Disputa agrária acelera êxodo no interior de Sertão

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Disputa agrária acelera êxodo no interior de Sertão 
Texto e fotos: Gerson Lopes/ON
     Em lados opostos na luta por uma área de terra, famílias de pequenos agricultores e de negros da comunidade de Mormaça, no interior de Sertão, dividem outra angústia além da espera por uma definição: a migração dos jovens para a cidade em busca trabalho. 
     Um êxodo comprovado em números. Dados do último censo, realizado pelo IBGE em 2010, apontam uma redução de 29% da população rural daquele município, comparado ao levantamento de 2000. O índice é quase o dobro registrado em todo o Rio Grande do Sul, que foi de 16,6%. Na localidade de linha São José, centro da disputa, a indefinição quanto ao futuro da terra acelerou ainda mais o processo de migração. Na última década, a população caiu de 834 para 634 habitantes, uma diferença de 31,5%.
Da janela de frente para a estrada, Natalício da Rosa e a esposa, Leonor Oliveira, ambos com 65 anos, viram um por um, de seus 12 filhos, deixarem a Mormaça. A casa foi se esvaziando no mesmo ritmo em que a idade deles avançava. O último partiu há dois anos. “Sinto muita falta deles, mas não posso fazer nada. Como dizem por aí, os filhos são criados para o mundo. Sempre que podem, eles visitam a gente” comenta Leonor, demonstrando um sorriso, apesar da saudade. O casal sobrevive da aposentadoria e do que consegue produzir em um pedaço de terra. 
Natalício ainda alimenta a esperança de que pelo menos o filho mais novo retorne à Mormaça, cujo nome, é uma referência a Francisca Mormaça, filha de escravos que teria trabalhado para escravocratas antes de se estabelecer na região. Lá vivem atualmente 22 famílias, totalizando cerca de 100 pessoas, distribuídas em 26 hectares. O grupo busca a titulação definitiva das terras e a condição de remanescentes da comunidade quilombola. 
Uma espera que já dura 10 anos. A disputa iniciou em 2001, mas foi oficializada a partir de 2005, com a abertura de um processo administrativo. Desde lá, foram realizados quatro laudos técnicos, com diferentes áreas de abrangência. Um levantamento preliminar do Incra chegou a  apontar 1.524,80 hectares para os remanescentes. Outro relatório antropológico, denominado História, Cotidiano e Territorialidade, demarcou um total de 1.300 ha. 
     Advogada da associação de Mormaça, Ester Ângela Malmann, diz que, em outubro de 2007, o primeiro levantamento de informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas e geográficas, realizado pelo Incra, concluiu que o território mínimo para garantir a sustentabilidade da comunidade seria de 440 ha. Segundo ela, por necessidade de sobrevivência, a comunidade aceitou, “pelo menos por enquanto” a proposta, mas vai continuar lutando pelos 1.524,80 ha apontado no primeiro relatório. “Eles não abrem mão do restante da área por entenderem que se trata de direitos constitucionais irrenunciáveis” observa.
     De acordo com o Incra, a Portaria de Reconhecimento do Território, que está em fase de elaboração pela autarquia em Brasília, para posteriormente ser publicada no Diário Oficial da União, vai reconhecer uma área de 410 hectares à comunidade quilombola. Após, o processo entra na fase de regularização, com as desapropriações, indenizações e demarcação do território. 
As dificuldades
     Enquanto a indefinição persiste, as alternativas de renda para quem decidiu ficar em Mormaça são cada vez mais restritas. O trabalho de doméstica na cidade é uma das únicas opções para as mulheres. Em determinados períodos do ano, os homens são contratados como diaristas, em propriedades de terceiros e, também, para auxiliar no carregamento de frangos em aviários, ou na colheita da maçã, na região de Vacaria. 
     A família de Eládio Mello de Oliveira, 56 anos, conhece com profundidade as dificuldades de sobreviver na comunidade. Sem terra para plantar, as despesas da casa são mantidas com o salário da aposentadoria e do recurso destinado pelo programa Bolsa Família. Dos seis filhos com Oraides Gessi Oliveira, 53 anos, metade já partiu em busca de serviço. No único espaço que restou de seu terreno, ao redor da casa de madeira, improvisou um cercado para criar alguns cabritos, ovelha e uma vaca de leite. Ao lado, fica a criação de coelhos e porcos da índia, segundo ele, apenas para o entretenimento dos netos. 
     Na tentativa de estancar o êxodo, a Cáritas Arquidiocesana, em parceria com outras instituições como Embrapa Trigo, Prefeitura Municipal de Sertão, e Emater, iniciou um curso de qualificação para 31 moradoras. A intenção é organizar uma padaria. As mulheres receberam treinamento para a confecção de pães, bolachas, cucas e bolos. Assessor de projetos da Cáritas, Marcio Mazzon, explica que a aprovação do Fundo de Solidariedade da Arquidiocese de Passo Fundo, possibilitou a compra de novos equipamentos para iniciar a produção. A reforma do prédio para receber o maquinário ficou por conta da prefeitura. Para Mazzon, o surgimento de uma nova fonte de renda também agrega outros valores como o resgate da autoestima, inclusão e melhoria das condições de vida do grupo. 
     Vice-presidente da comunidade, Laídes da Rosa, justifica que a intenção é vender a produção para a própria prefeitura distribuir na merenda escolar do município. “Nosso maior problema sempre foi a falta de trabalho. Os jovens se obrigam a deixar a comunidade em busca de emprego. Com a padaria, podemos mudar um pouco essa situação” projeta. 
     
Foto – Famílias de negros  buscam a titulação definitiva das terras e a condição de remanescentes da comunidade quilombola
Mudanças na rotina 
     Se convencer os jovens a permanecerem no campo já é considerado um desafio difícil, o risco de ter parte, ou toda a propriedade incorporada na comunidade de Mormaça, está tornando esta tarefa quase impossível. Uma realidade que já bateu à porta do agricultor Nelson Guerra, 67 anos. A falta de perspectiva, fez com que dois, de seus três filhos trocassem a calmaria do interior, pelo agito de cidades como Porto Alegre e Bento Gonçalves, em busca de trabalho. 
     O relatório que aponta a demarcação de 440 hectares atinge pelo menos 50 proprietários. A área dos Guerras seria reduzida de 28 para apenas 15 ha, insuficiente para manter os filhos por perto. Nascido e criado na linha São José, Nelson não se conforma com a possibilidade de perder uma fatia de sua terra. “Minha mãe tem 93 anos, sempre morou aqui. Temos um documento comprovando a posse no início do século passado. Não podem simplesmente tirar o que é nosso de direito” comenta. Seguindo a mesma trilha, quatro sobrinhos de Guerra também abandonaram o campo, deixando os pais, de 70 anos, para trás. 
     Os reflexos da migração provocam mudanças na rotina dos moradores. O tradicional jogo de futebol aos domingos deixou de ser praticado há cinco anos por falta de atletas. A capela, que em outros tempos chegou a contabilizar mais de 50 sócios, atualmente tem apenas 16. 
     A indefinição quanto ao futuro da terra não traz prejuízos apenas emocionais. Agricultores que tiveram áreas incluídas na demarcação do Incra, deixaram de investir em benfeitorias e tecnologia para manter o nível de produção. Claudecir Luiz Pagote, 50 anos, divide 40 hectares com mais cinco familiares.  A faixa de terra incluída no relatório não recebe mais os cuidados necessários, como correção do solo e adubação. 
      “Ninguém é louco de investir em algo que corre o risco de perder. A produção caiu em até 30% nesses locais. Tem famílias que precisam construir novas casas para os filhos mas não querem arriscar. Essa indefinição vem tirando nosso sono há muito tempo” desabafa, mostrando uma escritura de 1912,  justificando a aquisição da propriedade.
     Presidente da Associação dos Produtores Rurais de São Pedro e São José, Delcio Ceconello observa que os produtores já investiram aproximadamente R$ 200 mil em despesas com advogados e na elaboração de contra-laudos. “Se eles têm o direito deles, também temos o nosso”. argumenta.  Apesar da disputa, a convivência entre agricultores e negros, é considerada pacífica por amGerson Lopes/ON

Em lados opostos na luta por uma área de terra, famílias de pequenos agricultores e de negros da comunidade de Mormaça, no interior de Sertão, dividem outra angústia além da espera por uma definição: a migração dos jovens para a cidade em busca trabalho. Um êxodo comprovado em números. Dados do último censo, realizado pelo IBGE em 2010, apontam uma redução de 29% da população rural daquele município, comparado ao levantamento de 2000. O índice é quase o dobro registrado em todo o Rio Grande do Sul, que foi de 16,6%. Na localidade de linha São José, centro da disputa, a indefinição quanto ao futuro da terra acelerou ainda mais o processo de migração. Na última década, a população caiu de 834 para 634 habitantes, uma diferença de 31,5%.
Da janela de frente para a estrada, Natalício da Rosa e a esposa, Leonor Oliveira, ambos com 65 anos, viram um por um, de seus 12 filhos, deixarem a Mormaça. A casa foi se esvaziando no mesmo ritmo em que a idade deles avançava. O último partiu há dois anos. “Sinto muita falta deles, mas não posso fazer nada. Como dizem por aí, os filhos são criados para o mundo. Sempre que podem, eles visitam a gente” comenta Leonor, demonstrando um sorriso, apesar da saudade. O casal sobrevive da aposentadoria e do que consegue produzir em um pedaço de terra. 
Natalício ainda alimenta a esperança de que pelo menos o filho mais novo retorne à Mormaça, cujo nome, é uma referência a Francisca Mormaça, filha de escravos que teria trabalhado para escravocratas antes de se estabelecer na região. Lá vivem atualmente 22 famílias, totalizando cerca de 100 pessoas, distribuídas em 26 hectares.

O grupo busca a titulação definitiva das terras e a condição de remanescentes da comunidade quilombola.  Uma espera que já dura 10 anos. A disputa iniciou em 2001, mas foi oficializada a partir de 2005, com a abertura de um processo administrativo. Desde lá, foram realizados quatro laudos técnicos, com diferentes áreas de abrangência. Um levantamento preliminar do Incra chegou a  apontar 1.524,80 hectares para os remanescentes. Outro relatório antropológico, denominado História, Cotidiano e Territorialidade, demarcou um total de 1.300 ha.

Advogada da associação de Mormaça, Ester Ângela Malmann, diz que, em outubro de 2007, o primeiro levantamento de informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas e geográficas, realizado pelo Incra, concluiu que o território mínimo para garantir a sustentabilidade da comunidade seria de 440 ha. Segundo ela, por necessidade de sobrevivência, a comunidade aceitou, “pelo menos por enquanto” a proposta, mas vai continuar lutando pelos 1.524,80 ha apontado no primeiro relatório. “Eles não abrem mão do restante da área por entenderem que se trata de direitos constitucionais irrenunciáveis” observa.

De acordo com o Incra, a Portaria de Reconhecimento do Território, que está em fase de elaboração pela autarquia em Brasília, para posteriormente ser publicada no Diário Oficial da União, vai reconhecer uma área de 410 hectares à comunidade quilombola. Após, o processo entra na fase de regularização, com as desapropriações, indenizações e demarcação do território. 

As dificuldades

Enquanto a indefinição persiste, as alternativas de renda para quem decidiu ficar em Mormaça são cada vez mais restritas. O trabalho de doméstica na cidade é uma das únicas opções para as mulheres. Em determinados períodos do ano, os homens são contratados como diaristas, em propriedades de terceiros e, também, para auxiliar no carregamento de frangos em aviários, ou na colheita da maçã, na região de Vacaria.

A família de Eládio Mello de Oliveira, 56 anos, conhece com profundidade as dificuldades de sobreviver na comunidade. Sem terra para plantar, as despesas da casa são mantidas com o salário da aposentadoria e do recurso destinado pelo programa Bolsa Família. Dos seis filhos com Oraides Gessi Oliveira, 53 anos, metade já partiu em busca de serviço. No único espaço que restou de seu terreno, ao redor da casa de madeira, improvisou um cercado para criar alguns cabritos, ovelha e uma vaca de leite. Ao lado, fica a criação de coelhos e porcos da índia, segundo ele, apenas para o entretenimento dos netos.

Na tentativa de estancar o êxodo, a Cáritas Arquidiocesana, em parceria com outras instituições como Embrapa Trigo, Prefeitura Municipal de Sertão, e Emater, iniciou um curso de qualificação para 31 moradoras. A intenção é organizar uma padaria. As mulheres receberam treinamento para a confecção de pães, bolachas, cucas e bolos. Assessor de projetos da Cáritas, Marcio Mazzon, explica que a aprovação do Fundo de Solidariedade da Arquidiocese de Passo Fundo, possibilitou a compra de novos equipamentos para iniciar a produção. A reforma do prédio para receber o maquinário ficou por conta da prefeitura. Para Mazzon, o surgimento de uma nova fonte de renda também agrega outros valores como o resgate da autoestima, inclusão e melhoria das condições de vida do grupo.

Vice-presidente da comunidade, Laídes da Rosa, justifica que a intenção é vender a produção para a própria prefeitura distribuir na merenda escolar do município. “Nosso maior problema sempre foi a falta de trabalho. Os jovens se obrigam a deixar a comunidade em busca de emprego. Com a padaria, podemos mudar um pouco essa situação” projeta.

Leia a reportagem completa nas edições impressa e digital de O Nacional

 

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