedade. “Assim como se tem os alertas sobre os malefícios do cigarro no produto, acreditamos que de alguma forma as pessoas tenham uma reflexão”, disse Cruz.
Segundo o tenente coronel, o crack é um incentivador do crime, destrói as famílias e para se afastar dele é muito difícil. “Os tratamentos são onerosos e o poder público não tem estrutura para atender essa demanda. A sociedade precisa ter uma atitude e buscar uma solução”, completou o comandante da BM.

A ligação mortal
“Embora não tenha um significado tão grande, a nova denominação vem a somar para que quando alguém se refira a essa droga saiba a ligação dela com a morte” O titular da Delegacia de Furtos, Roubos, Entorpecentes e Capturas (Defrec), Adroaldo Schenkel salientou que o crack e agora o oxi são pedras da morte. Segundo ele, a primeira morte é o fim da vida familiar, depois a social e por fim a morte propriamente dita. Ele disse que quem entra nesse mundo acaba preso ou morto. Cerca de 80% dos crimes de homicídio envolvem usuários de drogas que morrem por ficar devendo para o traficante, por roubar ou furtar e também por disputar o ponto de tráfico. Ele citou, por exemplo, os usuários que roubam coletivos urbanos para conseguir alguns trocados. “A polícia faz a repressão ao tráfico, mas para reduzir é preciso educação. Não podemos deixar novas pessoas ingressarem nesse mundo, porque enquanto houver demanda haverá tráfico”, explicou o delegado da Defrec.

Maioria dos crimes envolve usuários de crack
O secretário de Segurança Pública, Márcio Patussi disse que essa droga está muito disseminada e por mais que se tente combatê-la com medidas preventivas ela continua presente. Na opinião do secretário, o projeto vem com o intuito de inibir a utilização da droga e informar as pessoas sobre as consequências sociais e na saúde das pessoas.

Santo Ângelo já utiliza a denominação pedra da morte

A mesma Lei foi implantada na cidade das Missões no final do mês de março. A sugestão partiu da OAB local. O presidente da Subseção da OAB de Santo Ângelo, Paulo Leal informou que o município foi o pioneiro na criação dessa Lei. A ideia foi construída a partir de um grupo que há seis anos estuda a inteligência humana e linguagem. Ele explicou que foi realizada uma Audiência Pública e o assunto foi discutido com as autoridades de segurança. “Percebemos que não é possível combater essa droga apenas com políticas repressivas. O administrador do presídio aqui de santo Ângelo revelou que eles não conseguem evitar que presos utilizem a droga dentro da penitenciária. Se o Estado não consegue impedir o uso dentro do presídio imagina fora”, disse Leal.
O crack além do ruído é produtor da morte. Segundo o presidente da OAB, substituindo a nomenclatura por pedra da morte, o novo nome será um instrumento de campanha contra o uso. “Em Santo Ângelo até a imprensa tem aderido a essa palavra. Não é um processo simples mudar a cultura de um dia para outro, mas gradativamente as pessoas estão se reeducando”, revelou o advogado.

Gostou? Compartilhe