As brincadeiras no tapete da sala demonstram que as gêmeas Kerolyn e Kauany estão saudáveis e completamente adaptadas ao novo lar na cidade de Marau. Nascidas unidas pelo abdômen, elas receberam alta pouco mais de um mês do Hospital São Vicente de Paulo, em Passo Fundo, onde passaram por cirurgia e permaneceram internadas durante um ano e 19 dias. Neste domingo de páscoa, a família Ribeiro estará completa para celebrar a data em casa pela primeira vez. “Agora é só alegria”, resume a mãe, Adriana Ribeiro, 31 anos, sem tirar o olho da pequena Kauany, que engatinha em direção ao degrau da porta. Passadas as primeiras semanas, quando a chegada das irmãs virou o assunto da cidade, e a casa delas, no bairro Jardim do Sol, um dos endereços mais visitados, aos poucos a vida da família vai voltando à rotina.
“No começo foi difícil. Tinha familiares, amigos que vinham nos visitar e nos apoiar. Mas também, muitos curiosos desinformados sobre o assunto pedindo para ver as meninas. Mostrava aqui mesmo da garagem e pronto” relembra a mãe, que se obrigou a colocar cadeado no portão para conter a movimentação. Por precaução, os pais realizaram o primeiro passeio com as gêmeas somente 15 dias após a alta do hospital. No caminho até a igreja central, onde foram agradecer e pedir por mais saúde, Adriana perdeu as contas de quantas vezes teve de parar para conversar e receber palavras de apoio dos moradores. Logo após o compromisso religioso, Kauany e Kerolyn puderam sentir, pela primeira vez, a sensação de liberdade de estar em uma praça rodeada por brinquedos.
As gêmeas siamesas nasceram no dia 31 de janeiro de 2012 unidas pelo abdômen e compartilhando alguns órgãos como fígado, intestino e bexiga. Nove meses depois, foram submetidas a uma cirurgia no Hospital São Vicente de Paulo, para separação dos órgãos. O procedimento foi bem sucedido e durou aproximadamente nove horas. O fato ganhou repercussão nacional através da imprensa e sensibilizou muita gente. O casal, que tem mais duas filhas, de nove e dois anos, e vive com uma renda medial mensal de R$ 800, passou a contar com a solidariedade de pessoas das mais diversas partes do Rio Grande do Sul e também de outros estados.
De São Paulo, chegaram, via sedex, fraldas e uma banheira. De Novo Hamburgo, um carrinho de passeio e mais fraldas. Do litoral catarinense, uma senhora deposita mensalmente, desde dezembro, R$ 250 na conta da família. “Uma emoção muito grande saber que tem pessoas assim, preocupadas com outras. Só tenho a agradecer por tudo que fizeram e estão fazendo por mim” diz Adriana. Com a aproximação do frio, a carência maior no momento, segundo ela, é de agasalho para as meninas.
Mas, assim como surgiram pessoas solidárias no caminho do casal, também apareceram outras querendo tirar proveito da situação. Segundo Adriana, estelionatários estão vendendo uma rifa com a desculpa de que a renda será revertida para as gêmeas. Na premiação, oferecem jogo de panelas e alimentos, entre eles, pepinos em conserva. “Foram vender na empresa de uma amiga minha. Ela me ligou para saber se era verdade e descobrimos a farsa. Nosso nome está envolvido nisso, depois não acontece sorteio vão procurar a gente aqui em casa” lamenta.
Desde que deixaram o hospital, Kerolyn e Kauany já ganharam aproximadamente um quilo cada. Juntas, consomem diariamente cerca de 10 mamadeiras com leite de soja. A comida é preparada separadamente do restante da família, no entanto, o cardápio é reforçado com arroz, massa, feijão, bife de fígado, entre outros. As meninas também recebem complementos alimentares que ajudam no desenvolvimento.
Acompanhamento médico
Em Marau, o acompanhamento médico ficou por conta de uma equipe de profissionais do PSF do bairro jardim do Sol. A cada 15 dias elas são submetidas a exames para controle de peso e do crescimento. Na próxima semana será marcada consulta de revisão do primeiro mês no Hospital São Vicente de Paulo. As irmãs terão de passar por pelo menos mais duas cirurgia. Com a chegada das gêmeas em casa, a rotina da família alterou completamente. As duas costumam dormir por volta da 1h da madrugada e acordam entre 9h30min e 10h da manhã. “Agora são quatro meninas em casa. Tem que dar banho nelas, preparar a comida, cuidar da medicação, encaminhar para a escolinha. A coisa ficou pra lá de corrida” conta Adriana.
Como o pai Juliano, passa o dia todo no trabalho, a mãe teve de recorrer à vizinha para dar conta das tarefas. A jovem Tainara Silva da Rosa, 20 anos, que trabalhava numa empresa de eventos infantis na cidade de Santo Ângelo, é quem ajuda a cuidar das meninas. “Sempre gostei de criança. As duas são muito tranquilas, choram apenas quando sentem fome” comenta.
Segundo a mãe, as filhas ainda demonstram hábitos adquiridos quando estavam sob os cuidados das enfermeiras na pediatria do Hospital São Vicente de Paulo. “O paninho sobre o rosto é indispensável na hora do sono. Elas sentem saudades das enfermeiras. Basta falar o nome da Marelize que as meninas já viram a cabeça para procurar. Agradeço pelo carinho e amor que tiveram durante todo o tempo em que estiveram internadas” diz emocionada.