Em 1963 assisti no Cine Rio ao filme Lawrence da Arábia, de David Lean, em que Peter O’Toole, Omar Shariff, Anthony Quinn e Alec Guiness desfilavam seus imensos talentos. Filme extenso, meu primeiro longa-metragem e ali estava eu extasiado, chupando balas de rum – que a gente um dia acreditou que pudessem fazer nossos cunhadinhos pegar no sono – na companhia de minha prima Helena e sua amiga Silvia Mastella. Momentos mágicos, música de Maurice Jarrè, areia, moto, mortes, explosões e o encantamento do deserto.
O filme Prometheus faz uma homenagem ao personagem Lawrence na figura assexuada de O’Toole. Ontem, quarenta e cinco anos depois, assisti a um pedaço do filme com meu filho Ramon. Expliquei muitas cenas, detalhes técnicos, personagens, históricos porque li tudo sobre o filme. Sou um apaixonado pelo enredo, astros e tudo o que cercou essa vida e obra. Sempre que o assisto tenho um quê de deja vù. Parece que me é tudo muito familiar. Até parece que vivi isso tudo. Sempre imaginei que essa impressão do já vivenciado não passasse de um encantamento de minha infância. Há três anos comprei o livro biográfico de Malcolm Brown da The British Library. Nele há fotos e mapas e estratos dos Sete Pilares da Sabedoria, livro escrito por Thomas Edward Lawrence, pormenorizando sua vida na Arábia, Egito e Jordânia. Entre as fotos encontrei uma de 1912 em que Lawrence aparece entre colegas de escola em 1904. Há, no pé da foto, um carinha que é idêntico a uma foto que tirei com meus irmãos quando assisti ao filme em 1963. Quando percebi a semelhança exclamei: tai, eu sabia!
Para quem nunca assistiu é bom saber que Lawrence era aventureiro, sonhador, fazedor de milagres, escritor, historiador, cartógrafo. Assumiu uma posição de relevância na Primeira Grande Guerra na luta entre os árabes e os turcos. Sonhava como uma liga árabe unida. Seus patrões ingleses, assim como os franceses, tinham, no entanto, planos econômicos. Esses planos contavam com o beneplácito do Rei Faissal. Lawrence foi ludibriado pelos ingleses e árabes e passou a ser um estorvo tanto para a “causa árabe”, que não existia de fato, tanto para os ingleses que não tinham o menor interesse na união dos povos árabes, em razão de que a fragmentação era importante para os interesses britânicos no petróleo da região. Lawrence foi ludibriado e usado para expulsar os turcos e, de repente, era um estorvo. Lawrence lembra o personagem John Reed do filme Reds, de Warren Beatty.
Este também acreditou nas causas socialistas de 1917 na Rússia, odisséia narrada no livro Os Dez Dias que Abalaram o Mundo. Também sonhador, foi enganado pensando que as causas partem do coração quando que na maioria das vezes é o contrário; parte dos cérebros “privilegiados” de alguns para manipular os corações de muitos. Sou sonhador e idealista tal qual meia dúzia de idiotas, mas não vejo diferente. Percebi isso ao reassistir ao filme de David Lean e percebi o brilho dos olhos de meu filho, idiota tal qual seu pai. Bem vindo, Ramon ao mundo dos que ainda sonham com um mundo mais humano e com menos apegos materiais e de poder.
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