Medicamentos de venda livre não precisarão mais ficar expostos do lado de trás do balcão de farmácias e drogarias. Uma nova norma da Anvisa altera resolução de 2009 que exigia que os medicamentos isentos de prescrição fossem armazenados junto daqueles que têm a venda restrita a prescrição médica. A facilidade de acesso preocupa. Uma pesquisa da Universidade de Passo Fundo (UPF) demonstra que apesar de manterem diversos medicamentos de venda livre em casa, as pessoas desconhecem as reações adversas que o uso inadequado dessas substâncias pode causar.
A Resolução da Anvisa (RDC) número 41deste ano libera a exposição de medicamentos isentos de prescrição ao alcance dos usuários nas gôndolas de farmácias e drogarias de todo o país. Entre as exigências para quem for expor os medicamentos desta maneira é a colocação de cartazes com o alerta: “Medicamentos podem causar efeitos indesejados. Evite a automedicação. Informe-se com o farmacêutico”. Esta nova resolução altera uma definição da Anvisa publicada em 2009 que pretendia reduzir a automedicação e uso irracional de medicamentos pelas pessoas.
Conforme a professora e a acadêmica do curso de Farmácia da UPF, que desenvolveram um estudo sobre o uso de medicamentos, Mariza Cervi e Kamila Trentin, a RDC de 2009 foi questionada pelo setor produtivo. Isso motivou a Anvisa a criar um grupo de trabalho que avaliou o marco regulatório dos medicamentos isentos de prescrição. De acordo com o estudo, a RDC 44/2009 não contribuiu para reduzir o número de intoxicações no país. O estudo apontou ainda uma maior concentração de mercado e prejuízo ao direito de escolha do consumidor no momento da compra desses produtos. A partir das evidências de que a RDC 44/09 não trouxe benefícios ao consumidor, a Diretoria Colegiada da Anvisa decidiu alterar a norma e permitir que os medicamentos de venda livre sejam posicionados ao alcance do consumidor.
Falta conhecimento da população
De acordo com as pesquisadoras da UPF, para as farmácias e drogarias a nova medida não acarreta em perdas, até porque poderão aumentar as vendas com os medicamentos mais acessíveis. Para o usuário, ter o acesso livre a esses produtos é considerado uma forma de tentar forçar a venda. “Colocar cartazes sobre automedicação não é uma medida eficaz para evitar esse problema”, alerta Kamila.
A facilidade de compra permite a automedicação e o possível uso incorreto de medicamento, podendo gerar complicações. “Sem a pessoa perceber, aos poucos o efeito esperado vai diminuindo, pois o organismo acaba acostumando com o fármaco”, esclarece Kamila. O uso inadequado de um remédio e a falta de conhecimentos sobre os sintomas que o paciente está tendo podem mascarar doenças crônicas como, por exemplo, a sinusite. A falta de tratamento adequado de uma doença também pode fazer com que ela se intensifique.
Papel do farmacêutico
Nesse contexto, o papel do farmacêutico deverá ser mais ativo para que o consumidor seja alertado dos riscos da automedicação. “A função do farmacêutico não é impedir a venda desses medicamentos, mas assim orientar sobre os cuidados do uso abusivo, das possíveis reações adversas e da importância da administração correta (dose e horários), além, é claro, de saber se o medicamento é realmente necessário para esse usuário”, destaca Kamila.
O caso do Paracetamol
Um estudo desenvolvido na UPF demonstrou que a armazenagem de medicamentos, como o paracetamol, em casa é muito comum. No entanto, poucas pessoas sabem dos perigos que eles podem representar. Além de poderem causar sérios problemas de saúde, quando em doses inadequadas, também podem mascarar sintomas de problemas mais graves.
O estudo foi desenvolvido na área de abrangência da Estratégia de Saúde da Família
(ESF) Adolfo Groth, que reúne os bairros Professor Schisler, Xangrilá, Ipiranga e Morada do Sol, em Passo Fundo. A estudante do curso de Farmácia Kamila Trentin, orientada pela professora Mariza Cervi, observou nas entrevistas realizadas com a comunidade a popularidade do paracetamol. Mais de 65% das 29 pessoas entrevistadas possuía o medicamento em casa para uso contínuo ou em estoque. “O fato mais marcante foi que a população de abrangência desconhecia que o uso abusivo de paracetamol pode ser tóxico ao fígado”, relata Kamila.
Tome com cuidado
Não existe uma dose específica considerada tóxica para o paracetamol – que muitas vezes está inserido em fórmulas de medicamentos antigripais. De acordo com Kamila, os vários pesquisadores que estudam o tema não têm um consenso sobre isso. Sabe-se que ela varia de paciente para paciente. “Vários fatores podem favorecer uma intoxicação por paracetamol independente da dose administrada pelo usuário por meio da automedicação”, acrescenta. De acordo com um dos autores pesquisado por Kamila, doses de 150 e 200 miligramas por quilo, respectivamente em adultos e crianças, são passíveis de causar danos. Mesmo assim, não se descarta a possibilidade de dano com doses menores. A possibilidade aumenta quando o medicamento é usado concomitantemente ao consumo de álcool.
Por diminuir a dor e também normalizar a temperatura do corpo em casos de febre, o paracetamol pode mascarar sintomas comuns a problemas de saúde mais graves. Em casos de infecção, por exemplo, ele pode diminuir a febre e existe a possibilidade de a infecção se manifestar mais tarde de forma mais agressiva, conforme explica a pesquisadora.
Outros medicamentos
Nas residências onde o questionário da pesquisa foi aplicado foram encontrados outros tipos de medicamentos armazenados como dipirona e ibuprofeno. “Estes em estoque na casa das pessoas entrevistadas e adquiridos sem receituário adequado, evidenciando automedicação, assim como o paracetamol”, acrescenta a professora Mariza. Para ela, o trabalho realizado nas comunidades, referente ao uso racional e descarte correto dos medicamentos, perde força com a nova medida da Anvisa. “Certamente, quando facilitamos o acesso aos medicamentos, estaremos incentivando o uso incorreto, abusivo e sem orientação, favorecendo o livre comércio de produtos potencialmente perigosos. Não concordamos com a posição assumida pela Anvisa, bem como órgãos de Classe como os Conselhos Federais de Farmácia e de Medicina também posicionam-se contrários a esta medida, encarando-a como um retrocesso ao cuidado com a saúde”, completa a professora.
Informação toxicológica
Dados do Centro de Informação Toxicológica do Rio Grande do Sul (CIT/RS) mostram que entre os anos 2005 e 2008 foram atendidos mais de 24 mil casos de intoxicação humana por medicamentos, entre eles 1.661 com paracetamol, representando, em média, 7% do total.
Confira alguns dos sintomas em casos de intoxicação por paracetamol:
Nas primeiras horas os sintomas são: leve mal-estar, náuseas, vômitos, palidez e dor de estômago;
Após um ou dois dias esses sintomas aumentam e começa uma dor no lado direito do fígado;
Entre dois e cinco dias ocorre o efeito máximo da falência das células hepáticas.
A leitura da bula é fundamental para identificar os possíveis efeitos adversos que o medicamento pode causar.
Estudo
A pesquisa foi aplicada pelos estagiários envolvidos no Programa pela Educação para Saúde (PET-Saúde). As entrevistas foram realizadas no período de maio a junho de 2011, com um integrante de cada família visitada. A pesquisa recebeu o Prêmio Impacto Social na XXI Mostra de Iniciação Científica da UPF.