Hoje, 18 de outubro, iniciei o dia visitando meus pais que descansam ali no Memorial da Paz. Fui vê-los sempre com a imensa dor da saudade porque eles sempre ligavam para os cumprimentos ao dia do médico. Agora, infelizmente não ligam mais. Mas, eu faço a ligação permanente que nunca se apagará porque há certas coisas, não muitas, é verdade, que nossas mentes guardarão como tesouro.
Neste dia 18 lembrei da reverência de meu pai fazia à mítica figura do médico, a cultura, os lances humanitários, as apoteoses nas curas das enfermidades. Minha mãe era do tempo do folhetim O Direito de Nascer e seu principal personagem, Dr Albertinho Limonta, médico de origem humilde, repleto de valores morais, éticos e sociais. Quando, depois das naturais dificuldades consegui me formar ali, naquela noite, há trinta anos, meus pais guardaram em seus corações e mentes a liga que nunca se apagaria, a liga do filho gerado entre o folhetim que minha mãe curtia e do sonho do meu velho pai, matuto, oriundo da colônia, em ter um filho médico.
Quando me formei estava mais feliz por eles do que por mim e achei que eles é que deveriam estar ali no palco para receber o canudo. Tenho a ligeira impressão que morreram orgulhosos do filho e de seus caminhos que nunca se desvirtuaram de sua origem. Vejam vocês que o Sr José Genoíno foi justiçado pelo Supremo Tribunal de Justiça por diversos crimes envolvendo corrupção e mau uso de dinheiro público. Sua filha mandou uma carta a Eduardo Suplicy que a leu no Senado, leitura entrecortada por lágrimas do parlamentar paulista. A carta continha a descrição das lutas do jovem José Genoíno contra o autoritarismo militar, suas torturas, suas prisões e das longas ausências ao convívio familiar.
Conta também dos sonhos de Genoíno a um Brasil com justeza social e com a ampla liberdade à escolha de caminhos. Suplicy chorou em razão de uma manifestação repleta de simbolismo de uma filha atordoada a um pai que poderá voltar para a prisão, não por autoritarismos militares, mas por descaminhos. Havia um caminho, Genoíno escolheu um descaminho e foi pego juntamente com alguns. Suplicy chorou e não sei bem porque, se foi pela cândida carta de uma filha que tem a romântica imagem do pai enquanto sua biografia se esfacela em seus últimos capítulos, tal qual Carminha na novela que se encerrou ou se foi pela imagem corroída do velho companheiro de lutas e que vestia disfarces que talvez nem mesmo Suplicy conhecesse. Vejam vocês enquanto eu visitava o túmulo de meus honrados pais e chorava de saudade, lembrei da filha de Genoíno e a desconstrução da imagem de um dos caras em que milhões de brasileiros confiaram o destino de um novo Brasil, um país de todos e para todos. Quase todos foram pegos, só falta o chefe.
O ex-presidente não sabia, ah se ele soubesse. Pobre dos filhos a quem resta prantear apenas a imagem familiar de um pai enquanto o mesmo é julgado como um pária. Você...está bem na foto para sua família e para a sociedade? Ou isso não te preocupa? Olha o momento Carminha...
A minha geração de médicos, os que têm entre 50 e 65 anos, encontra-se na fronteira entre os românticos profissionais que não dispunham da tecnologia de diagnósticos e dos tratamentos à disposição atualmente. Pelas limitações existentes o caminho do sucesso ao tratamento do pacientes subentendia a conversa demorada e o exame físico detalhado. Alguns de nós passavam ao lado dos pacientes terminais, em longas e intermináveis noites até o óbito. Muitos de nós cumpriam o desiderato médico: curar, se possível, mas confortar sempre. Era uma medicina de vocação.
A geração atual mudou a maneira de tratar os pacientes porque há um arsenal de exames e de opções para os diagnósticos. Terceirizamos a conversa e o exame físico para as máquinas e despersonalizamos o tratamento. O mundo ficou mais competitivo e o interesse comercial mercantilizou a profissão que agora é mais isso do que vocação. Não, não somos melhores do que os médicos mais jovens, longe disso, são nossas crias. Eles pertencem ao admirável mundo novo, o tecnológico enquanto a gente, troglodita, era de um mundo mais romântico, a tal ponto que nos importávamos com a imagem que deixaríamos de herança aos filhos, herança de integridade não somente dentro de nossas casas, mas também num mundo de sociedade. Vou confessar, quase chorei ao ver Suplicy chorando porque a gente é assim, meio troglodita, que ainda chora pela honra reconhecida ou perdida nos descaminhos.
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