Às vezes me perguntam a razão de eu não publicar um livro juntando minhas crônicas para pleitear cadeira na Academia Passofundense de Letras. Sempre respondo que escrevo por puro diletantismo e sou avesso à idéia de condensar pensamentos. Eles são meus, minhas crônicas são autobiográficas e, puxa, escrevo para meus filhos e netos que um dia virão. Tenho idéias sobre as coisas da vida, sobre as minhas coisas da vida e nunca pretendi que se tornassem coisas das vidas de outros. Penso, por exemplo, que antigamente tínhamos a seguinte classificação para as coisas, todas elas: classificávamos como más, boas e ótimas. Depois, os caras subdividiram e colocaram entre as más e as boas, as regulares. E entre as boas e as ótimas, as muito boas. Dias desses uma amiga referiu sobre sua vida sexual no casamento:“não posso me queixar”, para a inveja de outras mulheres presentes. Algumas, inclusive, parabenizaram pelo suposto desempenho carnal. Houve uma interpretação de que “não posso me queixar” era mais que bom, quase ótimo. Então, perguntei à sortuda: que dirias se contassem que teu marido, quando perguntado sobre a qualidade de seu casamento, teria respondido: “não posso me queixar”. Eu daria uma garrafa na cabeça dele, respondeu, porque eu queria que ele dissesse que nosso casamento é tudo de bom, que é o sonho realizado. Quando se diz “não posso me queixar” analiso que se queira referir a algo como de regular a bom.
No nosso mundo competitivo não basta que se seja apenas bom. Há bons jogadores de futebol no meu Grêmio, por exemplo. Não queremos apenas bons, mesmo porque não ganhamos nada. Quando alguém pede uma referência de restaurante a gente diz: aquele ali é bom ou é muito bom. Mas se a gente pede por um inesquecível, bem...deixa eu ver, talvez no outro lado da cidade... O muito bom está perto do bom que, por sua vez, pode ser apenas satisfatório. Nossas vidas, por exemplo, podem ser boas, muito boas, ótimas ou “não podemos nos queixar”. Voltamos com certa freqüência a um restaurante muito bom, mas sonhamos em retornar ao ótimo. Não queremos um médico apenas muito bom, não queremos apenas um advogado ou arquiteto muito bons, queremos os ótimos. Se queremos os ótimos deve ser porque somos ótimos também, ou não somos? Afinal merecemos os ótimos, ou basta os bons ou os muito bons? Acho que deveríamos querer mais do que uma vida boa.
Ela, a vida, é assim, cheia de cobranças, geralmente de nós ao mundo e não a nós mesmos. Entendo que a vida tem que ser ótima e não apenas um canto triste nos escravos americanos, um soul. Quando se diz que não há queixas, quer me parecer mais esse canto-lamento do que regojizo. Pode ser resiliência porque poderia ser pior. Talvez por essas interpretações semânticas, altamente subjetivas, é que não pleiteio lugar em cadeira de intelectuais. É que, em desvarios momentâneos, julgo-me muito bom e afinal os meus poucos leitores “não têm do que se queixar”.
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