Segunda colocada no ranking do Estado em número de ocorrências registradas por mulheres vítimas de violência doméstica (atrás apenas de Erechim), Passo Fundo mergulhou na campanha 16 Dias de Ativismo para chamar atenção da gravidade do quadro e conscientizar sobre a importância da denúncia. A programação segue até 10 de dezembro e inclui exposição fotográfica, palestras, intervenções nos ônibus para difundir a lei Maria da Penha, vigília, caminhada e debates.
Os dados que colocam o município na segunda posição no Rio Grande do Sul são fornecidos pela Delegacia da Mulher. De janeiro até o final de novembro foram registradas 3.255 ocorrências, sendo 70% delas de violência doméstica. Isso significa que a cada 24 horas, uma média de 20 mulheres sofre algum tipo de ameaça, injúria ou lesão corporal.
Para a titular do órgão, delegada Claudia Rocha Crusius, a posição do município em relação aos demais se deve ao trabalho realizado pela rede de atendimento disponível na cidade. “Temos diversas entidades envolvidas nessa questão, isso vem refletindo numa maior conscientização das mulheres e, consequentemente, no volume de ocorrências” explica.
Situação que não se mantém quando o assunto é levar adiante o processo contra o agressor. Coordenadora do Projur Mulher, projeto mantido pela Universidade de Passo Fundo, destinado à prestação jurídica e atendimento às mulheres vítimas de violência e familiares, Josiane Petry Faria, revela que apenas 10% delas manifestam o desejo de transformar a denúncia em inquérito policial. Outra parcela, cerca de 30%, deixa de comparecer na audiência de conciliação. “Algumas são coagidas a não participarem, outras se reconciliam” afirma. O índice de ausência é tão elevado que a Justiça chega a marcar até 70 audiências no mesmo dia.
Dentro desta estatística, também estão incluídas mulheres que registram boletim de ocorrência apenas para dar ‘um susto’ no marido ou companheiro, atitude que, segundo Josiane, é equivocada. “ Isto serve apenas para dar mais poder ainda ao agressor. Durante o registro da ocorrência é importante representar contra o autor para autorizar a ação da autoridade policial” recomenda. Em relação aos motivos das agressões, a coordenadora afirma que 70% delas tem a presença de álcool ou drogas ilícitas, principalmente o crack.
Estudante analisa comportamento de homens que mataram suas esposas
Para compreender os motivos da violência doméstica, a formanda em psicologia, na Faculdade Imed, Cerita Bressan, decidiu focar seu estudo no agressor. Em seu trabalho de conclusão do curso, ela apresentou esta semana o artigo“A percepção do sujeito que matou por amor”. A análise é resultado de um ano de investigação e teve como referência o depoimento de quatro detentos do Presídio Regional de Passo Fundo, condenados pelas mortes de suas esposas. Os crimes ocorreram entre 2001 e 2008, três deles em Passo Fundo e um na região.
Estimulados pelo chamado Teste de Apercepção Temática (TAT), os quatro apontaram a traição como motivo dos assassinatos e se colocaram na condição de vítima. “Houve essa vitimização. Em dois dos quatro casos ficou comprovada traição. A decisão de matar a companheira está relacionada com o sentimento de abandono vivido na infância ou em outro momento da vida. A traição para eles é uma forma de abandono, então acreditam que matando a mulher, vai eliminar esse sentimento” explica.
Cerita observa ainda que a postura dos entrevistados é reflexo de uma cultura machista e narcisista. “Na percepção do sujeito, ele é o dono da mulher. Ela é apenas objeto a ser manipulado. Nas entrevistas, quase todos repetiam -Eu dava tudo para ela, eu deixei até ela tirar carteira de habilitação. Ela não precisava trabalhar, sempre teve tudo – caracterizando essa postura” argumenta. Durante os relatos, os detentos confessaram a falta que sentem de suas mulheres. Um deles disse ter matado por amor. “A solução para este problema é muito mais profunda. Não basta apenas punir o agressor, é preciso um trabalho completo com ações preventivas e de orientação às famílias” recomenda.
Depoimento “Ele trabalhava meu psicológico, fui muito torturada”
Enquanto se recuperava de uma cirurgia para retirada de um câncer na garganta, Maria (nome fictício), 35 anos, precisou abandonar a casa, junto com o filho de dois anos, para não ser mais agredida pelo marido. Ela decidiu por fim a uma rotina de violência, no momento em que acordou na sala cirúrgica. “Caiu minha ficha. Percebi a importância de viver cada instante e decidi que não seria mais ao lado dele” disse emocionada.
Há uma semana na casa de passagem, mantida pela Prefeitura Municipal, Maria só pensa em recomeçar uma nova fase ao lado de seus pais, que residem em outra cidade da região. Casada há sete anos, ela disse que vem sofrendo tortura psicológica há pelo menos um ano e meio.
“Em razão da minha doença, ele passou a me chamar de gorda, feia. Dizia que se eu saísse da cidade não encontraria médico especialista para me tratar. Ele trabalhava meu psicológico, fui muito torturada” relata.
As agressões verbais transformaram –se em físicas quando deixou o hospital. “Ele segurou meu pescoço, onde havia feito a cirurgia e quase me estrangulou. Enquanto eu ligava para a Brigada ele me batia. Aí vim para cá. Se soubesse que seria tão bem tratada aqui teria vindo antes. Para mim acabou” desabafou.
Programação 16 Dias de Ativismo
Vigília
Em protesto pelo assassinato de Silvia Aparecida Miranda, morta pelo genro ao tentar defender a filha, integrantes do projeto Mulheres da Paz, do qual ela fazia parte, representante do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e Coordenadoria Municipal da Mulher, realizam a “Vigília por justiça e pelo direito à uma vida livre de violência”, em frente ao fórum de Passo Fundo. O autor do crime está recolhido no Presídio Regional de Passo Fundo.
Mostra fotográfica
A exposição fotográfica “Mulheres da Paz-sso Fundo: defensoras de direitos humanos, realidade do lugar onde eu moro e igualdade, pode ser conferida na Câmara de Vereadores de Passo Fundo. A mostra reúne registros fotográficos feitos pelas mulheres nos próprios bairros onde vivem. Após o dia 10, a mostra será levada para o Shopping Bella Città e teatro Múcio de Castro.
Oficinas
03/12 - Oficina "Nós Mulheres" - 14h - Cras 04 Jabuticabal
04/12 - Oficina "Nós Mulheres" - 14h - Cras 02 Vera Cruz
05/12 - Oficina "Nós Mulheres" - 14h - Cras 03 Planaltina
06/12 - Oficina "Nós Mulheres" - 14h - Cras 01 Manoel Corralo
10/12 - Caminhada Lilás - 14h - saída em frente ao Fórum
1012 - Divulgação da pesquisa "Percepção da violência contra a mulher" do projeto Mulheres da Paz -- 16h -- Local: Câmara de Vereadores
Projur
Instalado no Campus III da UPF, o Projur atende gratuitamente todas as quartas das 13h30min às 17h30min. O telefone para contato é 3316.8576. O email [email protected]