A fila é grande. No Hospital Municipal Dr. César Santos (HMCS) diariamente cerca de 170 pessoas procuram o pronto-atendimento onde dois médicos por dia se revezam para dar conta da demanda. O Rio Grande do Sul é o quarto estado brasileiro em número de médicos em relação à população, com 2,37 profissionais para cada mil pessoas. Em Passo Fundo, essa relação é ainda maior, 4,92 médicos por mil habitantes. Mesmo assim há dificuldade para contratar em algumas áreas atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Um processo seletivo aberto pelo HMCS para a contratação de 12 profissionais está com baixa procura. Os motivos são os mais variados.
Até a última semana o número de profissionais inscritos era de apenas dois frente as 12 vagas abertas. O número de contratações foi calculado pela direção do hospital para que cada profissional cumprisse um mínimo de 12 horas semanais e que não fossem sobrecarregados pela carga horária. De acordo com o diretor geral da casa Fabiano Bolner, essa definição levou em conta que muitos médicos realizam plantões em mais de uma instituição. No último ano, foram realizados três processos seletivos que resultaram na contratação de 11 profissionais. Dois deles já deixaram o cargo.
Para atender toda a demanda, há sempre, no mínimo, um profissional em atendimento. Porém a necessidade seria de dois em atendimento simultâneo para dar uma melhor vazão à demanda. “Com apenas um médico, o serviço não fica descoberto, mas a população sofre com a demora”, pontua. Atualmente nove médicos se revezam nos plantões. A intenção é realizar um concurso para contratação de novos médicos, no entanto o processo é demorado em função da necessidade de criação de cargos.
Inscrições
As inscrições para o concurso podem ser realizadas pelo candidato, ou por meio de procuração, até 25 de fevereiro, de segunda a sexta-feira, das 8h às 11h30 e das 13h30 às 17h, no Setor de Recursos Humanos do HMCS. Outras informações podem ser obtidas no site da Prefeitura, ou pelo telefone 54 3316-4500.
Um problema regional
A dificuldade de contratação de profissionais para atuar na rede pública não é uma exclusividade de Passo Fundo. Conforme a secretária de Saúde de Marau Sandra Brollo o município tem hoje 12 unidades da estratégia da saúde da família, porém apenas quatro médicos estão atendendo atualmente, em razão das férias de outros quatro. Um processo seletivo para a contratação quatro profissionais está em fase de conclusão. Agora é necessário que os aprovados compareçam para a efetivação da contratação e que a partir de março o problema seja solucionado.
Uma das alternativas para atrair os profissionais foi o reajuste salarial para tornar as vagas mais atrativas. O aumento de 14% foi aprovado pela Câmara de Vereadores em fevereiro, e em março deve haver um novo acréscimo junto aos dos demais servidores municipais. “Hoje os médicos das equipes estão se revezando para ir nas outras unidades e isso superlota nosso pronto atendimento”, esclarece Sandra. O município mantém convênio com o Hospital Cristo Redentor que presta o serviço de pronto-atendimento que acaba absorvendo a demanda excedente.
Não é apenas o salário
A remuneração inapropriada para a categoria não é o único motivo que afasta os profissionais para atenderem pelo SUS. A presidente da Associação Médica do Planalto (Ameplan) Sabine Chedid explica que, de um modo geral, os baixos investimentos do governo na saúde pública comprometem a estrutura necessária. Na opinião dela, hoje há profissionais disponíveis e com interesse em prestar atendimento por meio do SUS, mas que têm receio de enfrentar dificuldades com falta de equipamentos, tecnologia e mesmo de materiais.
Sobre o caso de Passo Fundo, ela esclarece que existem grandes instituições que atendem pelo SUS e que a partir do momento em que o paciente é internado ele tem acesso a toda a estrutura disponível. “Por outro lado, sabemos da dificuldade de se conseguir uma vaga. As emergências estão sempre lotadas. O difícil é entrar”, reforça. Quando o atendimento é feito exclusivamente pelo SUS a falta de acesso a algumas tecnologias ou mesmo a falta de materiais compromete a qualidade do trabalho. Ela cita ainda casos como o do Reino Unido e Canadá que destinam de seis a oito por cento do PIB para a saúde, enquanto no Brasil esse valor é menos da metade.
Sandra lembra ainda que no último ano as entidades representativas da classe médica entregaram um documento ao Ministério da Saúde para chamar a atenção a todos os obstáculos que comprometem a assistência médica por meio do SUS. “Até hoje os médicos não tem plano de carreira municipal e talvez fosse uma maneira de resolver alguns problemas, até para o próprio Hospital Municipal”, sugere.
Distribuição dos médicos
O Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou recentemente o estudo Demografia Médica no Brasil 2: Cenários e Indicadores de Distribuição. A pesquisa apontou que o país tem atualmente dois médicos para cada mil habitantes. No entanto há uma grande diferença na distribuição desses profissionais. O Sudeste lidera o ranking com 2,67 profissionais por mil habitantes, seguido pelo Sul, com 2,09, e pelo Centro-Oeste, com 2,05. Já no Nordeste, o índice é 1,23 e no Norte, 1,01.
A distribuição desigual fica ainda mais evidente entre as unidades da Federação. O Distrito Federal (DF) lidera com 4,09 médicos por mil habitantes, seguido pelo Rio de Janeiro (3,62), por São Paulo (2,64), pelo Rio Grande do Sul (2,37), pelo Espírito Santo (2,17) e por Minas Gerais (2,04). Dos 388 mil médicos no país, 55,5% atuam no Sistema Único de Saúde (SUS).
Número suficiente
O presidente do CFM, Roberto Luiz D’Ávila, declarou em entrevista à Agência Brasil que o país conta com um número de médicos suficiente para atender a demanda e cobrou do governo federal a criação de um plano de carreira capaz de atrair profissionais para áreas de menor cobertura, como no interior do país. Além da criação de um plano de carreira semelhante ao do Poder Judiciário, com possibilidade de educação continuada e dedicação exclusiva, o CFM defende a abertura de vagas de residência médica para cada aluno formado em medicina.
O relatório afirma em suas conclusões que “embora cada vez mais numerosos, os médicos se concentram em certos territórios, em certas estruturas e em certas especialidades e atividades que não apresentam, todas elas, as mesmas atratividade e distribuição. Os desequilíbrios na repartição geográfica, especializada e funcional indicam carências de médicos. Mas não é possível, com base nos dados consultados, afirmar que há excesso de médicos, mesmo nas áreas e contextos de alta densidade de profissionais”.
Desigualdade
Enquanto a média do Rio Grande do Sul é de 2,37 médicos por mil habitantes, em Passo Fundo essa relação é de 4,92 para cada mil – dado não incluído na pesquisa e baseado na relação entre a população apontada no Censo 2010 e nos registros do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul para o município. O professor e diretor da Faculdade de Medicina da UPF Adroaldo Baseggio Mallmann destaca que a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza pelo menos um médico para cada mil pessoas. Ele explica que a concentração encontrada no Estado e também no município se deve ao desenvolvimento regional, e da existência de 11 escolas médicas em todo o Rio Grande do Sul.
Mallmann cita um estudo que aponta que a preferência dos médicos pelo local de atuação é baseada em três aspectos principais: o primeiro é onde realizam a faculdade; segundo onde realizam a residência médica; e em terceiro onde nasceram. “Outro dado é de que os médicos tendem a ficar em áreas com maiores recursos médicos. E isso se deve a judicialização da medicina”, acrescenta.
A criação de um plano de carreira semelhante ao existente no poder Judiciário poderia atrair os profissionais para trabalhar em locais mais distantes. O professor aponta ainda que a criação de faculdades de medicina nos locais onde faltam profissionais poderia ajudar a diminuir o problema, tendo em vista os aspectos apresentados anteriormente.
Remuneração inadequada
De acordo com o professor, a remuneração dos médicos hoje é inadequada tendo em vista todo o investimento feito em formação por esses profissionais, que inclui os seis anos de faculdade e pelo menos mais três após a graduação para ter uma especialidade. “O médico de família é fundamental, porque 80% dos problemas são possíveis de se resolver nas unidades de saúde. Esse profissional precisa estudar no mínimo mais três anos após a conclusão do curso”, finaliza fazendo referência aos valores pagos.
Dados da Pesquisa Demografia Médica no Brasil, 2013 para o RS
Número de médicos – 25.541
Número de generalistas – 8.611
Número de especialistas – 16.930
Passo Fundo
O município de Passo Fundo tem 910 médicos registrados no Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul.
Rio Grande do Sul (2,37)
Dado Cremers número de médicos Passo Fundo
O município de Passo Fundo tem 910 médicos registrados.
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