Em entrevista à Agência Brasil, a professora de teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Maria Clara Bingemer afirmou que o papa Francisco deve trazer mudanças para a administração da Santa Sé e do Vaticano, mas os católicos não devem esperar por mudanças profundas em questões doutrinárias.
Na avaliação da professora, é esperado que o papa resolva problemas administrativos que assolaram o Vaticano no último pontificado, como a gestão do Banco do Vaticano, imerso em denúncias de envolvimento com lavagem de dinheiro, e o vazamento de documentos internos da cúpula da Igreja Católica. “Tudo isso denota uma administração que está fazendo água. Então acho que ele pode botar ordem na casa, sim. Pode-se esperar que essas questões administrativas sérias sejam enfrentadas competentemente pelo novo papa e a equipe que ele formar. Ele tem experiência de governo, já foi provincial [líder regional] dos jesuítas, foi muito tempo arcebispo de Buenos Aires”, disse.
Segundo Maria Clara, que é especialista na filosofia do fundador da Companhia de Jesus, Santo Inácio de Loyola a formação de jesuíta do novo papa deve trazer novidades ao papado, podendo aproximar o papado dos fiéis em todo o mundo. “Toda a formação dele veio dos exercícios espirituais de Santo Inácio. A formação jesuíta tem muita ênfase na disciplina, na austeridade de vida, na sobriedade, na simplicidade, de estar perto dos pobres. Ele já mostrou isso em seu primeiro encontro com o povo. Ele se apresentou como bispo de Roma e não como papa. Sua cruz peitoral não era rica, como normalmente são as cruzes dos papas. Era de ferro, despojada. Ele estava só com a veste branca, sem sobrepeliz ou estola. Só botou a estola para dar a bênção e depois tirou. Mas também é um homem muito bem formado, intelectualmente. A formação jesuíta leva 15 anos”, explica Bingemer.
De outro lado, sobre a doutrina católica, não é possível esperar muitas mudanças. “Acho que ele é alinhado com a linha teológica dos papas anteriores. Não é um progressista. Não é um amigo da Teologia da Libertação, nem de correntes muito progressistas”, ressaltou.
“Papa quer promover a simplicidade”
Para o padre Alcides Guareschi, o papa, anunciando o nome Francisco, pode estar demonstrando que quer promover a simplicidade. “A interpretação que é possível fazer dessa escolha é que o novo papa quer promover mais a simplicidade, a humildade e a pobreza dentro da Igreja”, afirma. Esse seria uma importante mudança e uma resposta às pessoas que julgam que no Vaticano existe muita imponência e pompa o que, segundo Guareschi, não é compatível com os tempos modernos.
Essa intenção, segundo o padre, já pode ser comprovada na primeira aparição do cardeal como papa eleito. “Ele estava vestido de maneira simples, sem muitos adornos, chamando a atenção para uma vida de mais simplicidade e isso está aparecendo como simpático para a sociedade”, afirma.
Além disso, Guareschi ressaltou a forte personalidade que Bergoglio mostrou até o momento e sua forte ligação com a população, especialmente a da América Latina, o que pode indicar um olhar mais voltado para as diferenças e desigualdades sociais dos países em desenvolvimento.
Um papa com os pés no chão
Cientista político e professor da Imed, Mauro Gaglietti acredita na seriedade do novo papa. Para ele, o momento histórico em que acontece essa escolha, faz crer que ele algumas mudanças estejam por vir. “Na condição de uma pessoa pertencente a uma família de formação católica, e, ao mesmo tempo, tendo uma formação profissional na ciência política, creio que Francisco é o papa dos paradoxos e dos pés no chão na medida em que sua eleição acontece um momento muito delicado da história do Vaticano”, comenta o professor.
De acordo com ele, questões como o possível envolvimento de Jorge Bergoglio com a ditadura militar argentina fez com que alguns grupos daquele país se manifestações contrários a sua eleição. “Muitas foram, por um lado, as manifestações de alegria e comoção de católicos e não católicos pela eleição do primeiro papa latino-americano, lembrado por conhecidos como uma pessoa humilde, que anda de ônibus, cozinha e gosta de futebol. Mas, por outro lado, há na Argentina quem lamente a eleição do cardeal Jorge Bergoglio para o novo líder da Igreja Católica. Grupos de direitos humanos apontaram, por exemplo, uma ligação do arcebispo de Buenos Aires com a ditadura militar argentina. Pelas informações que se têm essa acusação não conta com provas substantivas. O prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel (argentino) afirmou, por sua vez, que o Papa não teve envolvimento com o governo militar, mas que lhe faltou coragem na luta pelos direitos humanos durante a ditadura”, salienta.
Os militantes pelos direitos das pessoas homoafetivas recordaram as posições conservadoras de Bergoglio. “Outra entidade que lamentou a eleição do conclave foi a Federação Argentina de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trans, assinalando uma clara vontade do Vaticano de radicalizar sua posição contrária ao reconhecimento das famílias da diversidade. Durante a campanha pelo casamento igualitário [que virou lei em 2010], o próprio Bergoglio liderou uma cruzada contra o casamento gay. Por fim, acredito que haverá uma mudança na Igreja buscando uma maior aproximação com a base católica e que o Papa Francisco consiga cumprir com seu desejo e pensamento apesar dos obstáculos relacionados à natureza do cargo”, argumenta.