OPINIÃO

As palavras

Por
· 3 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

O paraninfo Dr. Rudah
Muitos episódios da vida social e política estão  entre os que não poderiam, jamais, serem esquecidos. Há outros que são insistentemente colocados no pódio da memória, embora de questionável importância. Pois bem, o médico Dr. Rudah Jorge, na ausência do paraninfo da primeira turma de Medicina de Passo Fundo, e como professor homenageado especial da turma, foi o orador oficial. Naqueles duros anos de 1975, marcado pelas posições em defesa da liberdade, o irrequieto mestre era vigiado em suas palavras. Mesmo assim, esgueirando-se por entre pilastras da censura, galgou a tribuna maior da primeira formatura de Medicina. Todos sabíamos do tom cortante de suas palavras perante um monopólio esdrúxulo do pensamento e expressão de vontades. O Cine Pampa esnobou pompa e envergadura. Superlotado para a  solenidade histórica.

As palavras
As primeiras palavras de saudação foram escassas expressões que sempre eram excedíveis no trato com autoridades constituídas. Nós espectadores até que esperávamos alguma alfinetada no então sistema opressor. Subitamente, porém, fez-se um silêncio na platéia quando Rudah Jorge ousou o inesperado, citando o nome do poeta e pensador russo Vladimir Maiakóvski. Não bastasse a genérica suspeita ignara sobre qualquer nome eslavo, estavam ali as primeiras e estridentes palavras odiadas pelo poder da época: “Na  primeira note eles  se aproximam/ e roubam uma flor/ do nosso jardim./E não dizemos nada./ Na segunda noite já não se escondem;/pisam as flores./ Matam nosso cão,/ e não dizemos nada./ Até que um dia,/o mais frágil deles / entra  sozinho  em nossa  casa,/rouba-nos  a luz e,/ conhecendo nosso medo,/ arranca-nos a voz  da  garganta./ E já  não podemos dizer nada”.  Os semblantes dos homens  de proa do governo foram tomados de rubor  coletivo. Aquele orador ousado estava a citar palavras de inconformidade com a opressão. A solenidade foi verdadeiro sufoco, com desdobramentos que sabíamos imprevisíveis. E Rudah só não foi afastado do cargo de diretor-médico  do São Vicente por que o  então bispo Dom Cláudio, acreditado  no poder,  defendeu a permanência do jovem médico,  que dinamizava o corpo clínico da organização hospitalar que hoje  é destaque no país. As invocações do orador oficial, falando em liberdade veio causar  espécie por muitos anos. Sua fala soou como invasão de um teco-teco no espaço aéreo do Pentágono. E, certamente, depois do pronunciamento ousado e corajoso do professor Rudah, as cidadelas da mordaça foram rigorosamente reforçadas nos  auditórios oficiais.  

Resistente
Aquilo tudo não aconteceu por acaso. Algumas pessoas já marcadas pela irreverência à censura foram a inspiração suficiente para muitas lideranças políticas que precisavam ouvir algo mais próximo à liberdade. O médico Rudah Jorge, além de brilhante profissional, iluminou aquela lúgubre década de setenta, encorajando jovens a defender a liberdade e resistir aos insultos dos opressores.

Universidade Federal
O episódio foi lembrado num dos momentos mais importante da história do ensino superior de Passo Fundo. Isso por que Rudah  é figura de inconfundível grandeza apoiando e atuando   diretamente na instalação do Curso de Medicina da Universidade Federal Fronteira Sul. Parece-nos venturosa a vida profissional de um mestre que enfrentou briosamente as  divergências e mais uma vez  entra  para história pela  sua colaboração e  grandeza.

Retoques:
* O reitor da UFFS  Passo Fundo, Jaime Giolo, trouxe a empolgante notícia de que o governo federal ordenou que iniciasse logo a instalação do Curso Federal de Medicina. Foram mais de 50 anos de luta por este curso federal,  dando oportunidade também ao menos  favorecido para cursas uma  faculdade. Quem sangrou suas economias como eu, sabe muito bem o que  custava um desses cursos em universidade particular.

* Os  convivas  de Mesa Um do Oasis terão sessão especial hoje, quinta-feira, no Comercial. A  recepção é do presidente vitalício Dr. Rui Carlos Donadussi. O presidente quer manter o élan, ou elã, como se usa modernamente. Lembro que na a década de 60 a palavra élan era muito usada, oriunda do francês, com versão  também  em alemão com a mesma grafia.

Gostou? Compartilhe