Aos poucos, a sequência de marretadas compassadas vai forjando o aço incandescente e moldando a forma desejada pelo cuteleiro Ronaldo Franceschi, 29 anos. O trabalho do marauense, que descobriu por acaso o gosto pela arte de produzir facas, já é reconhecido em todo o Brasil. Na semana passada, ele foi destaque no IV Salão Paulista de Cutelaria, vencendo em três diferentes modalidades.
“Procuro chegar mais perto da perfeição possível. É preciso ter muita dedicação e cuidar de todos os detalhes até a finalização da peça” revela o jovem. Formado em administração de empresa, Franceschi não vem de uma família de cuteleiros. Ele descobriu o talento para a atividade ao trocar o cabo quebrado de uma faca marca Soligem, presente do avô. Um amigo gostou do trabalho e pediu que fizesse o mesmo conserto em uma de suas facas. A fama se espalhou rapidamente e novas encomendas foram surgindo. “Tinha um esmeril, então passei a fazer polimento, alinhamento e troca de cabos” lembra. A guinada na carreira veio em 2008, após a participação de um curso de cutelaria, na cidade de Nova Petrópolis, ministrado por Luciano Dorneles, uma das principais referências na América Latina.
Dois anos depois, o marauense já era o vencedor no Salão Paulista de Cutelaria, com o prêmio de melhor faca gaúcha, feito que se repete há três anos seguidos nesta modalidade. Na edição realizada semana passada, ele venceu também as categorias, melhor faca de campo (campeira), melhor faca de caça e melhor bainha. A avaliação é feita a partir de critérios como: geometria de lâmina e de cabo, alinhamento, acabamento, qualidade do material do cabo, harmonia da peça, e conjunto.
Franceschi divide o tempo entre as atividades na loja de ferragens, caça e pesca, mantida há 50 anos pela família, em Marau, e o trabalho noturno e solitário na oficina montada na vizinha Vila Maria, distante cerca de 15 quilômetros. Situação que, segundo ele, deve mudar a partir de janeiro. Com encomendas programadas para até a metade de 2013, planeja deixar a loja e se dedicar exclusivamente à produção de facas.
Como a atividade é realizada totalmente de maneira artesanal, Ronaldo chega a trabalhar até 90 horas para a produção de uma única peça. Rigoroso e preocupado em manter o padrão de qualidade de sua assinatura, não deixar escapar nenhum detalhe. “ Posso estar finalizando uma peça, se percebo alguma falha, ela é totalmente descartada” comenta.
Mesmo rigor adotado na escolha dos materiais. O aço virgem é trazido de Caxias do Sul. Na própria oficina, ele produz o caldeamento de dois tipos de aço, numa temperatura de mil e cem graus, para obtenção do chamado Damasco. A técnica, aplicada pelos antigos samurais na produção das espadas, possibilita desenhos na lâmina, realçados com aplicação de produtos químicos.
Dependendo da exigência e disponibilidade financeira do cliente, o cabo de uma peça poder ser em osso de girafa, chifre de cervo ou de carneiro, madeira estabilizada vinda dos Estados Unidos, marfim de morsa, ou até mesmo, dos pré-históricos mamutes, encontrados, segundo ele, nas geleiras russas. “Todo o material utilizado nos cabos é importado através da internet, seguindo os trâmites corretos. Compro da África, da Europa. O marfim de morsa, por exemplo, considerado o mais valioso, vem do Alasca” explica. Dependendo da opção, os valores das facas variam entre R$ 750 até R$ 2.500.
No mês que vem, o trabalho do cuteleiro poderá ser apreciado na Mostra da Feira Artesanal Gaúcha, que acontece nos dias 8 e 9 de dezembro em Porto Alegre. Para o próximo ano, Franceschi planeja a participação em pelo menos outras três feiras.