Daniella Faria/ON
Gaúcho que é gaúcho, quando os termômetros registram temperatura negativa diz que foi apenas um vento minuano. Entretanto, até mesmo quem nasceu no Rio Grande do Sul sofre com o rigor do inverno. Imagine, então, quem vem de estados, onde o maior frio não baixa de 10°C? As reações são as mais variadas. Reunimos três pessoas, um carioca, um mineiro e uma goiana, que se mudaram para Passo Fundo há pouco mais de dois anos. Nesta reportagem, eles contam o que fazem para se esquentar nesse frio de ‘renguear cusco’, como definem os gaúchos.
É sinistro
O professor e diretor na Faculdade Anglo Americano, Paulo Roberto Falcão, é carioca e mora na cidade há um ano e cinco meses. O frio é sinistro, como diria um carioca legítimo. A caipirinha e os pés no chão já foram substituídos pelo chimarrão e pelas pantufas. “Como sou professor e viajo bastante, já peguei muito frio em algumas partes de Minas Gerais e São Paulo, mas nunca tão intenso como aqui”, diz. O professor não teve nenhuma complicação por causa da baixa temperatura, nem mesmo de saúde. Mas, por precaução já teve que mudar hábitos. O primeiro deles foi ao chegar em casa. Como bom carioca, a primeira coisa era tirar os sapatos e a camisa. “Outro é o do banho logo ao acordar. Como durmo em um ambiente aquecido, espero um pouco mais”, destaca. As caminhadas às 7h também foram interrompidas nesta época.
O uso das roupas, para o carioca, ainda está em fase de adaptação. Quando vai para a rua, devido ao vento, não dispensa o uso do cachecol. Mas logo que chega ao trabalho, o acessório é dispensado para dar mais liberdade. “Mas o peso ainda me incomoda um pouco. Ainda estou me adaptando com os casacos, os blusões e cachecóis. Isso pesa um pouco”, brinca. O frio também encanta. A geada muda o ambiente e impressiona pela beleza aos olhos de quem não está acostumado. “Foi a primeira vez que eu vi geada. Tive meu carro coberto pelo gelo e ainda estou aprendendo como tirá-lo do vidro”, diz. A vida corrida de professor proporciona ao carioca a dar uma fugidinha do inverno gaúcho. Quinzenalmente Falcão vai ao Rio de Janeiro para dar aulas. “Mas é rapidinho. Vou sexta e volto domingo. Nem dá muito tempo para acostumar”, conta.
Frio que chega a doer
“Num dó conta desse frio, ele chega a doer”. Essa é a frase que expressa o quão frio é o inverno gaúcho para os Goianos. Rossana Pereira Rabelo, de 27 anos, está completando dois em Passo Fundo. Ela veio transferida de Corumbá, Goiás, para trabalhar em uma empresa na cidade. Logo de cara, Rossana já conheceu o frio. Chegou em julho de 2009, quando na época, os termômetros registravam -2°C. “Eu não tinha roupa. Frio para nós em Goiás é 10°C. Tinha só blusa de lã e moletons”, lembra. As roupas pouco apropriadas para suportar a temperatura baixa ainda a deixava desconfortável. “Já cheguei a vestir cinco blusas. Não conseguia fechar os braços”, conta. Aos poucos ela foi conhecendo e adquirindo casacos mais pesados e meias mais grossas.
Falando em meias, Rossana relembra em risos uma situação engraçada pela qual passou para tentar aquecer os pés. No primeiro ano ela teve um problema no pé por causa de circulação sanguínea. “Eu colocava tanta meia, acho que três, que meu pé chegou a ficar roxo. Pensei que meus dedos fossem cair. Fui ao médico e descobri que era o excesso de meia que trancava minha circulação. Resolvi o problema comprando meias grossas e usando uma por vez”, recorda.
Os hábitos também tem se alterado devido a rotina. O gosto pelo chimarrão para se esquentar aconteceu desde a primeira prova. “Outra coisa que eu conheci foi a sopa de capeletti, que lá não existe”, conta. A geada também inquietou a goiana, que nessa semana vai fugir do frio por uma semana e aproveitar para visitar os pais. “Já tirei várias fotos para poder mostrar como a paisagem fica linda nessa época do ano”, finaliza.
Esse trem é frio demais, uai
O casal de mineiros, Elem e Eduardo Vaz, juntamente com o filho de sete anos, Marco Túlio, já alteraram a rotina da casa completamente para se proteger do frio. A sala e o quarto da criança foram praticamente transferidos para o quarto do casal. Até mesmo algumas refeições são feitas no local, como o lanche. A família está há um ano e seis meses morando em Passo Fundo e ainda está em fase de adaptação, principalmente o pequenino.
Eduardo fala que quem mais sofre é Marco Túlio. O menino que gosta bastante de nadar, agora tem a atividade interrompida pelos meses de inverno. “Em Minas quando dá sol, esquenta. Ele ainda associa muito isso. Depois dos dias de chuva, quando apareceu o sol ele me perguntou se já dava para ir à piscina”, conta.
Para Elem o problema maior é o trajeto do trabalho para a escola. O ar gelado faz com que muitas vezes Marco Túlio não vá até as atividades extras do colégio pelo período da manhã, como o judô. A mãe fica com dó de tirá-lo da cama quentinha. “Se deixar ele dorme até o meio dia. Essa semana quando ele foi se vestir pediu para colocar umas 20 blusas por causa do frio”, relembra em meio a gargalhadas. A hora do banho vira uma novela. O pai é o primeiro e mais corajoso. Vai antes para tentar esquentar o banheiro. “É muito gelado. O shampoo quase congela”, diz Elem. Já para dormir, o casal, friorento ao extremo, relata que dorme com oito cobertores, meia, e pijama de soft encomendado sob medida. “A calça troco todos os dias. Mas a que coloco para dormir, vai por baixo na hora de trabalhar”, diz Eduardo.
O mineiro já incorporou alguma bebidas no dia a dia para tentar se esquentar, como o chimarrão. O vinho também passou a fazer parte. “Mas ainda continuo com uma cerveja ou uma dose de pinga em alguns momentos”, ri. O cardápio também foi alterado. Massas, como capeletti e tortéi já estão se tornando um hábito na mesa dos mineiros. “Junto com eles acrescentamos alguns quilinhos. Mas o frango de caldinho ainda não dispensamos”, fala a mãe.
A umidade é outra coisa que preocupa a família. Com o período de chuva as paredes chegavam a escorrer, coisa que na terra natal não acontecia. Para secar as roupas depende de São Pedro.
Apesar de todas a dificuldades, o casal diz que tem procurado se adaptar da melhor forma. E agora estão prestes a mudar de novo a rotina, Elem está grávida. “Planejamos bem. O bebê vai nascer no calor. Até lá ele vai ficar bem guardadinho no quentinho”, brinca Eduardo.
Previsão do tempo
A massa de ar polar que se instalou no estado nesses últimos dias começa a perder força e a deixar a região. Com isso, a temperatura entrar em elevação gradativa durante essa próxima semana. Segundo o observador meteorológico da Embrapa Trigo, Ivengdonei Sampaio, até essa sexta-feira foram registrados cinco dias com formação de geada consecutivos.
Para esse final de semana a previsão é que o frio intenso dê uma trégua. O sábado terá tempo parcialmente nublado. A mínina deve chegar a 4°C e a máxima em 16°C.
No domingo o tempo muda. O dia inicia nublado passando a encoberto e com pancadas de chuva. A temperatura sobe um pouco, ficando entre 08°C e 16°C.
A semana inicia com formação de nevoeiro ao amanhecer. O sol entre nuvens irá predominar durante a segunda-feira. A temperatura oscila entre 10°C e 20°C.
Na terça-feira uma nova frente se aproxima da região trazendo novamente a instabilidade. O tempo ficará chuvoso. A temperatura mínima fica em 12°C e a máxima não deve ultrapassar os 16°C.
Esse frio sinistro chega a doer, uai
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