Cirurgia inédita separa gêmeas siamesas

Procedimento ocorreu no Hospital São Vicente de Paulo na última terça-feira (2). Meninas, que estão com oito meses, passam bem. Esta foi a primeira vez que um procedimento dessa natureza foi realizado no interior do Estado

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Glenda Mendes/ON

Karolyn e Kauany, gêmeas siamesas nascidas em Passo Fundo no dia 31 de janeiro deste ano, foram submetidas a cirurgia de separação na última terça-feira, dia 2 de outubro, no Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), e passam bem. Esta foi a primeira vez que um procedimento dessa natureza foi realizado no interior do Estado e, diferente da maioria dos casos, em que apenas um gêmeo sobrevive, as irmãs têm chance de viver uma vida normal. A cirurgia durou cerca de 9 horas e foi liderada pelo médico Gustavo Pilleggi Castro, que teve o acompanhamento dos anestesistas João Manuel Sasso e Bruno Gregório e do cirurgião Paulo Reichert. Todo o procedimento e internação estão sendo feitos pelo Sistema Único de Saúde.

A mãe das meninas, Adriana Ribeiro, de 31 anos, mora em Marau e foi encaminhada para o HSVP tão logo foi constatada a possibilidade da gestação de siameses, o que ocorreu no quinto mês de gestação durante a realização dos exames e consultas do pré-natal. Desde então, Adriana vem sendo acompanhada pela equipe do HSVP. “Estamos acompanhando este caso desde o final do ano passado, quando a mãe foi encaminhada para o HSVP para fazer uma avaliação”, explica Castro. De acordo com ele, a cirurgia de separação somente aconteceu agora porque as meninas precisavam ganhar peso e criar resistência para passar por um procedimento desse porte. “Graças a toda equipe e à estrutura do hospital, a estrutura anestésica, pois sem eles não seria possível, a ajuda do Paulo, as meninas estão bem agora. Elas estão na CTI e começando a se alimentar, não estão mais entubadas, todo o processo do pós-operatório já está se resolvendo e elas estão bem, então achamos que esse era o momento para dividir essa história”, destaca o médico.

De acordo com o cirurgião Paulo Reichert, esta foi a primeira vez que o HSVP realizou uma separação de gêmeas siamesas. “É um desafio cirúrgico enorme e temos que parabenizar o Gustavo que chefiou toda a nossa equipe e os colegas anestesistas. Normalmente, quando se separam siamesas, uma falece e uma sobrevive, este é o habitual”, completa o médico, que participou da cirurgia no momento da separação dos fígados, que eram totalmente unidos. “Mesmo com tantos anos de trabalho, não é nada fácil, mas é muito gratificante, porque as meninas estão bem, graças a uma enorme complexidade do hospital em atender e permitir que se faça um procedimento dessa monta. A fisiologia da separação é muito complicada, especialmente porque elas dividiam vários órgãos. A estrutura do nosso centro cirúrgico é maravilhosa, tivemos uma estrutura ímpar, não houve sangramento e as meninas estão muito bem, terão vidas boas, saudáveis”, salienta Reichert.

Conforme o diretor do HSVP, Rudah Jorge, o envolvimento da equipe médica foi total desde a chegada da mãe ao hospital. “Este é um caso raro, difícil de acontecer e que aconteceu aqui para nós. Desde o início todos nós médicos nos envolvemos com o caso, até que fizemos uma reunião para decidir o que faríamos com as duas crianças, de preferência que a equipe entrasse para a sala com o objetivo de salvar as duas”, destaca.

 Em casa, pela primeira vez

Os pais, Adriana Ribeiro e Juliano do Amaral e Silva, não escondiam a alegria pelo sucesso da cirurgia e pela possibilidade de levar as meninas para casa pela primeira vez, o que deve acontecer em dez dias, caso elas não desenvolvam alguma infecção. “No momento em que eu soube que os bebês eram siameses, fiquei bem apavorada, porque eu já estava com cinco meses de gestação e amamentava uma bebezinha de dois aninhos, mas desde então a gente começou a ter um cuidado maior para poder fazer o pré-natal e eu sabia que poderia as crianças nascerem antes”, conta Adriana.

Desde o nascimento as meninas estão internadas no Hospital São Vicente, o que fez com que a rotina dos pais mudasse radicalmente. Juliano e Adriana se revezam entre as tarefas em Marau e as vindas a Passo Fundo para ficar com as gêmeas. Juliano é mecânico de manutenção e Adriana é dona de casa e mãe de outras duas meninas, Thauany, de 9 anos, e Kemily, de 2 anos.

“Foi um alívio muito grande depois da cirurgia. O São Vicente nos acolheu desde o princípio. Fui muito bem atendida, a equipe médica deu apoio e coragem o tempo todo, nunca nos desanimaram, dizendo o que podia dar de errado, sempre pensando positivo. Estamos muito felizes”, afirma Adriana, lembrando que a família está ansiosa pela chegada das meninas, especialmente as irmãs mais velhas. “Hoje (8) elas foram desentubadas e foi uma alegria pra nós, estávamos esperando isso”, completa o pai.

 O caso

Karolyn e Kauany são um caso raro de gemelaridade conjugada, onde elas eram unidas por todo abdome, desde o fígado, os intestinos, a parte da bexiga e parte genital. A parte óssea era separada completamente, então isso permitiu que mantivesse as duas íntegras e perfeitas, conforme informou a equipe de médicos. Pela complexidade do caso na parte intestinal e genital, elas ainda terão que passar por pelo menos outras três cirurgias cada uma, mas a expectativa é que elas tenham uma vida normal e independente.

“É estimado que a cada 50 mil nascimentos de crianças vivas pode acontecer um caso de gêmeo conjugado, de qualquer tipo. E desses, 6% é índice de casos como o que tivemos, de gêmeas onfalópogas, que é quando nascem com todo o abome conjugado”, explica Castro. Apesar de serem unidos, o fígado de cada uma era independente. “Elas tinham uma área comum muito grande, mas a parte da vascularização era independente, a drenagem da bile também e elas tinham as duas bexigas e o intestino grosso num sistema comum”, conta.

Os riscos da cirurgia não dar certo eram muito grandes: “muitas dessas crianças acabam morrendo no pós-operatório imediato, ou no inter-operatório por sangramento. Era um risco grande, uma cirurgia de muito grande porte, e com risco muito grande. Todo o preparo, o estudo, os exames que foram feitos, o tempo que elas demoraram para ganhar peso, para crescer, para aguentar a cirurgia foi tudo pensando no sucesso”, comemora Castro.

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