Há um ano, a auxiliar de produção Fernanda Dias da Silva enfrenta dificuldades financeiras para criar o filho de quatro anos. Desde o nascimento da criança, o pai foge da obrigação de pagar a pensão alimentícia mensalmente. Cansada de esperar pela boa vontade do ex-companheiro, Fernanda busca uma solução judicial para o seu problema. Sem dinheiro para arcar com os custos de um advogado, ela enfrenta a morosidade do atendimento na Defensoria Pública de Passo Fundo. “Não tenho condições de pagar por um advogado, então, procurei a Defensoria, mas levou três meses somente para abrir o processo. Agora, o problema é localizar o pai da criança. Tudo demora, mas não culpo as pessoas que trabalham aqui. Quando há muito trabalho, as coisas ficam lentas mesmo", relata. O órgão, que presta assistência jurídica integral a pessoas que não têm condições financeiras de pagar um advogado e as despesas de processo judicial, tem atualmente apenas dez defensores públicos.
O déficit estrutural da Comarca de Passo Fundo foi apontado pelo Mapa da Defensoria Pública do Brasil, produzido pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A pesquisa, que foi divulgada na no dia 13 de março, comprovou que o município precisaria dobrar o número de profissionais para atender a população mais vulnerável e que precisa do atendimento gratuito. O número ideal de defensores, considerando um universo de um profissional para cada 10 mil pessoas com renda de até três salários mínimos, seria de 15. Segundo a defensora pública, Camila Ferrareze, que é membro do Conselho Fiscal da Associação dos Defensores Públicos do Estado, o levantamento foi realizado entre setembro do ano passado e fevereiro de 2013, quando havia apenas sete defensores.
Segundo a pesquisa, o ideal seria um defensor para cada 10 mil habitantes de público alvo (pessoas com 10 anos ou mais e rendimento mensal per capita inferior a três salários-mínimos). Considerando o público alvo de 140.700 habitantes, cada defensor atenderia aproximadamente 14 mil pessoas. A taxa é considerada alta pelo estudo, ficando acima dos 20 mil habitantes para cada defensor. Os defensores ainda atendem os municípios de Coxilha, Ernestina, Mato Castelhano e Pontão, que fazem parte da Comarca de Passo Fundo.
Segundo a defensora, não há como quantificar o número de processos onde cada defensor atua porque a comarca ainda não está totalmente informatizada, mas a cada mês são realizados pelo menos 400 atendimentos. Além disso, o trâmite processual pode se estender por anos e as ações correm simultaneamente na Justiça. Camila diz que a demanda é invencível já que defensoria atende cerca de 80% das ações criminais que tramitam na Justiça. “São processos mais complexos e que exigem maior dedicação. Na grande maioria dos casos dos presos, por exemplo, eles não têm condições financeiras de pagar advogados e dependem unicamente da defensoria para defendê-los”, diz Camila.
Viagens perdidas
O déficit estrutural de defensores públicos traz consequências práticas para os cidadãos que precisam dos serviços oferecidos pelo órgão. Antônio Almeida, vendedor, tenta conversar com o defensor que atua no seu processo na vara criminal desde dezembro de 2012. Foram quatro tentativas desde então. “Estou tentando saber o resultado da última audiência, mas sempre que venho aqui, dizem que o defensor atende em outro horário. Hoje vou tentar descobrir algo com um estagiário mesmo para não perder a viagem”, relata Almeida.
Sem previsão de novas vagas
Atualmente, depois de um remanejamento de vagas no Estado, a comarca está atendendo com 10 agentes, dois terços da demanda estrutural. Camila explica que no ano passado, o município tinha dois cargos ociosos, que foram ocupados por profissionais realocados de outras regiões. A terceira vaga cobriu a aposentadoria de um defensor.
Mas a solução para o problema está longe de ser resolvida, pois não há previsão para chegar aos 15 defensores necessários para atender a demanda da Comarca de Passo Fundo. Todas as vagas estão ocupadas e, segundo o defensor público-geral do Rio Grande do Sul, Nilton Leonel Arnecke Maria, não há previsão para realização de novo concurso público. “Embora a comarca tenha deficiência de defensores, ainda possui um número razoável de profissionais em relação a outras regiões do Estado”, argumenta. Arnecke adianta que pretende finalizar um estudo até a metade deste ano para ser apresentado aos poderes executivo e legislativo, apresentando a necessidade de contratação de novos profissionais. “Hoje a Defensoria não possui previsão legal e orçamentária para suprir esta carência”, diz.
Ranking
A defasagem de profissionais no município está entre as mais importantes no Estado. O município com maior demanda é Caxias do Sul, onde faltavam no período de coleta de dados da pesquisa, 24 defensores públicos. Passo Fundo estava na 7ª posição no Estado, juntamente com o município de Sapucaia do Sul. Confira o ranking:
Município Déficit*
Caxias do Sul 24
Canoas e Pelotas 17
Gravataí 15
Viamão 13
Alvorada, Santa Maria e São Leopoldo 10
Bagé e Rio Grande 9
Passo Fundo e Sapucaia do Sul 8
* O estudo foi baseado em dados coletados pela ANADEP e Defensorias Públicas Gerais, no período de setembro de 2012 a fevereiro de 2013.
Desigualdade no sistema
No Rio Grande do Sul, o estudo apontou 385 defensores (foi realizado antes das posses mais recentes que elevaram o número para 397), 662 promotores e 774 magistrados. Segundo a Defensoria Pública do Estado, pelo menos 70% dos gaúchos são clientes potenciais do órgão, encarregado também de representar judicialmente crianças, vítimas de violência doméstica e portadores de doença mental. Arnecke explica que das 164 comarcas existentes no território gaúcho, nove não possuem Defensoria e, em 43 os defensores atendem a vários municípios. “Embora exista uma atuação que cobre todo o território, nosso desempenho é ineficiente devido ao baixo número de defensores. Mesmo completando o quadro total, que é de 415 agentes, ainda seria ineficiente para atender os gaúchos de uma forma mais rápida e digna”, explicou.
Entre outubro de 2011 a setembro de 2012, a instituição realizou quase 460 mil atendimentos, a maioria (36%) em ações nas varas de família. Conforme a ADPERGS , cada defensor responde atualmente por um universo de quase 20,5 mil pessoas com renda mensal de até três salários mínimos. E em algumas regiões do estado onde a vulnerabilidade socioeconômica é maior, esse número pode ultrapassar os 40 mil.
No Brasil, são 11.835 magistrados e 9.963 promotores no Ministério Público - números que permitem a cobertura da quase totalidade das comarcas brasileiras - contra 5.054 defensores. Faltam, segundo o estudo, 10.578 defensores no país, onde o número ideal seria de 15.632 profissionais, considerando a proporção de 10 mil destinatários por agente. Em 72% das comarcas, a população não tem acesso a defesa gratuita, conclui a pesquisa.
Agendamento
No início de março, a comarca substituiu a distribuição de fichas por um o sistema de agendamento de atendimentos. Conforme a defensora, a mudança amenizou o problema da defasagem de pessoal. “O agendamento humanizou o atendimento porque anteriormente as pessoas precisavam madrugar na fila para conseguir uma senha de atendimento. Com o agendamento, os atendimentos passaram a ser feitos em no máximo 30 dias e, em casos urgentes, em uma semana”, explica. O agendamento é feito pessoalmente na sede da Defensoria Pública, localizada na Avenida Presidente Vargas, n° 100. O atendimento é das 8h30 às 11h30 e das 13h30 às 18h30, de segunda à sexta-feira.