Barbarella era heroína de histórias em quadrinhos criada em 1962 e que foi levada à tela pelo diretor Roger Vadim em 1968 fazendo com que Jane Fonda (filha de Henry e irmã de Peter) se tornasse, no imaginário dos rapazes de minha geração, nossos sonhos de consumo, tal qual eram Claudia Cardinalle e Raquel Welch. Numa cena antológica ela faz sexo sem que haja conjunção carnal, ou sem penetração, assim numa coisa meio metafísica em que o êxtase é alcançado sem a fricção dos corpos suados. Pensava-se que seria a imagem de um mundo futurista e transmitiria a mensagem que em outros tempos sexo seria coisa do passado.
O homem deixaria de ser aquele troglodita, imagem da rusticidade e o sexo seria apenas um ligeiro atenuante de cargas represadas, ao invés de ser o libelo que ainda hoje é para muitos. O homem do futuro ultrapassaria a carga hormonal e buscaria a carga mental como regojizo, trocaria o prazer carnal pela contemplação, seria menos matéria e mais cerebral. Recentemente Jane Fonda declarou que Roger Vadim brochava e se não é conversa de ex-mulher do diretor começo a pensar que Vadim tentava se retratar antecipadamente por ser um homem do futuro. O caso é que os tempos são outros, 1968 teve outros acontecimentos tão bem esmiuçados na literatura e a gente continua gostando da carne porque pode ser que esse distanciamento até agora seja insignificante, ou porque o filme seja apenas elucubração autobiográfica de Vadim ou, ainda, porque não conseguiremos descartar os instintos que moldam o ser humano como descendente dos animais.
O homem tem desejos e isto é absolutamente natural. Ter desejos vem da parte mais primitiva do nosso cérebro, o sistema límbico. Eu tinha um colega de escola que era chamado de límbico pelo professor de biologia e somente agora fui compreender a razão disso. Esse desejo era incontrolável e o cara em nome dessa tentação também era conhecido em outras esferas como tarado. Se o límbico não fosse tão primitivo é possível que pudesse ser controlado pelas esferas mais desenvolvidas do nosso cérebro que é o córtex, que é o que transforma o desejar em querer. Desejar é irracional e incontrolável e querer é racional e controlável. A gente não busca tudo o que deseja porque filtramos se o objeto do desejo é o que realmente a gente quer. Nós, homens, desejamos Gisele Bundchem, por exemplo, mas nem todos querem-na. A publicidade estrategicamente tenta para transformar o desejo em querer e do querer em necessidade.
O ensaísta e filósofo francês Gaston Bachelard afirma que a humanidade é o produto do desejo e não da necessidade. Muitos desejam ser ricos porque isso levaria à felicidade como desiderato. Os hippies de 1968 tinham idéias iluministas e entendiam que a felicidade derivava da satisfação dos desejos. Os estóicos, ao contrário, entendiam que somente o controle dos desejos, o controle do primitivo que nos habita é que levaria à verdadeira felicidade. Controlar desejos X satisfação dos mesmos é a grande encruzilhada. O desapego é a marca dos orientais e, por isso, enfrentam tão serenamente a morte, entendem-na como processo natural, algo que virá, algo sobre o qual não temos nenhum controle. A gente não, a gente ocidental que somos, sofremos. Até demais. Tudo isso, Barchelard, Hippies, Vadim, Barbarella e Jane Fonda para escrever duas primitivas palavras, enviadas do meu sistema límbico ao pensar que vivo três anos de imensas saudades dos meus velhos pais nesse mês de novembro: puta que pariu.