Vida louca: são quatro da manhã, plantão que sou eu, chamado ao posto 7 para constatar óbito e descanso de Antônio, Antônio de muitas enfermidades. Dizem que choveu e numa rádio qualquer toca Teletema, no piano de Marcos Valle e na voz de Regininha. Essa música me joga a 1969, na novela Véu de Noiva e na letra de Tibério Gaspar há o relato da morte de sua noiva, num acidente de trânsito com um karman Ghia “ em cada curva sem ter você vou mais só, corro rompendo laços, abraços, beijos, em cada curva é você que eu vejo, no telespaço...”. Vida louca.
O grande Luis Fernando Veríssimo (LFV) está atravessando momentos difíceis em sua saúde por uma suposta infecção de difícil controle. A coisa é assim, solerte e a gente de repente é apeado por uma coisinha qualquer. Diz a ciência que dispomos de 216 tecidos diferentes em nosso organismo. Se algum deles apresentar avaria quedamos inapelavelmente, seja por dor de dente, cólicas, conjuntivite, unha encravada. Mas, além da esfera física há as esferas emocional e espiritual. Então, “que vienga el toro”. LFV sempre conduziu a uma leitura instigante e provocativa, sua escrita delibera sobre crises do cotidiano e termina como a grande comédia humana, isto é, no arremate ele emprega a frase que deve ficar. É por isso que ele é um dos caras que procuro copiar estilo. Há a desgraça do diuturno que se pode, sem ser patológico, transformar em graça. Assim, no entanto, como me encantou pela nobreza e cultura, além da facilidade em expressar idéias, foi o grande responsável pelas mil crônicas que deletei. Escrevia e ao relê-las julgava uma porcaria comparando a qualquer crônica de LFV. Vida louca porque resolvi escrever e publicar, primeiro porque é tudo meio autobiográfico em razão de não possuir a privilegiada e criativa mente de LFV e em segundo porque sei que ele nunca vai ler qualquer coisa que eu vá escrever. LFV me enche de orgulho e me aproxima um pouco da sensação de que se pode ser mais do que se é. Seu pai, Érico, correu e cresceu nos mesmos campos de minha Cruz Alta. Érico quando desenhou o mapa de Santa Fé, centro da obra O tempo e o Vento copiou o mapa de Cruz Alta. Lá é fácil saber onde é o oeste e leste, o sul e o norte. Aqui em Passo Fundo os desenhos irregulares das Avenida Brasil, Rio Grande e da Presidente Vargas sempre me fizeram pensar que a Vila Vera Cruz (bairro ?) era no sul e a São Cristóvão era no norte, mas é o contrário. Metaforicamente, a gente está sempre procurando um norte, não é mesmo?
O ano de 1969 passou e não morreu, arte de LFV também é eterna e nunca será esquecida. Estou torcendo para que ele se recupere e quem sabe, por um desatino qualquer, um dia ele leia algo que escrevi e delete. Aí, eu, por vingança escreverei outras tantas vezes mesmo que seja assim durante a madrugada, no meio de uma chuva, ouvindo o piano de Marcos Valle algo que me faça voar com o pensamento a um norte qualquer dessa louca e maravilhosa vida, que é vivida solitariamente em nossas dores, mas que é magistralmente temperada por artistas do cotidiano do naipe de Tibério Gaspar e LFV. Bonne chance, LFV.