É direito de cada pessoa ter seu conceito sobre governos de países vizinhos. Há vários motivos para criticar avalanche Chavista que tomou conta do comando político da Venezuela. Há flagrantes deformações no ritual democrático, fatos que para nós foram comuns no passado recente, mas que hoje nos parecem estranhos. O Brasil evoluiu mais depressa nos últimos passos rumo da democracia. Nem nos podemos esquecer que houve tempos, de inteira memória, em que pecamos mais gravemente contra a sagrada democracia. Então, entendemos que é preciso ter cuidado ao apontarmos a artilharia de impropérios contra Hugo Chávez e seus seguidores, uma vez que andamos fazendo coisas muito semelhantes na interpretação constitucional onde há impedimento do presidente que não pode assumir por motivos de saúde.
Tancredo Neves
Graças a Deus, com a doença grave de Tancredo Neves (1985), o anunciador e precursor de uma era de respeito ao voto popular, ainda que engolindo sapo bigodudo (Sarney), começamos o ciclo de eleições democráticas para a República, para emergir de obscurantismo. Na data prevista Tancredo estava impedido de assumir por motivo de saúde. Foi período de turbulência política no país que temia o retorno à ditadura. E, finalmente, assumiu o vice, num consenso entre poderes constituídos. Agora, na Venezuela, observa-se uma crise semelhante, temporariamente encaminhada com o voto e apoio popular para adiamento da posse, também pelo executivo, e a Suprema Corte venezuelana.
Lacerda e JK
Por isso é preciso cautela em qualquer arroubo de opinião, para não tomarmos o rumo do principal opositor ao governo Getúlio em 1955, querendo impedir as eleições que proclamaram JK. A fúria protagonizada pela UDN através do jornalista e líder político Carlos Lacerda (grande capacidade intelectual) assombra até hoje o pensamento democrático. Há um ranço de senso comum a impregnar falso moralismo que volta e meia emerge.
Respeito ao enfermo
É preciso desabafar perante a falta de dignidade de usuários dos meios de comunicação eletrônica, protegidos pela infâmia do anonimato, que adotam a postura de difamar pessoas, principalmente no campo político. Na última eleição para presidente, infelizmente presenciamos manifestações estéreis e mesquinhas sobre a saúde da então candidata e hoje presidenta. Pessoas dessa maledicência foram vencidas pela vida, pela saúde da presidenta Dilma e pelo voto popular. A feiúra de caráter foi derrotada pelo bem comum. É preciso entender que o debate, por mais feroz que pareça, pode ter um sentido ético quando a divergência não dispensa a grandeza. Para melhor ilustrar cito a combatividade dos anos 50, exercida por Carlos Lacerda, forte opositor ao trabalhismo, mas altivo nos conteúdos políticos, e encarando sempre de frente o debate. Foi o mais púgil opositor ao governo popular. Mesmo no adversário implacável é preciso reconhecer o critério, sem covardia. Alguns desavisados brasileiros zombam da doença de Chávez. Gracejar sobre o câncer de alguém, inimigo ou não, é extrema covardia. Alguém já disse que a covardia e a inveja são escombros morais encobertos pelas mesmas fezes.
Retoques:
- Cuidado com as expressões mesquinhas: elas revoltam pessoas de caráter.
- Infelizmente persistem alguns comentários de cunho segregacionista que vaticinam o prejuízo da qualidade científica por causa do sistema de cotas em universidades. E aquela aristocracia que assume lugar na faculdade mediante favoritismo, fraude ou compra de vaga? Contribui para a qualidade e competitividade do ensino superior?
- O ministro Mercadante sabe e afirma que é preciso melhorar as condições do ensino básico brasileiro, com urgência.
- Permanece vital a importância das abordagens investigativas do jornalismo numa função que virou missão fiscalizadora dos fiscais. Estão aí os municípios mal administrados, ambulâncias apodrecendo nos pátios oficiais, e até a areia do rio Jacui explorada de forma danosa.
- A propósito, Passo Fundo é referência importante por que é aqui a nascente deste rio, que marca o divórcio com as águas do Prata.