Gerson Lopes/ON
A polêmica em torno da taxa retroativa do lixo colocou em evidência, nesta semana, uma entidade que há pelo menos 11 anos vem fiscalizando e buscando a garantia dos direitos dos cidadãos passo-fundenses. A decisão de ingressar com a ação civil pública, pedindo a suspensão da cobrança feita pela Prefeitura Municipal, deferida pela juíza Alessandra Couto Pereira, e derrubada na quinta-feira, pelo Tribunal de Justiça, foi apenas uma, das inúmeras ações realizadas pela Associação Brasileira da Construção e Defesa da Cidadania, a Abracc.
Trabalhando longe dos holofotes e de maneira totalmente voluntária, o grupo, surgido no seio do movimento estudantil, mais especificamente no Diretório Acadêmico da faculdade de Direito da UPF no início da década passada, ganhou novos aliados com o passar do tempo e já acumula conquistas responsáveis pela transformação da vida de centenas de pessoas.
Enquanto discussões sobre direitos humanos, meio ambiente, e a construção de políticas públicas eram rechaçadas por diversos setores da sociedade, três jovens, recém saídos da universidade já se preocupavam com o drama enfrentado pelos integrantes da Associação Cristã dos Deficientes Físicos, em conseguir fraldas descartáveis; (que mais adquiriu equipamentos para confeccionar o produto), com a falta de acessibilidade, e na preservação do meio ambiente.
Formalmente constituída, em agosto de 2001, o grupo passou a contar com uma ferramenta importante: a possibilidade de ajuizar ação civil pública. E foi o que fez. Em uma delas, denunciou a falta de acessibilidade na cidade. Julgada procedente, a ação segue em fase de execução.
“Na época, fizemos um levantamento com os principais pontos problemáticos. Estamos percebendo algumas mudanças importantes, mas ainda há muito a ser feito. Montamos uma tabela para monitorar ”comenta Cristiano Lange, um dos fundadores da entidade, juntamente com Gilnei José Oliveira da Silva, ambos professores e mestres em Direito, e Olmiro Scheffer, professor na área de publicidade e propaganda.
Também é da Abracc a mobilização que resultou na aprovação do projeto passe livre no transporte municipal para portadores de necessidades especiais. Após várias idas e vindas do executivo para o legislativo e a coleta de 5% de assinaturas do total de eleitores de Passo Fundo, o projeto finalmente obteve a aprovação dos vereadores. Foi a primeira lei constituindo-se na primeira lei do município instituída por uma iniciativa popular. “Foi uma batalha, mas hoje aproximadamente mil pessoas são beneficiadas com o passe livre” diz a presidente da entidade, Claudia Furlanetto.
Com uma atuação permanente junto às entidades e trabalhando em parcerias com grupos ecológicos e diversas Ongs, os integrantes da Abracc desencadearam discussões que, mais tarde, resultaram na aquisição de ônibus adaptados para cadeirantes e no cumprimento da lei que obriga empresas a contratarem um determinado número de portadores de necessidades especiais. A lista inclui ainda inúmeras ações voltadas para a defesa do meio ambiente.
Trabalho voluntário
Com 11 anos de história na luta pela cidadania, a Abracc ganhou novos adeptos e hoje conta com sete integrantes. Além dos três idealizadores, e da atual presidente, somaram-se ao grupo, o ambientalista Carlos Eduardo Sander, Loreni Lucas dos Santos, intérprete de libras, e a advogada Fernanda Andrade. A entidade não disponibiliza de sede e também não recebe nenhum tipo de recursos para realização dos trabalhos. Pelo contrário, muitas vezes, o grupo precisa pagar do próprio bolso, despesas com cópias de documentos, transportes, entre outros. Profissionais de diferentes áreas, na maioria das vezes abrem mão do descanso nos finais de semana para participar de reuniões, discussões, e organizar a pauta da entidade.
“Estamos pagando pela criação de um problema ambiental”
A participação da Abracc no episódio desta semana, referente à cobrança retroativa da taxa do lixo, foi só mais um capítulo de um debate que a entidade vem realizando desde 2002, tendo como argumento principal a inconstitucionalidade da cobrança. “O problema é que a taxa foi criada através de um decreto, desrespeitando várias questões administrativas. O decreto não pode regulamentar ou criar lei. Isso é inconstitucional. Foi ajuizada uma ação popular e a batalha jurídica segue, indiferente dessa decisão do Tribunal sobre a cobrança retroativa” explica Lange.
Para Carlos Augusto Sander, a discussão sobre o lixo não pode ficar restrita apenas à questão tributária. “É preciso pensar sobre a destinação do lixo, na administração dos resíduos como matéria prima, com possibilidade de gerar renda e empregos. O serviço atual consiste apenas em retirar o lixo da frente da minha casa e largar no lixão, cuja capacidade já está esgotada. Estamos pagando para criar um problema ambiental” afirma.
Construindo cidadania
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