Em janeiro de 1971 meu coração balançava entre Cândida e Mar de Rosas cantadas pelos Fevers e Menina da Ladeira, de João Só. No Rio de Janeiro, Rubens Paiva era arrancado de sua família e foi “morar” nos porões da ditadura militar para, depois de ser torturado física e mentalmente, morrer por hemorragia interna. Tudo isso era sabido, pois consta nos livros Memórias do Esquecimento (Flávio Tavares), Batismo de Fogo (Frei Betto) e Ditadura Escancarada (Elio Gaspari). Somente não era admitido oficialmente pelo Exército, pois de acordo com os documentos “oficiais” dos companheiros do General Silvio Frota, Rubens Paiva estava “desaparecido”, pois fugira, ao ser transportado de unidade do Exé
rcito a outra, quando o fusca em que estava sentado foi abalroado por outro veículo e durante a troca de tiros o detento escapara. Não soube informar, no entanto, como um homem de quase 1.80 metros de altura e com mais de cem quilos conseguira escapar ileso do banco de trás do fusquinha durante o tiroteio. A farsa foi desmascarada recentemente com a descoberta de documentos em poder do coronel reformado morto em Porto Alegre. No período da ditadura militar foram mortas ou “desaparecidas” mais de quatrocentas pessoas e vinte mil foram torturadas.
A maioria não encontrou mais lugar para trabalhar, professores e autoridades intelectuais foram banidas. Duas faces da geração de jovens foram para o beleléu. Os que se rebelaram contra o golpe e os que foram abandonados socialmente pelos governos que se seguiram. Não se sabe precisar o número de seqüelas morais e sociais aos familiares dos chamados “subversivos”. É um capítulo trágico da maior vergonha a que o Exército Brasileiro foi submetido. A maioria dos milicos que eu conheci é formada de gente honrada e que somente obedecia a hierarquia e, absolutamente desconhecia o que se passava num submundo em que Sérgio Fleury mandava mais do que os da caserna.
Os cidadãos mortos e torturados eram na maioria adolescentes e estudantes universitários, grande parte oriunda das faculdades de Medicina. Nunca entendi porque os rebelados contra um sistema ditatorial eram chamados de subversivos. Subverter-se a uma ditadura é ser subversivo? A Presidente Dilma, ao olhar para os mais de duzentos mortos em Santa Maria deve ter lembrado de quantos adolescentes espancados e mortos nos anos em que eu curtia os Fevers. Chorou com lágrimas de deja vu, chorou porque os mortos tiveram suas trajetórias abortadas por insanidades.
As iniqüidades cometidas antes eram contra os subversivos e os donos do poder eram os generais. As iniqüidades atuais estão em cada esquina, em cada casa de shows e os mortos continuam a ser os jovens. Só que o chefe, agora é ela, a “ex-guerilheira”. É comum no Brasil a gente prender os pequenos e acobertar os grandes. Como é que as casas noturnas estão funcionando e em que condições de segurança é o que se pergunta. Os generais empurraram a culpa aos subalternos torturadores e assassinos. Será que vamos penalizar somente o cantor e o dono da boate?
Coragem presidente ainda há muito a ser feito a um país em que os jovens um dia tiveram que sair à luta, armada inclusive, para conquistar o direito do bem maior de todo cidadão, a liberdade.
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