Unidos para ajudar o papeleiro Chicão

Voluntários se unem para ajudar a reformar o veículo do Chicão da Associação Passo-fundense de Papeleiros

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Há 25 anos, Valdelírio Nunes de Souza, de 68 anos, mais conhecido como seu Chicão, percorre as ruas da cidade para fazer o trabalho de reciclagem. A caminhonete Chevrolet C10, ano 1972, cor azul, é a sua companheira há cerca de duas décadas neste serviço. A má notícia é que a fiel escudeira do seu Chicão está em estado precário e não possui mais condições de trafegar pelas ruas para arrecadar materiais recicláveis e doações da comunidade. O grupo Passo Fundo Reclame Aqui, existente em uma rede social, já começou a ajudar. No entanto, o grupo precisa da contribuição de muitos outros passo-fundenses para realizar este e outros sonhos do seu Chicão, conhecido por montar uma biblioteca com 12 mil livros, sendo que a maioria foi encontrada no lixo.

Seu Chicão trabalha para o próprio sustento, para manter a estrutura do galpão, no bairro Industrial, e também para ajudar o próximo. Com o pouco que ganha com a reciclagem faz muito pela comunidade. “Eu recolho doações como roupas, calçados, móveis, eletrodomésticos e eletroeletrônicos usados e distribuímos para aqueles que necessitam. Saio as cinco horas da manhã e volto as oito horas da noite para recolher o material dos contêineres também”, explicou o papeleiro.
O principal desafio neste momento é arrumar a caminhonete que foi adquirida há duas décadas por meio de doação de verbas. “A necessidade agora é arrumar a caminhonete. Ela está ultrapassada. Além do motor, a lata está muito ruim. O meu desejo seria conseguir dinheiro pra comprar uma nova, falar com empresários que pudessem ajudar. Ela estraga na rua e só dá despesa. Há alguns dias ela está parada porque estragou de novo”, disse Chicão.

O estado da caminhonete entristece o papeleiro. “Foi tão difícil de conseguir. Ela está sofrendo muito, pobrezinha. A minha mulher fica até com ciúme. Vira e mexe ela fala que a amante estragou de novo”, brincou o papeleiro.

Comovidos com a causa
Voluntários que fazem parte do grupo Passo Fundo Reclame Aqui, de uma rede social da Internet, ficaram sensibilizados com a história do seu Chicão e no início do ano resolveram adotar a causa. O grupo tem cerca de 20 voluntários que trabalham de forma direta e assídua e outros cem que contribuem de forma indireta. Eles fizeram uma mobilização em uma rede social e abriram duas contas no nome do seu Chicão para conseguir verbas para arrumar a caminhonete. Um mecânico e um chapeador farão a reforma e cobrarão apenas o valor das peças. A mão de obra não será cobrada.

O motor será refeito e a lataria receberá melhorias. O valor necessário é de R$ 3 mil. Em quase dois meses de mobilização foram arrecadados cerca de R$ 730,00.  O coordenador do grupo que criou a página na Internet, o promotor de vendas, Rodrigo Nunes Godoy, 39 anos, disse que o desconto nos serviços foi de aproximadamente R$ 7 mil. “Conseguimos um baita desconto para fazer o motor e a chapeação. Só não foi possível incluir a carroceria. Só vamos mandar o veículo para o conserto quando tivermos 70% do valor. Seu Chicão merece. É uma pessoa que faz tanto com tão pouco. São 25 anos ajudando as pessoas. O nosso desejo é ver esta caminhonete pronta”, disse Godoy.

O voluntário, o engenheiro agrimensor, Leodocir Kaiser, 55 anos, enfatizou que esta é uma boa causa para as pessoas ajudarem. “Conheço o seu Chicão há muitos anos. Ele faz todo este trabalho social com pouco dinheiro e consegue ajudar muita gente. Estamos tentando angariar fundos e sei que vamos conseguir. Seu Chicão depende desta caminhonete. Ele já está com certa idade e não tem mais condições físicas para ficar empurrando carrinho”, declarou o voluntário.
O grupo também criará um material para mostrar aos empresários interessados em contribuir com o sonho do seu Chicão. Interessados podem entrar em contato pelo telefone (54) 9605-3694.

Projetos futuros
O grupo também está desenvolvendo um projeto para criar um museu com os milhares de objetos antigos arrecadados no lixo pelo papeleiro. “Primeiro vamos reabilitar a caminhonete e já estamos mobilizados para criar o museu do seu Chicão”, revelou a voluntária e professora Solange Schmitd, 65 anos.

O acervo possui dezenas de discos intactos com coletâneas clássicas importantes. Máquinas de costura, mimeógrafos, vitrola, máquinas de escrever e computadores antigos também fazem parte do acervo. “Nos próximos dias vamos começar a organizar o material. As pessoas poderão utilizar estes objetos para apreciar e até fazer pesquisas. Acredito que a preservação resgata a memória de um povo e é um bem extraordinário na vida da sociedade. Houve um começo para chegarmos na tecnologia atual. Tudo tem uma raiz”, salientou a professora.

Grupo Passo Fundo Reclame Aqui
O Passo Fundo Reclame Aqui é um grupo criado no Facebook onde os participantes podem postar opiniões, desabafos, reclamações e elogios sobre diversos assuntos como problemas no seu bairro, política, má prestação de serviços e assuntos nacionais e internacionais. A única observação é postar opiniões educadas respeitando os participantes. O grupo foi criado há seis meses pelo promotor de vendas, Rodrigo Nunes Godoy. “Trocamos ideias sobre política, problemas sociais, assuntos em evidência e principais temas do município. Não temos bandeiras partidárias e qualquer pessoa pode participar. Temos 130 seguidores”, explicou Godoy.

A voluntária e integrante do grupo que ajuda seu Chicão, Solange Schmitd, está feliz com os resultados positivos. “Criamos este grupo na Internet e conseguimos nos mobilizarmos sem nos conhecermos. Fomos nos conhecer apenas mais tarde. É um grupo sério com muita vontade de trabalhar”, enfatizou a professora.

Como ajudar?
Os interessados em ajudar no conserto da caminhonete do seu Chicão podem fazer o depósito bancário no nome de Valdelírio Nunes de Souza. Confira o número das contas e agências:
- Caixa Econômica Federal: Agência 0494 – Tipo 013 – Nº da conta: 00.030.011-9
- Sicredi : Agência 0228 – Nº da conta: 49918-8

A Biblioteca do seu Chicão
Não dá para falar do seu Chicão sem mencionar a sua contribuição com a literatura do município. Este papeleiro é um dos passo-fundenses que mais honra o título de Capital Nacional da Literatura. Há seis anos, juntou mais de 12 mil livros e montou uma biblioteca extraordinária no seu galpão. A maioria destas obras foi encontrada no lixo dos cidadãos do município. “Tudo começou no lixo. Achávamos um livro e trazíamos para cá. Hoje já temos cerca de 12 mil obras entre doações e arrecadações no lixo”, revelou o papeleiro.

A Universidade de Passo Fundo realizou um trabalho de classificação das obras. Todas estão enumeradas e organizadas. “Temos o livro que precisar seja jurídico, enciclopédias, coleções e obras de todas as espécies. A leitura é essencial”, disse Chicão.

A leitura realmente é essencial para o papeleiro. Estudou até a antiga quinta série, mas sempre foi um apaixonado por livros. O autor preferido de Chicão é Jorge Amado. “Gosto muito dele. Já li muitos livros, mas ele é meu preferido. Já estou no décimo livro de uma das suas coleções. Aprendo com ele”, revelou o papeleiro.

A biblioteca pode ser visitada por qualquer pessoa. Escolas também estão convidadas a visitar o local. O empréstimo das obras é realizado e os leitores só precisam preencher um cadastro. O acervo está armazenado em uma peça dentro do galpão que não é ideal para a preservação física destas obras. “Este já é o terceiro local da biblioteca no galpão. Construímos esta peça com recursos doados. Mas nosso sonho é construir uma estrutura melhor. Aqui tem umidade e infiltrações e não tem nem ventilação. O ideal seria a instalação de ar-condicionado, mas por enquanto estamos tentando conseguir ventiladores mesmo”, disse Chicão.

O futuro da biblioteca preocupa o papeleiro. “Já estou em uma idade avançada. Espero que isso tudo fique de recordação”, estimou.A ideia do grupo Reclame Aqui também é ajudar futuramente a melhorar a estrutura da biblioteca. “Primeiro vamos tentar consertar o carro, depois vamos tentar criar o museu e melhorar a biblioteca”, disse o coordenador do grupo Passo Fundo Reclame Aqui.

Além de obras da literatura nacional, inglesa e até alemã, existem livros de química, física, matemática, português, entre outros. “A biblioteca é extraordinária. É um resgate da literatura. É incrível ver uma pessoa tão simples e com pouco estudo reconhecer a importância destes livros que estavam no lixo”, frisou a integrante do grupo, Solange.

Outra integrante do grupo, Fernanda Gomes, 34 anos, ficou impressionada com a biblioteca do seu Chicão. “Jamais imaginei que tinha tantos livros e peças antigas neste galpão. Seu Chicão é um querido e merece ser ajudado”, salientou Fernanda.

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